sábado, 4 de junho de 2016

O fumo da corrupção envolve o Mundo

Por David Langness.


Nestes dias, a veracidade e sinceridade estão profundamente aflitas nas garras de falsidade, e a justiça está atormentada pelo flagelo da injustiça. O fumo da corrupção envolveu todo o mundo... Suplicamos a Deus, o Verdadeiro, que fortaleça os detentores do Seu poder naquilo que irá reabilitar o mundo e trazer tranquilidade às nações. (Bahá'u'lláh, Tablets of Baha’u’llah, p. 39)
A gigantesca fuga de informação de documentos da Mossack Fonseca - conhecida como os Papéis do Panamá - revelou uma cortina de fumo que ocultava evasão fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção entre os ricos do mundo.

A primeira pergunta que a maioria das pessoas faz quando toma conhecimento desta prática generalizada é: quanto é o valor em causa?

É claro que, porque a prática global de esconder activos financeiros e fugir aos impostos é secreta, por natureza, ninguém sabe realmente. No entanto, muitos especialistas e instituições respeitadas fizeram estimativas moderadas; assim, vamos ver se podemos definir a dimensão do problema.

Entre os valores mais baixos das muitas estimativas, encontramos uma do Fundo Monetário Internacional (FMI) que calculou que os chamados "activos transfronteiras" escondidos em paraísos fiscais atingia os 4,6 biliões de dólares americanos no final de Junho de 1999 - cerca de 5% da riqueza global.

O economista e professor da Universidade de Berkeley, Gabriel Zucman, estima no seu livro A Riqueza Oculta das Nações (2015), que actualmente mais de 7.5 biliões de dólares se encontram ocultos em paraísos fiscais. A estimativa conservadora do Zucman, que constitui 8% da riqueza financeira mundial, fica no meio da maioria das projecções.

No extremo oposto, o relatório Tax Justice Network de 2012, elaborado por James Henry, ex-economista-chefe da consultora McKinsey & Company, estima que entre 21 biliões e 32 biliões de dólares estão protegidos de impostos por se encontrarem depositados em bancos sediados em paraísos fiscais, em todo o mundo.

Só para ter uma noção da dimensão destes números, o orçamento federal para os Estados Unidos totalizou 3,8 biliões de dólares em 2015; e o Produto Interno Bruto (PIB) da Inglaterra é de 2 biliões de dólares. O Produto Mundial Bruto (PMB) foi de 78 biliões de dólares, em 2014.

Assim, sabemos que uma parte considerável da riqueza do mundo está escondida, legal ou ilegalmente, em paraísos fiscais. Os Papéis do Panamá demonstram isso, pela primeira vez - e até mostram detalhes como se faz isso.

Mas... esperem... O www.bahaiteachings.org é um site espiritual? Porque é que um site Bahá'í como este se preocupa com a riqueza escondida, evasão fiscal e corrupção? Aqui está o motivo:
A justiça divina exige que se observem dos direitos mútuos e o preceito divino decreta a protecção da justiça mútua.

... O governo é uma fortaleza segura. A protecção fidedigna da governação deve ser um santuário inexpugnável e um refúgio elevado para os direitos dos súbditos. Deve fazer todos os esforços para proteger e salvaguardar os inocentes, e deve dar toda a sua atenção para garantir a honra e a felicidade do seus dependentes e súbditos. Para o súbdito é um repositório divino, e os pobres são um encargo do Senhor da Unicidade.

Da mesma forma, os indivíduos são obrigados a obedecer e a mostrar boa fé. Eles devem desempenhar as funções de serventia e ser sinceros no seu serviço. Boas intenções e gratidão são requisitos, de modo que eles paguem os seus impostos com toda a gratidão e suportem os impostos anuais com aprovação completa. A fim de exaltar ainda mais a posição dos monarcas, aumentar o poder do governo, e aumentar a glória do trono da governação, devem sacrificar os seus bens e as suas vidas. Pois o benefício destas transacções, e o fruto dessa obediência, reverte para a totalidade dos súbditos, de tal forma que todos partilham e participam neste bom destino e nesta condição nobre. Os direitos são mútuos, e os assuntos exigem justiça de todas as partes envolvidas, e todos estão sob a protecção do Senhor justo. (Abdu'l-Baha, tradução provisória, Treatise on Politics)
Tente imaginar, se for capaz, todo o bem esta riqueza global oculta poderia trazer a milhares de milhões de pessoas famintas, pobres e desfavorecidas. Considere a sua capacidade para estabilizar, recapitalizar e revitalizar os países devedores pobres. Conceba um sistema onde todos partilhem razoavelmente na produção de riqueza, porque todas as pessoas pagam os seus impostos. Imagine um mundo unido com um sistema legal uniforme, em que nenhum país permite que os seus banqueiros ou a sua classe rica oculte a riqueza à taxação legítima. Imagine um planeta que se compromete a impor transparência financeira, prestação de contas e do Estado de direito, a nível mundial.

Do ponto de vista Bahá’í, esta imagem de equidade e justiça não é um sonho; pelo contrário, a humanidade está, inevitavelmente, a dirigir-se para a sua realização:
Alguma forma de um super-Estado mundial deve necessariamente desenvolver-se, em cujo favor todas as nações do mundo cederão de boa vontade todo direito de fazer guerra, alguns direitos de cobrar impostos e todos os direitos de possuir armamentos, excepto para fins de manter a ordem interna nos respectivos domínios. (Shoghi Effendi, The World Order of Baha’u’llah, p. 40)
"...alguns direitos de cobrar impostos...", escreveu o Guardião da Fé Bahá'í na década de 1930, aludindo a um dos três principais poderes globais instituído num futuro "super-Estado mundial". Esse governo mundial poria termo à guerra, controlaria a produção e a distribuição de armamento e tornaria a cobrança de impostos justa e equitativa para todos. Num tal sistema global unido, ninguém conseguiria ocultar a sua riqueza ou fugir aos impostos. Os paraísos fiscais não poderiam continuar a existir. Empresas e indivíduos, independentemente de onde vivessem ou estivessem sediados, pagariam impostos de uma forma justa, e estariam em condições de igualdade.

Como poderia isso funcionar? Qual poderia ser o papel de um super-Estado mundial no que respeita à cobrança de impostos? Será por isso que algumas pessoas têm medo de um governo global - porque acreditam que vai cobrar mais impostos? Como pode um sistema federal internacional unido, trabalhar para o bem do mundo?

Ao longo desta série de artigos iremos ver o que os ensinamentos Bahá'ís têm a dizer sobre estas questões, cada vez mais pertinentes.

-----------------------------
Texto original: The Smoke of Corruption, Enveloping the World (www.bahaiteachings.org)

Artigo anterior: Os Papéis do Panamá e os Pobres
Artigo seguinte: Como fazer as Empresas pagar impostos

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

Sem comentários: