O que é que consideramos sagrado?
Os terríveis assassinatos dos jornalistas franceses do Charlie Hebdo mostram-nos, mais uma vez, que a sacralidade significa algo muito profundo - e por vezes muito diferente - para praticamente todas as pessoas. Estes ataques mostram que a maioria das pessoas defende certas crenças, conceitos e ideias que consideram sagradas.
Os terroristas - irracionais, assassinos, dementes, e agora mortos - acreditavam que os caricaturistas francesas tinha desafiado e blasfemado as suas crenças mais sagradas ao retratar o profeta Muhammad, e por extensão todos os Muçulmanos, de forma desrespeitosa e até obscena.
O público ocidental - entristecido, ultrajado e desafiador - obviamente, como mostram as enormes demonstrações de apoio, acredita na sacralidade da liberdade de expressão e na liberdade de imprensa. Acreditam que as mortes violentas dos jornalistas e outros blasfemam toda a liberdade.
Esta colisão de sacralidades deixa-nos a todos reféns e torna o mundo um lugar muito mais perigoso.
Como jornalista e escritor, acredito na liberdade de expressão como um valor sagrado. Como Bahá’í, considero sagrados os profetas de Deus. Para mim, as caricaturas do Charlie Hebdo sobre Muhammad são grosseiras, profanas, ofensivas e juvenis - mas não questiono o direito dos caricaturistas de as desenhar.
Tanto o conhecido sociólogo francês Émile Durkheim como o filósofo e historiador romeno Mircea Eliade consideraram a experiência humana da realidade como um equilíbrio entre o sagrado e o profano.
Durkheim dizia que “a religião é um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas…” e Eliade afirmou “A história das religiões baixa-se e contacta com aquilo que é essencialmente humano: a relação do homem com o sagrado”
Durkheim disse que o sagrado representa os interesses globais do grupo, com o objectivo da unidade, enquanto o profano representa apenas preocupações mundanas individuais. A interpretação de Eliade da experiência religiosa também se concentrou no espaço e no tempo sagrado e profano, que ele definiu, dizendo: "A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo."
As pessoas que consideram sua Fé sagrada - que incluiria os milhares de milhões de seguidores das muitas das religiões do mundo - obviamente opõem-se àqueles que caluniam e difamam as suas crenças amadas e profundamente enraizados. E aqueles que consideram sagrados os princípios ocidentais de democracia e liberdade de expressão acreditam que ataques a esses princípios atacam os próprios fundamentos do seu próprio ser e da sua cultura.
Algumas pessoas designam este conflito como "choque de civilizações". No entanto, quando pensamos sobre nisso, essa descrição simplista não faz sentido. O mundo real tem muito mais variedade, amplitude e especificidades do que qualquer dicotomia ocidente-oriente poderia conter. Muitos muçulmanos acreditam e lutam pela liberdade de expressão; e muitos ocidentais, incluindo cristãos, judeus e muçulmanos, ofendem-se profundamente quando outros insultam as suas religiões.
O que podemos fazer para encontrar um terreno comum?
Os Ensinamentos Bahá'ís sugerem que esses dois valores - respeito pelas religiões dos outros e do respeito do princípio da liberdade de expressão - podem e devem coexistir pacificamente:
Em verdade vos digo que, a língua é para a menção do bem; não a conspurqueis com palavras indecorosas. Verdadeiramente, Deus perdoou o passado. A partir de agora todos devem proferir o que for decente. Esquivai-vos aos anátemas, às maldições e àquilo com que o homem é perturbado. (Bahá'u'lláh, citado por Mirza Abul-Fadl em The Brilliant Proofs, p. 32)
Não se deve ignorar a verdade de qualquer assunto; em vez disso, deve-se dar expressão ao que é certo e verdadeiro. (Bahá'u'lláh, Tablets of Baha’u'llah, p. 38)
Tal como no mundo da política há necessidade de pensamento livre, da mesma forma no mundo da religião deve haver o direito ilimitado de crença individual. Considerai quão grande a diferença que existe entre a democracia moderna e as velhas formas de despotismo. Sob um governo autocrático as opiniões dos homens não são livres, e o desenvolvimento é sufocado, enquanto na democracia, porque a liberdade de pensamento e de expressão não são restringidas, testemunha-se um maior progresso. Isso também é verdade no mundo da religião. Quando a liberdade de consciência, liberdade de pensamento e direito à expressão prevalecem - isto é, quando cada homem segundo a sua própria idealização pode expressar as suas crenças - o desenvolvimento e o crescimento são inevitáveis. ('Abdu'l-Baha, The Promulgation of Universal Peace, p. 197)Para os Bahá'ís, a resposta a este conflito de verdades sagradas significa perceber que caluniar crenças do outro só ajuda a espalhá-las - tal como matar o mensageiro torna a sua mensagem ainda mais amplamente ouvida. As escrituras Bahá'ís pedem a todas as pessoas que se abstenham de violência e que se abstenham de criticar as crenças dos outros. Porém, quando alguém critica as suas crenças, os Ensinamentos Bahá'ís recomendam que se ignore a calúnia e se trabalhe para unir a humanidade:
Este é o resultado da obra do caluniador: ser a causa de orientação dos homens para a descoberta da verdade. Sabemos que todas as falsidades espalhadas sobre Cristo e os seus apóstolos e todos os livros escritos contra Ele, só levaram as pessoas a inquirir sobre a Sua doutrina; em seguida, tendo visto a beleza e inalado a fragrância, eles andaram cada vez mais no meio das rosas e dos frutos desse jardim celestial.
Assim, eu vos digo: espalhai a Verdade Divina com todas as vossas energias para que a inteligência dos homens se possa iluminar; esta é a melhor resposta para aqueles que caluniam. Eu não quero falar dessas pessoas nem dizer nada mal sobre elas - apenas dizer-vos que a calúnia não tem importância! ('Abdu'l-Baha, Paris Talks, p. 104)
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Texto original: What is Sacred–Je Suis Charlie, or the Prophet? (bahaiteachings.org)
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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.
1 comentário:
Baháu'llah, o próprio, afirma:
"Considerai os povos do Ocidente. Vede como, em busca daquilo que é vão e insignificante, eles têm sacrificado e ainda sacrificam incontáveis vidas para seu estabelecimento e sua promoção."
E Bahá'u'lláh também revelou:
Ó povo da terra! A primeira Boa-Nova
que, nesta Revelação de Suma Grandeza o Livro Mater transmitiu a todos os povos do mundo, é que a lei da Jihad foi apagada do Livro. Glorificado seja o Todo-Misericordioso, o Senhor de graça abundante, através de Quem a porta da generosidade celestial se abriu de par em par perante todos os que estão no céu e na terra."
Ele também disse:
"Nas religiões anteriores haviam sido estabelecidos e afirmados de acordo com as exigências do tempo tais preceitos como a guerra santa, a destruição de livros, o interdito de associação e confraternização com outros povos ou da leitura de certos livros; nesta poderosa Revelação, entretanto, neste momentoso Anúncio, as múltiplas dádivas e graças de Deus têm alcançado todos os homens e do horizonte da Vontade do Senhor Sempiterno, Seu infalível decreto prescreveu o que Nós acima expusemos. "
E em outra parte prescreve:
"Incumbe a todos os homens, cada um de acordo com sua capacidade, refutarem os argumentos dos que têm atacado a Fé de Deus. Assim foi decretado por Aquele que é o Todo-Poderoso, o Onipotente. Quem deseja promover a Causa de Deus Uno e Verdadeiro, deve promovê-la através de sua pena e língua, em vez de recorrer à espada ou à violência. "
" Dize: Nós ordenamos que Nossa Causa fosse ensinada através do poder da expressão. Acautelai-vos para que não disputeis futilmente com quem quer que seja. Quem se levantar para ensinar Sua Causa, totalmente por amor a seu Senhor, o Espírito Santo o fortalecerá e o inspirará com aquilo que iluminará o coração do mundo, quanto mais os corações daqueles que O buscam. Ó povo de Bahá! Conquistai as cidadelas dos corações dos homens com as espadas da sabedoria e da expressão. Aqueles que disputam, instigados por seus desejos, estão de fato envoltos em um véu palpável. Dize: A espada da sabedoria é mais quente que o calor de verão, e mais afiada que lâminas de aço, se apenas compreendêsseis. Sacai-a em Meu nome, através da potência de Meu poder, e conquistai com ela, então, as cidades dos corações daqueles que se isolaram na fortaleza de seus desejos corruptos. Assim vos ordena a Pena do Todo-Glorioso, sentada sob as espadas dos refratários."
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