quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A tirania vem dos Governos ou das Religiões?

Por David Langness.


Em verdade, Deus ordenou a realização da justiça e do bem... e Ele proíbe a maldade e opressão. Ele adverte-vos para que sejais cuidadosos. (Alcorão, 16:92)

Sê como uma lâmpada para os que andam nas trevas, uma alegria para os infelizes, um mar para os sedentos, um refúgio para os aflitos, um apoiante e defensor da vítima da opressão. (Bahá'u'lláh, Epistle to the Son of the Wolf, p. 93)
Recentemente, o Ayatollah Ali Khamenei do Irão enviou uma carta aberta aos jovens do Ocidente, expressando uma profunda preocupação com "a imagem que é lhes é apresentada como sendo o Islão."

O líder iraniano dirigiu-se aos jovens do Ocidente, e não aos "políticos e estadistas" da Europa e América do Norte, porque, tal como ele próprio disse, "acredito que eles (políticos e estadistas) afastaram conscientemente o rumo da política do caminho da justiça e verdade."

Khamenei escreveu que as nações ocidentais têm várias "fobias" em relação ao Islão, e que eles têm sido "fingidos e hipócritas" no seu relacionamento com outras nações e culturas. Vamos examinar estas afirmações de forma desapaixonada e objetiva.

O Ayatollah começa por lamentar que o Ocidente tenha provocado durante muito tempo “um sentimento de horror e ódio em relação ao Islão” e colocado “esta grande religião no lugar de um inimigo horrível”. Ele escreve:
Muitas tentativas foram feitas ao longo das últimas duas décadas, desde a desintegração da União Soviética, para colocar esta grande religião no lugar de um inimigo horrível. A instigação de um sentimento de horror e ódio e a sua utilização tem, infelizmente, um longo registo na história política do Ocidente.
Não há dúvida sobre isso. O "longo registo" de animosidade e divisão entre as nações islâmicas do Oriente e as nações da Europa e América do Norte datam de há muito tempo, muito antes da desintegração da União Soviética.

A carta do Ayatollah refere as últimas duas décadas, mas a fractura entre Oriente e Ocidente vem de um passado muito distante, desde a Idade Média. A invasão muçulmana da Península Ibérica no ano 711 EC, marcou, sem dúvida, o início de um conflito cultural épico entre o Islão e o Cristianismo, que continua a repercutir-se no mundo de hoje. O domínio implacável da aristocracia Omíada árabe sobre toda a Hispânia, as carnificinas sangrentas que se seguiram durante as terríveis guerras das Cruzadas e as horríveis torturas da Inquisição, tudo isso tem ecoado ao longo da história de ambas as grandes religiões. Ódios, chacinas e genocídios - de ambos os lados - caracterizaram o comportamento das pessoas comuns e das autoridades religiosas durante esse período negro.

No entanto, se o Ayatollah visitasse o Ocidente moderno de hoje, ficaria provavelmente feliz por saber que a maioria do público esclarecido não responsabiliza o próprio Islão por essas atrocidades históricas.

Em vez disso, as pessoas ocidentais educadas entendem que os indivíduos e os líderes dos próprios governos devem ser responsabilizados pelas suas acções - em vez de culpar as religiões que eles dizem seguir. Por exemplo, quando os líderes ocidentais declararam guerra a países islâmicos como o Iraque (em 2003), uma grande número de ocidentais levantou-se contra essa guerra, incluindo uma maioria de jovens na América do Norte e Europa. Eles não culparam o cristianismo ou o judaísmo por se travar uma guerra injusta e desnecessária; eles culparam os seus governos.

No Ocidente moderno, a maioria das pessoas tenta separar governo e religião, por essa mesma razão. Nós aprendemos que não podemos confiar governos que afirmam ter abraçado uma qualquer filiação religiosa especial, porque muitas vezes eles tomam decisões que violam os princípios espirituais dessa mesma Fé; usam a religião como um meio para controlar e dominar os outros; e para oprimir e marginalizar aqueles que não acreditam no mesmo que eles.

Tanto o Renascimento como o Iluminismo - para os quais os progressos do Islão contribuíram significativamente - procuraram libertar o Ocidente da tirania religiosa,  separar a Igreja do Estado, e conceder a cada homem, mulher e criança o direito humano fundamental e liberdade do culto que consideram adequado.

É claro que essa forma de governo também não mostrou ser perfeito. A carta aberta do Ayatollah dedica vários parágrafos a acusar as nações ocidentais, e a própria civilização ocidental, pelas suas muitas falhas:
As histórias dos Estados Unidos e da Europa envergonha-se com a escravidão, embaraçam-se com o período colonial e mortificam-se com a opressão das pessoas de cor e não-cristãos. Os seus investigadores e historiadores envergonham-se profundamente com o derramamento de sangue realizado em nome da religião entre Católicos e Protestantes, ou em nome de nacionalidade e etnia durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.
É certo que a escravidão, o colonialismo e a opressão são hoje vistos como vergonhosas no Ocidente, tal como devem ser no Oriente, que também tem uma longa e negra história com comportamentos semelhantes. Nenhum governo humano é perfeito, e os governos só começam a aproximar-se da perfeição quando admitem os seus erros e tentam corrigi-los.

Hoje, por exemplo, o governo do Irão reprime brutalmente a sua maior minoria religiosa, os Bahá’ís, negando-lhes o direito à educação e ao emprego; aprisionando-os com base em acusações falsas; torturando e executando-os quando o seu único crime é acreditar numa religião diferente. Todas as organizações internacionais de direitos humanos, incluindo as Nações Unidas, concordam que o governo iraniano actualmente oprime os Bahá'ís.

Mas, apesar de Muhammad ter proibido a opressão no Alcorão, a liderança iraniana não parece desgostosa com essa opressão, por alguma estranha razão. Se o Islão proíbe a opressão, não deveria ela cessar? E não ficaria a juventude do Ocidente - com o seu profundo compromisso com a verdade, a justiça e a liberdade de pensamento - mais impressionada se o Irão terminasse essa a opressão do que com uma carta aberta?

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Texto original: Does Tyranny Come from Governments or Religions? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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