sábado, 10 de junho de 2017

As pessoas transgénero podem ser Bahá’ís?

Por David Langness.


Por vezes recebemos perguntas intrigantes aqui no site www.bahaiteachings.org, incluindo esta de um leitor, na semana passada: As pessoas transgénero podem ser Bahá'ís?

Esta é a pergunta tal como a recebemos: "Olá. Eu sou transgénero e tenho estado a ver a religião Bahá'í há vários meses - quase um ano. Sei que há igualdade de género, mas como é que as pessoas Bahá’ís vêem pessoas transgénero como eu? Eu não quero fazer parte de um grupo religioso que me odeia por existir... (se é que isso faz sentido.)"

Enquanto pensava como iria responder a esta pergunta, lembrei-me do primo de um velho amigo meu. Nascido quando eu era adolescente, o bebé que eu vou referir como Bob (não é o seu verdadeiro nome) tinha o que então eufemisticamente se chamava "defeitos de nascença." Mais tarde soube que ele tinha nascido geneticamente ambíguo - com os órgãos genitais de ambos os sexos. Na época, os médicos deram-lhe a designação que agora se considera ofensiva: "hermafrodita".

Quando o Bob nasceu, os seus pais foram confrontados com uma escolha difícil, do tipo “moeda ao ar”: os médicos disseram-lhes que tinham de decidir, imediatamente, que género queriam que o seu filho fosse. Os pais viveram a angústia da escolha, e por fim decidiram; os médicos fizeram uma intervenção cirúrgica e, alguns meses após seu nascimento, deram-lhe as características físicas de um rapaz.

Mas à medida que ele crescia, apesar das grandes doses de hormonas masculinos receitados pelos seus médicos, ele não se sentia, nem agia, nem se identificava como um rapaz. Já quando era criança, pensava em si próprio como uma menina; e os seus pais culparam-se por ter feito a escolha errada. Os anos de adolescência de Bob, como se pode imaginar, foram verdadeiramente difíceis. Finalmente, quando era adulto, Bob tornou-se Bobbi, depois de ter estado quatro anos em aconselhamento e se ter submetido a uma difícil cirurgia que lhe devolveu o género a que ela sempre sentiu que pertencia.

A palavra mais moderna para a condição médica de nascimento de Bobbi é “intersexo”, que significa ter um corpo que não se encaixa nas definições típicas de sexo masculino ou feminino. As pessoas intersexuais têm frequentemente variações genéticas derivadas do cromossoma XY que geralmente define um homem, ou do cromossoma XX que geralmente define uma mulher. Existem muitas variações, e os investigadores estimam que 1,7% de todos os nascimentos humanos têm variantes intersexuais, muitas delas não são imediatamente óbvias após o nascimento.

A ciência está a começar a compreender as pessoas intersexuais, e a lei dos direitos humanos ainda está a lutar para acompanhar a ciência. O Alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, por seu lado, define intersexo desta forma:
As pessoas intersexo nascem com características sexuais (incluindo genitais, gónadas e padrões de cromossomas) que não se encaixam noções binárias típicas de corpos masculinos ou femininos.

Intersexo é um termo abrangente usado para descrever uma ampla gama de variações corporais naturais. Em alguns casos, as características intersexo são visíveis no nascimento, enquanto noutros, eles não são aparentes até a puberdade. Algumas variações cromossómicas intersexo podem não ser fisicamente aparentes. (United Nations Office of the High Commissioner for Human Rights, October 24, 2016)
Aprendi alguma coisa com o difícil caminho da Bobbi ao longo desta existência física. As pessoas transexuais - especialmente aquelas que se submetem à reorganização cirúrgica do sexo, quando são adultos - sentiam como se estivessem aprisionadas no género errado durante toda a sua vida. Nos maus velhos tempos, antes da ciência ter começado a reconhecer e desenvolver adequadamente a capacidade de intervir medicamente para ajudar as pessoas intersexuais, o ódio, os abusos e os suicídios eram comuns. Hoje, felizmente, algumas das atitudes em relação às pessoas transgénero estão a mudar.

Mas voltemos à pergunta original: Como é que os Bahá’ís vêem pessoas transgénero? Em primeiro lugar, os Bahá’ís vêem todas as pessoas com uma perspectiva de universal de amor e aceitação:
Considerando que Deus é amoroso, porque devemos ser injustos e indelicados? Se Deus manifesta lealdade e misericórdia, porque devemos mostrar inimizade e ódio? Certamente a política divina é mais perfeita do que o plano e a teoria humana; pois não importa quão sábio e arguto o homem se possa tornar, ele nunca poderá alcançar uma política que seja superior à política de Deus. Assim, devemos imitar a atitude de Deus, amar todas as pessoas, ser justos e bondosos com toda a criatura humana. ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 174)
No que toca à questão específica do nosso leitor, contudo, a Casa Universal de Justiça - o corpo administrativo Bahá’í eleito de forma global e democrática - determinou há muito tempo que a mudança de género transgénero/transexual deve ser uma decisão totalmente privada a cargo do indivíduo e dos médicos especialistas:
A Casa da Justiça não encontrou qualquer texto nas escrituras Bahá'ís que aborde explicitamente os temas da transexualidade ou das operações cirúrgicas realizadas para mudança de sexo ou para escolher um único sexo. Foi decidido que as mudanças de sexo ou as tentativas de mudança de sexo devem, neste momento, ser consideradas questões médicas sobre as quais se deve procurar aconselhamento e orientação de especialistas nessa área. (Agosto de 1983)
Porque os Bahá’ís acreditam firmemente no princípio básico da conformidade entre ciência e religião; e porque esta delicada orientação da Casa Universal de Justiça aconselha os Bahá’ís a tratar as questões dos transgéneros como questões puramente médicas; e também porque a Bobbi finalmente se tornou uma Bahá’í que a sua comunidade aceitou e amou; eu penso que é seguro dizer que na comunidade Bahá'í, estimado leitor, ninguém o vai "odiar por existir". Os Bahá’ís não são perfeitos - todas as pessoas são propensas a preconceitos e a ideias pré-concebidas - mas 'Abdu'l-Bahá estabeleceu o verdadeiro padrão Bahá’í quando afirmou:
Assim como Deus ama a todos e é amável com todos, assim devemos realmente amar e ser bondosos com todos. Não devemos considerar ninguém como mau, ninguém digno de repulsa, ninguém como inimigo. Devemos amar a todos; ou melhor, devemos considerar todos como aparentados connosco... (The Promulgation of Universal Peace, p. 267)
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Texto original: Can Transgender People Be Baha’is? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

1 comentário:

José Carlos disse...

Um bom e explicito artigo.
Muito Obrigado Marco António, por o partilhares.
J. Carlos