No passado mês de Abril celebrámos 30 anos de democracia. Na altura o Adufe perguntou o que houve de bom nestes 30 anos. Num comentário respondi que todos os momentos em que pudemos votar, foram momentos bons; todos os instantes em que pudemos expressar a nossa opinião, foram momentos bons. Essa liberdade de expressão parece hoje um dado adquirido; mas houve várias gerações antes da nossa que não puderam usufrui-la durante muitos anos.
O nosso sistema democrático é melhor do que qualquer sistema totalitário. Após uma polémica em torno do apelo ao voto em branco por parte de José Saramago, alguns comentadores políticos recordaram que a democracia não é perfeita mas é o melhor que conseguimos arranjar até hoje. Mas poderá ser melhorado?
Um Sistema Condicionado
As eleições no nosso sistema democrático são, na verdade, actos democráticos condicionados. Na maioria dos actos eleitorais não estamos a votar em pessoas, mas em partidos. O voto num partido, nunca é um voto numa pessoa, mas sim num conjunto de pessoas (poder-se-á ainda dizer que é um voto num conjunto de ideias ou propostas). Temos liberdade de escolha, mas é uma liberdade condicionada.
É como se tivéssemos de escolher entre cabazes de compras.
Imagine-se que ao fazermos compras tínhamos escolher entre um pacote de arroz e um pacote de espaguete. Mas quem comprasse arroz, teria de comprar também um champô, uma frigideira e um pacote de chocolates; quem quisesse comprar o pacote de espaguete teria de comprar um conjunto de pilhas, um tapete e uma lata de salsichas. Além destes condicionalismos existiria outro: seria impossível comprar simultaneamente arroz e espaguete!
Esta situação caricata é no fundo o que acontece na maioria dos nossos actos eleitorais: não podemos escolher os nossos deputados; a nossa escolha está condicionada pelas listas de deputados existentes.
Existem pessoas capazes em todos os partidos; se alguém desejar que algumas personalidades (nas quais reconhece a devida inteligência e competência política) pertencentes a diferentes partidos sejam eleitas, terá sempre dificuldades em votar. Primeiro é necessário que essas personalidades sejam incluídas nas listas de candidatos (e a elaboração das listas nem sempre segue critérios claros); segundo, terá de fazer uma escolha onde irá excluir pessoas que considera capazes e incluir pessoas que não são da sua preferência ou nem sequer conhece.
O Sistema Bahá’í
O sistema eleitoral bahá’í está claramente alguns passos à frente do sistema eleitoral da nossa democracia. Ali não existem listas de candidatos; qualquer membro da comunidade pode ser eleito; no boletim de voto cada crente escreve os nomes dos crentes que considera mais aptos para o cargo a eleger.
Não se pense que um sistema destes apenas funciona em pequenas comunidades. Este sistema funciona nas comunidades em países tão distintos como a Índia (mais de um milhão de crentes), o Uganda (100 mil crentes), a Bolívia (70 mil crentes) ou os Estados Unidos (130 mil crentes). A dimensão da comunidade e as suas raízes culturais não são obstáculo ao funcionamento deste sistema.
Por este motivo, sinto sempre dificuldades para fazer a minha escolha nas eleições da nossa república; é muito mais fácil votar em eleições bahá’ís.
Um sistema combinado
Uma possível combinação destes dois sistemas passaria pela criação de um círculo eleitoral nacional (mantendo-se os círculos eleitorais distritais). Para esse círculo os partidos apresentariam listas de candidatos; o eleitor, porém, poderia escolher alguns nomes de diferentes listas de candidatos. Deste modo, os deputados eleitos pelo círculo nacional seriam escolhidos directamente pelos cidadãos – independentemente da sua cor política e da sua posição na lista de candidatos.
Por exemplo, poderíamos ter 12 deputados eleitos pelo círculo nacional, e cada eleitor poderia escolher 1 a 6 nomes de deputados para esse círculo; poderia escolher o 1º e 3º nomes do partido A, o 5º e 8º nomes do partido B, e assim sucessivamente. O círculo nacional também poderia estar aberto a candidaturas independentes.
O importante aqui é dar ao eleitor a possibilidade de escolha dos deputados com que ele se identifica mais (mesmo que estes tenham diferentes cores políticas). Neste tipo de eleição, o voto do eleitor nunca vai para um partido, mas para o conjunto de pessoas que ele escolhe. Votar em pessoas é a base do processo eleitoral bahá’í.
Esta forma de eleição obrigaria os partidos a uma escolha muito cuidadosa dos deputados do círculo nacional; ao escolher os deputados individualmente, cada eleitor não poderia deixar de se sentir mais próximo das decisões políticas deste país.
Creio que esta combinação dos dois sistemas seria uma forma de aprofundar a nossa democracia.