A maioria das religiões mundiais são anteriores à ciência moderna, e não ficaram indiferentes ao seu surgimento. Frequentemente, a inovação do conhecimento científico, criou diferentes correntes de opinião entre as religiões; houve os que condenavam e perseguiam os defensores do novo conhecimento científico, e houve os que reformularam o seu conhecimento da religião, à luz do novo conhecimento científico. Neste atrito entre ciência e religião, houve extremismos inconcebíveis e mártires.
Surgida no século XIX, a religião Bahá'í é posterior à ciência moderna; entre os seus princípios afirma-se explicitamente que "ciência e religião devem estar em harmonia". Esta frase em si é apelativa mas significa exactamente o quê? Serão a ciência e a religião caminhos de conhecimento igualmente válidos? Serão caminhos que nos levam a tipos de conhecimento totalmente distintos? Será que se cruzam nalguns aspectos, ou nunca se tocam? Tenho reparado que mesmo entre bahá'ís, este tipo de questões recebe uma multiplicidade de respostas.
Primeiramente parece claro que a ciência e a religião se tocam em alguns pontos. Mais não seja, porque ambas são preocupações humanas, ambas exercem influência na nossas vidas. Além disso, a ciência e a religião oferecem duas perspectivas da realidade, perspectivas essas que nos ajudam a encontrar um significado para a vida, que individual, quer colectiva. Se a ciência e a religião devem estar em harmonia, então devem criar perspectivas coerentes, em vez de apresentar visões distintas da realidade.
O que significa mesmo harmonia? Na música, as notas harmoniosas complementam-se de forma agradável; notas não harmoniosas produzem apenas ruídos desagradáveis. Poder-se-ia dizer existe harmonia quando diferentes elementos se complementam e produzem um resultado que é maior que a soma das partes. E note-se que para haver harmonia, os elementos não têm de ser iguais. Da mesma forma, a ciência e a religião não são iguais; podem-se complementar de formar harmoniosa.
Talvez seja surpreendente que as escrituras bahá'ís não digam que a ciência deve estar de acordo com a religião; pelo contrário, é a religião que deve estar de acordo com a ciência:
Se a religião fosse contrária à razão lógica, então deixaria de ser religião para ser simplesmente tradição. Religião e ciência são duas asas sobre as quais a inteligência do homem pode voar até às alturas, com as quais a alma humana pode progredir. Não é possível voar apenas com uma asa! Se um homem tentasse voar unicamente com a asa da religião, cairia imediatamente no pântano da superstição, enquanto, por outro lado, apenas com a asa da ciência, também nenhum progresso faria, antes se afundaria no lodaçal desesperante do materialismo. ('Abdu'l-Bahá, Paris Talks, p.143)'Abdu'l-Bahá afirmou várias vezes que a religião deve estar de acordo com a ciência e a razão. Quando isso não acontece, torna-se apenas superstição, e não deve ser aceite. Um dos principais factores de atrito entre ciência e religião tem sido a recusa obstinada de seguidores de algumas correntes religiosas em permitir que o seu entendimento da religião receba um contributo da ciência. É assim que encontramos algumas correntes religiosas que consideram as Sagradas Escrituras como um relato literal da história da humanidade e do universo, e não uma descrição metafórica que nos pretende transmitir valores e ensinamentos espirituais.
São muitas as "vozes religiosas" que adoptam uma posição crítica em relação à ciência., cada vez que esta entra em conflito com o seu entendimento da religião. Preferem dizer que a ciência "está na sua infância", que é "excessivamente materialista", ou apenas "uma ilusão satânica". Na perspectiva bahá'í, essas vozes caem na superstição ao impedir que a ciência e a razão influenciem as suas convicções religiosas.
Mas relativamente ao conhecimento científico, é importante ter presente que este é sempre provisório. A ciência nunca nos proporciona um conhecimento absoluto e definitivo. Através da observação, experimentação e razão há sempre a possibilidade de alterar qualquer pedaço de conhecimento científico. Mas esta natureza provisória do conhecimento científico não significa que se possa desprezar a sua utilidade ou validade. Além disso quando se argumenta sobre a maturidade de uma qualquer ciência, é também importante ter presente qualquer ciência, por muito imatura que seja, tem sempre algo de útil a dizer-nos sobre o mundo em que vivemos.
A religião Bahá'í também considera o conhecimento religioso como evolutivo. O princípio da revelação progressiva mostra-nos que o conhecimento religioso evolui e amadurece ao longo da história da humanidade; mesmo quando um indivíduo lê, estuda e debate assuntos religiosos, o seu conhecimento religioso também evolui e amadurece. A verdade absoluta apenas reside no próprio Deus; apenas podemos aproximar-nos dela. Seria incorrecto agarrarmo-nos a uma determinada interpretação das sagradas escrituras, quando temos fortes evidências que essa interpretação está incorrecta.
'Abdu'l-Bahá usou frequentemente a analogia da ciência e religião como duas asas de um pássaro que devem ser igualmente fortes para que a humanidade possa desenvolver todo o seu potencial. Parece-me óbvio que devemos deixar crescer o nosso conhecimento religioso, tal como deixamos crescer o nosso conhecimento científico. É esse crescimento de duas formas de conhecimento, harmoniosas entre si, que nos permitem compreender cada vez melhor as maravilhas da criação divina.
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LINKSSome Questions about Science and Religion, Interviews with Abdul Baha at Tiberias and Haifa, by Anna KunzQuotations on science and religion, by Universal House of JusticeScience and Technology, Compiled by Research Department of the Universal House of JusticeCommentary on Are Abdu'l-Baha's views on evolution original? by Stephen Friberg