Uma das minhas leituras regulares tem sido o Diário Ateísta. Não que concorde com o conteúdo ou o teor da maioria dos posts, mas, a verdade é que, a troca de opiniões com alguns dos seus autores tem sido muito interessante (creio que ultrapassámos rapidamente a fazer das bocas e provocações). Recentemente, um post da Palmira Silva abordava a questão da tolerância religiosa. Algumas das ideias ali defendidas merecem vários comentários e são passíveis de dar início a um bom debate. Achei que seria melhor reunir aqui num único post todos os meus comentários.
Refere a Palmira a "confusão que alguns dos nossos leitores fazem entre intolerância em relação às religiões e posts onde se denunciam acções, passadas ou presentes, que consideramos danosas dos direitos humanos, dos valores éticos de uma sociedade que se quer de facto no século XXI e do laicismo"
Parece-me que a maioria dos posts dão azo a essa confusão. Por exemplo, qualquer acto criminoso ou apenas disparatado de um membro proeminente da Igreja Católica dá invariavelmente azo a um post com a condenação da Igreja como um todo. Acontece que a Igreja Católica não pode ser vista como um todo. Por exemplo, se um qualquer cardeal diz um disparate, fará sentido, só por causa disso, dizer que toda a Igreja Católica é um enorme monte de disparates? É óbvio que não. Existem na Igreja Católica muitas correntes e tendências, muitos modelos teológicos e muitas expressões culturais, que por vezes até se relacionam com alguns atritos; na Igreja Católica estão pessoas cujo trabalho e ideias são respeitáveis. Basta recordar nomes como Leonardo Boff, Hans Kung ou Samuel Ruiz.
Na minha opinião, a maioria dos vossos posts, ao insistirem na constante condenação das "acções, passadas ou presentes, que consideramos danosas dos direitos humanos" dão ao Diário Ateísta um carácter mais anti-religioso do que pro-ateísta. Se de facto todos estamos interessados em conseguir um "mundo cada vez mais global em que urge a coexistência pacífica, especialmente de credos" torna-se mais importante procurar um denominador comum em diferentes convicções religiosas e políticas, do que procurar continuamente a condenação verbal das religiões por causa de actos ou palavras dos seus membros. É óbvio que não devemos esquecer o passado; mas devemos preparar o futuro.
Estou completamente de acordo contigo quando dizes "qualquer grupo que pretenda ser o detentor intolerante da verdade e moral absolutas, que se arrogue divina e superiormente justificado para impor a sua forma de ver e estar na vida é uma ameaça à paz e à justiça. Todos nós somos testemunhas do perigo dos fundamentalismos religiosos". Apenas acrescentaria que esses grupos não são apenas religiosos; também são políticos.
O século passado viu surgir várias ideologias fabricadas pelo ser humano com o objectivo de salvar a humanidade dos seus problemas. Como foram trágicos os resultados dessas ideologias: divinização do Estado, sujeição de povos ao domínio de uma nação, raça ou classe social, supressão de todo o tipo de debates e intercâmbio de ideias… Quem defende esse tipo de dogmas – sejam eles de esquerda ou de direita, comunistas ou capitalistas – será capaz de nos explicar onde está o mundo novo prometido por essas ideologias? Onde está a paz mundial que sempre afirmaram defender? Também essas ideologias deve ser recordadas frequentemente.
Ainda sobre as ameaças à paz, devemos ter consciência que, por vezes, nos apresentam problemas religiosos que na verdade são apenas problemas políticos. A maioria dos políticos sabe que a religião tem uma profunda importância na identificação pessoal de um indivíduo. E qualquer pessoa de bom senso percebe que a religião tem sido usada frequentemente como factor mobilizador das populações contra problemas sociais. Por exemplo, o que se passa na Irlanda do Norte é um problema entre católicos e protestantes ou entre Ingleses e Irlandeses?
No último parágrafo escreveste: "A paz, a justiça, os direitos e a própria sobrevivência do homem só serão de facto possíveis quando as religiões se remeterem para o foro privado, que deveria ser o seu papel, sem tentativas de imiscuição na vida pública."
Se se entende "imiscuição na vida pública" por "demasiada influência das autoridades religiosas em questões de estado", então a frase peca por ser redutora. "A paz, a justiça, os direitos e a própria sobrevivência do homem" têm raízes em problemas bem mais amplas. Veja-se o racismo (uma das mais ultrajantes violações dos direitos humanos), as disparidades escandalosas entre ricos e pobres, o nacionalismo desenfreado (tão diferente de um patriotismo saudável), os preconceitos religiosos (um praga repugnante para o progresso humano), a emancipação da mulher (sempre tão afastadas de órgãos de decisão) e a educação básica obrigatória para todas as crianças deste planeta.
Na minha opinião são esses os principais obstáculos para fazer deste planeta um só país e da humanidade os seus cidadãos.
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