quinta-feira, 8 de setembro de 2005

Jorge Filipe, outra vez.


O Jorge anda atrapalhado. Concluiu a primeira classe com muitas dificuldades. "A professora disse que ele sabe escrever, mas não sabe fazer contas. Passou-o por favor... Para o próximo ano vai ser bonito!" contou a mãe. Agora tem um livro de fichas de exercícios para fazer durante as férias.

A verdade é que apesar do Jorge morar numa casa com seis adultos, ninguém lhe dá atenção, ninguém brinca com ele. E se sabem ele anda mal na escola, dão-lhe umas bofetadas, ameaçam com umas tareias. Mas ninguém o ajuda com as matérias da escola; uns não podem, outros não querem. Não hesitam em chamar-lhe "Burro!"; é algo que também se acostumou a ouvir dos seus pequenos colegas.

Vimo-lo várias vezes a tentar fazer exercícios do livro que a professora recomendou. Os erros eram muitos e as dificuldades de concentração enormes. Tudo o distraía: o som da televisão, as conversas dos adultos, o barulho dos animais ou até a lembrança de algum brinquedo. "Vai buscar uns grãos de milho que eu explico-te como fazer contas" disse-lhe uma tia. Durante alguns dias, o milho ajudou-o a fazer contas. Mas o Jorge precisava de ajuda permanente.

Dentro de algumas semanas a escola vai começar. Vai sentir ainda mais dificuldades. E a falta de apoio será a mesma. Por este andar, o que será a vida deste miúdo?

3 comentários:

Anónimo disse...

Então não há ninguém que vá com o Jorge, ao Centro de Saúde da área de residência, e na consulta do Médico de Família, peça para o Jorge ter uma consulta com uma psicóloga, esta por sua vez poderá ou não enviar a criança ao pedoneurologista.

Não há crianças “burras”, há sim adultos prepotentes, como esses familiares e a própria professora que com ele privou ano passado e nada fez!

Marco,
Se a família se recusar a ir com Jorge ao médico, vá o Marco!
Sei que deve ter bem mais que fazer! Hoje já deu um passo, por uma criança.
Mas, tente que a família não “berre” com ele e bater-lhe!!! Porquê?
Se cada um de nós, conseguir que uma criança inocente não seja tão infeliz, valeu a pena a nossa existência, neste inferno humano!
Porque como diz o Dr. Pedro Namora, VALE A PENA LUTAR!

GR

Marco Oliveira disse...

GR,
O caso do Jorge é o resultado de um ciclo vicioso de pobreza e ignorância. Os pais já passaram pelo mesmo que ele está a passar agora; os avós também. Todos sentiram enormes dificuldades na escola, todos sentiram as dificuldades da pobreza, todos se sentiram discriminados por serem pobres, todos são pressionados para abandonar a escola muito cedo e começar a trabalhar para "ajudar a família".

Talvez o maior obstáculo entre os familiares do Jorge seja a "pobreza mental". Em casa, ele tem o DVD do homem aranha, uma Playstation, uma bicicleta... Dão-lhe estas coisas (que já pertenceram a outros miúdos) mas nunca lhe ofereceram um jogo educativo que estimulasse o seu desenvolvimento intelectual.

Ao escrever este post o que eu fiz aqui não foi dar nenhum passo pela felicidade do Jorge. Foi mais um desabafo pela minha impotência em relação à situação dele; o Jorge mora a 350 km de distância da minha casa. A esta distância torna-se muito difícil acompanhar regularmente o miúdo e controlar o que se passa ao seu redor.

Anónimo disse...

MARCO,

Pelo menos está sensível para os problemas das crianças!

Mas não pode haver circulos viciosos, a pobreza não é uma doença congenita!E até mesmo essas são curáveis!

Professoras,padres,assistente social, centros de saúde, não há ninguém mesmo! Não digo que tenha que ser o Marco! Naturalmente!

É o sistema!!!
Os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais miseráveis.

É o país que queremos!

Um abraço,

GR