sábado, 19 de dezembro de 2015

Lições profundas num funeral

Por Jaine Toth.


Há alguns anos atrás fui ao funeral de uma familiar, uma mulher vibrante que vi crescer desde que era uma menina exuberante com seis anos de idade até se tornar uma mãe admirável com um sorriso constante e disposição alegre. Subitamente foi atacada por várias crises, incluindo um divórcio inesperado e indesejado que provocou problemas financeiros e a doença da sua mãe; ficou profundamente perturbada. E mesmo assim, foi um choque saber que o seu desespero a levara ao suicídio.

Apesar das circunstâncias, a cerimónia religiosa celebrou verdadeiramente a sua vida, deixando toda a gente sorrindo entre lágrimas e sentindo-se melhor do que quando chegaram. Assim, muitas das coisas que se disseram no funeral e a subsequente reunião acabaram por reflectir Have a Little Faith, de Mitch Albom, um livro que li quando voltei a casa. Coincidência? Isoladamente seria inspirador, mas com os acontecimentos acabou por suscitar uma profunda reflexão.

Muitas pessoas falaram no funeral; a maioria tinha sido ajudada por ela, quando os seus próprios problemas pareciam insuperáveis. Ela tinha sido a sua rocha, o seu ouvido atento, a única pessoa que acreditava neles e os alimentava durante os seus sofrimentos. O último a partilhar pensamentos e recordações foi o  filho. Lembrou-nos que a mãe nunca julgou ninguém. Estava orgulhoso da mãe que compreendia que as circunstâncias poderiam prejudicar as opiniões das pessoas, mas que estas poderiam ser gentilmente levadas ao caminho certo. Ela nunca guardou ressentimentos ou rancor e era rápida a perdoar, afirmou ele. Acrescentou ainda que ela ensinara os filhos que, mesmo que estivessem zangados com os seus entes queridos, deviam expressar-lhes o seu amor. E de facto, garantiu ele, sentia um conforto especial pelo facto das suas últimas palavras para a mãe terem sido "Eu amo-te". Perante as muitas pessoas que perguntavam "Como posso ajudar-vos?" a ele e à sua irmã, ele sugeriu que a melhor maneira de ajudar seria viver de acordo com o exemplo e os conselhos da mãe: "Não julgar. Perdoar. Ser um exemplo".

No livro de Albom, um padre, incomodado com a abertura de sinagoga perto da sua igreja, fez um comentário ofensivo a um dos fiéis judeus. Isto levou a uma conversa entre ele e o rabino. Pouco depois, o padre e o rabino são vistos andando de braço dado no pátio da escola religiosa. Albom escreve: "Algumas crianças olharam surpreendidas. Outras olharam fixamente. Mas todas elas repararam." Estes sacerdotes pararam de julgar. Perdoaram. Tornaram-se um exemplo vivo.

Para o funeral, o irmão e a irmã tinham convidado o padrasto. Ao início, ele não queria comparecer, porque receava: "Toda a gente me vai odiar!" Mas eles garantiram-lhe que seria bem-vindo. E ele veio; a sua dor era visível e real. Talvez viesse de um sentimento de culpa, talvez de algum sentimento de perda. A sua capacidade de engolir o seu orgulho e enfrentar o seu medo, o facto da família aceitar a sua presença, ainda que em alguns possa ter sido relutante, iniciou uma cura para todos eles.

Quando li no livro de Albom uma lição que ele recordava da sua educação religiosa, lembrei-me da magnanimidade dos irmãos:
Depois dos israelitas atravessarem o Mar Vermelho em segurança, os egípcios que os perseguiam afogaram-se. Os anjos de Deus queriam para celebrar a morte do inimigo. De acordo com o comentário, Deus viu isso e ficou zangado. Ele disse, em resumo: “Parem de celebrar. Aqueles também eram meus filhos".
Albom e seu rabino debateram o facto do maior medo da maioria das pessoas em relação à morte é que podem ser esquecidas e que seria como uma segunda morte. O rabino tranquilizou-o:
Em resumo, a resposta é simples. Família. É através da minha família que eu espero viver durante algumas gerações. Quando me lembro, eu vivo. Quando eles oram por mim, eu vivo. Temos todas as recordações, os risos e as lágrimas.
Esta minha familiar não vai sofrer essa segunda morte. Ela vai viver através de todas as memórias especiais que ela criou para todos aqueles que ficaram.

Fiquei confortada ao saber que a bela alma daquela jovem, que deu tantos conselhos sábios aos outros e se esqueceu ela própria de os seguir, continuará a progredir. Os ensinamentos Bahá'ís dão-me essa tranquilidade e conforto:
Agora, consideremos a alma. Vimos que o movimento é essencial à existência; nenhuma coisa que tem vida é imóvel. Toda a criação, seja do reino mineral, vegetal ou animal, está obrigada a obedecer à lei do movimento; deve subir ou descer. Mas com a alma humana não há declínio. O seu único movimento é em direcção à perfeição; apenas o desenvolvimento e o progresso constituem o movimento da alma.

A perfeição divina é infinita; por isso, o progresso da alma também é infinito. Desde o nascimento de um ser humano, a alma progride, o intelecto desenvolve-se e o conhecimento aumenta. Quando o corpo morre, a alma continua a viver. Todos os diferentes graus dos seres físicos criados são limitados, mas a alma é ilimitada! 
Em todas as religiões existe a crença de que a alma sobrevive à morte do corpo. São feitas invocações pelos mortos queridos, são feitas orações pelo seu progresso e pelo perdão dos seus pecados. Se a alma perecesse com o corpo, tudo isso não teria sentido. Além disso, se não fosse possível à alma avançar em direcção à perfeição depois de se libertar do corpo, para que serviriam todas essas preces afectuosas de devoção? ('Abdu'l-Bahá, Paris Talks, p. 89)
Todos nós podemos orar pelos nossos amigos e família que nos precederam na próxima vida, e esperamos as suas orações quando fizermos essa viagem.

-----------------------------
Texto original: Deep Lessons, from a Funeral (www.bahaiteachings.org)

- - - - - - - - - - - - - - - -

Jaine Toth é actriz, escritora e formadora. Vive no Arizona (EUA), perto do Desert Rose Baha'i Institute. É autora de uma coluna semana num jornal.

Sem comentários: