Quando em Adrianópolis, Bahá'u'lláh revelou uma Epístola dirigida ao Xá da Pérsia (ver aqui e aqui), afirmou que o seu portador iria aparecer mais tarde. Durante, os anos seguintes à revelação dessa Epístola houve vários crentes que se ofereceram para a levar ao monarca persa; mas essas ofertas sempre foram recusadas pelo Fundador da religião Bahá'í. O seu portador acabaria por aparecer: Em Julho de 1869, 'Aqa Buzurg, um jovem crente que ficou conhecido por Badí’ viajou da Terra Santa para a Pérsia, e conseguiu fazer chegara Epístola às mãos do Xá. A sua coragem valeu-lhe o martírio. Cento e trinta e seis anos após esse acontecimento, aqui fica uma pequena descrição sobre a história de Badí' [1].
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Nabil-i-A'zam, o mais conhecido cronista baha'i do tempo de Bahá'u'lláh, nas suas viagens pelo Irão passou uma vez por Nishabur, uma cidade da província de Khurasan, onde encontrou vários crentes e alguns conhecidos de outras viagens. Numa conversa com um desses crentes, o homem lamentou-se por causa do filho. 'Áqá Buzurg, era um adolescente rebelde, não lhe dava ouvidos, não tinha qualquer interesse na religião; percebia-se que o jovem devia ser motivo de quase desespero para a família.
Nabil pediu para falar com o adolescente. Segundo a sua narrativa, ter-lhe-á falado sobre os sofrimentos e aflições de Bahá'u'lláh e citado algumas das Suas escrituras. Como resultado dessa conversa, o comportamento do jovem alterou-se profundamente. Nos dias seguintes, o pai estranhou a sua calma e várias vezes notou que ele tinha lágrimas no rosto. Quando passados alguns dias, Nabil prosseguiu viagem, o jovem 'Aqa Buzurg quis acompanhá-lo, mas foi impedido pelo pai.
Só alguns meses mais tarde, e após muita insistência, o pai permitiu que o filho viajasse na companhia de outros crentes até Adrianópolis, cidade onde se sabia que Bahá'u'lláh estava exilado. A viagem decorreu com vários incidentes; foram presos e assaltados. Em Mosul tiveram conhecimento que Bahá'u'lláh tinha sido enviado para 'Akká, onde se encontrava preso; a partir daí, 'Áqá Buzurg viajou, a pé e sozinho, até à fortaleza nas costas do Mediterrâneo.
Naquele ano de 1869, os guardas que vigiavam as portas da cidade de 'Akká tinham instruções especiais para impedir a entrada de viajantes persas; pretendia-se evitar que os baha’is contactassem com Bahá'u'lláh. Mas o tempo e as tribulações da viagem tinham-se encarregar de desgastar progressivamente as roupas do adolescente; nada na sua aparência fazia supor que fosse um persa. Assim, entrou na cidade sem dificuldades.
Uma vez no interior da cidade sentiu-se perdido; não conhecia a cidade, não sabia como encontrar outros baha’is e não queria fazer perguntas com receio de ser identificado. Quis o Destino que numa mesquita da cidade, se cruzasse com um grupo de persas, entre os quais reconheceu 'Abdu'l-Bahá. Após os cumprimentos e apresentações, conseguiu , nessa noite, ser levado à fortaleza e esteve na presença de Bahá'u'lláh.
'Áqá Buzurg teve dois encontros particulares com Bahá'u'lláh. Durante esses momentos, o Fundador da religião Baha'i percebeu que nele "respirava o espírito da grandeza e do poder"[2] e atribui-lhe o titulo de Badí' (em português, "Maravilhoso"). No decorrer das suas conversas, referiu-se que a Epístola ao Xá Nasiri'd-Din ainda não tinha sido enviada para aquele monarca. Sem hesitar, Badí' pediu a Bahá'u'lláh a honra de ser o portador da mensagem ao Xá; a missão acarretava enormes riscos e outros baha’is mais velhos já se tinham oferecido para a desempenhar.
O seu pedido foi aceite e dias mais tarde Badí' regressou a Teerão; atravessou o deserto do Iraque e as montanhas do Irão, evitou ter companheiros de viagem e nunca partilhou com ninguém o objectivo da sua viagem. Quando chegou à capital iraniana, no verão de 1869, teve conhecimento que o Xá se encontrava numa das suas residências de verão. Foi para lá que se dirigiu.
Uns dias mais tarde, o Xá examinava com uns binóculos as redondezas da sua residência de verão e viu Badí’ sentado sobre uma rocha; tinha uma pose digna e parecia não se mexer. Imaginou que fosse algum súbdito que vinha pedir-lhe justiça ou ajuda para algum problema; mandou que o fossem buscar e saber o que ele queria. Inquirido pelos guardas, Badí', disse que tinha uma carta de uma pessoa muito importante para o Xá e que devia entregar essa carta pessoalmente. Depois de revistado, foi levado à presença do Xá.[3]
Com cortesia e calma, encarou o Xá, e numa voz clara e audível por todos os presentes disse-lhe: "Ó Rei! Eu vim de Sheba[4] para te entregar uma poderosa mensagem!"[5]. O Xá, que duas décadas antes tinha sido vítima de um atentado por parte de dois Babis, ficou surpreendido pela coragem do jovem. Depois de lhe ser lido o conteúdo da mensagem e percebendo que tinha um teor religioso, pediu a um clérigo conhecido que preparasse uma resposta à Epístola; seguidamente ordenou aos guardas que prendessem e interrogassem - e se necessário, torturassem - Badí' para saber quem eram os outros Babis de Teerão.
Seguidamente, o sacerdote a quem o Xá pedira uma resposta à Epístola de Bahá'u'lláh recomendou que o mensageiro fosse morto por ser um inimigo da religião; no entanto, nunca foi capaz de preparar uma resposta à Epístola.
Durante três dias Badí foi alvo de torturas terríveis. Como era costume nesse tempo, o Xá ordenou que fosse tirada uma foto de Badí', pois gostava de ver fotografias dos prisioneiros. Nessa foto pode ver-se uma braseira acesa onde estão os ferros em brasa que foram usados nas torturas. A expressão de Badí' é difícil de descrever; percebe-se uma certa força no seu olhar; não está assustado, mas tranquilo.
Os pormenores das torturas (demasiado macabros!) e as interpelações dos carrascos estão registados em alguns livros bahá'ís. Quarenta anos mais tarde, um dos próprios carrascos deixaria registado um relato desses momentos finais de Badí'[6]. Ao fim do terceiro dia de tortura, Badí' sucumbiu, sem ter fornecido qualquer informação aos seus carrascos. O seu corpo foi lançado num buraco e coberto de pedras e terra.
Sabemos que Badí' permaneceu firme na sua fé até falecer. A notícia da sua morte brutal deixou os bahá'ís profundamente consternados. Nos três anos seguintes, Bahá'u'lláh aludiria várias vezes ao seu valor e firmeza espiritual; designou-o como "Fakhru'sh-Shuhada'" (em português, "O Orgulho dos Mártires") e referiu-se ao seu "sublime sacrifício" como "o Sal das Minhas Epístolas".
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NOTAS
[1] – Ler também, Badi' Khurasani, de Moojan Momen.
[2] – Citado em God Passes By, de Shoghi Effendi, pag.199.
[3] – É importante ter presente que na Pérsia do cec.XIX, a simples presença de oficiais do exército e membros do governo suscitavam terror na maioria da população; por esse facto, o acto de Badí é revelador de grande coragem.
[4] - Sheba ou Sabá. Alusão ao Reino de Sabá, cuja raínha teria visitado o rei Salomão.
[5] - Alcorão xxvii, 22. Este versículo é ligeiramente diferente daquilo que Badí' proferiu na presença do Xá. O versículo refere as palavras que foram dirigidas a Salomão por Hoopoe, um pássaro místico que lhe levou notícias de Sheba.
[6] - Ver Bahá'u'lláh, The King of Glory, de Hasan Balyuzi, pags.300-309.
2 comentários:
Marco,
Obrigado pelo texto. Está excelente.
Bem hajas, Marco!
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