domingo, 12 de dezembro de 2004

Há 141 anos: a chegada a Adrianópolis


"Lembra-te de Minha angústia e Meu exílio nesta remota prisão."
A frase anterior é bem conhecida da maioria dos bahá'ís. Encontra-se numa das mais conhecidas epistolas de Bahá'u'lláh: a Epístola de Ahmad. A prisão a que o fundador da religião bahá'í é a cidade de Adrianópolis, o palco do Seu terceiro exílio (1863-1868).

Esta cidade, actualmente conhecida por Edirne, está situada nas margens do rio Tunca. A sua localização na principal via de comunicação entre a Ásia Menor e os Balcãs fizeram-na, desde sempre, uma cidade estrategicamente importante. Recebeu o nome de Orestias sob domínio Macedónio; quando o imperador Adriano, no século II DC, ordenou a sua reconstrução, recebeu o nome de Adrianópolis. Depois foi palco de numerosos confrontos entre bizantinos e outros povos até à sua captura pelos Otomanos em 1362. Chegou a ser capital do império Otomano entre 1413 e 1458; Após a transferência da capital para Istambul, continuou a ser um importante centro comercial e administrativo, recebendo frequentes visitas de sultões e príncipes.

A partir do século XVIII vários incidentes, como terramotos, incêndios, motins, ocupações estrangeiras, alteraram o progresso da cidade. Quando Bahá'u'lláh ali esteve exilado , a sua população rondaria os 100.000 habitantes e era uma capital provincial.

Logo após a sua chegada, no dia 12 de Dezembro de 1863, os exilados persas, sentiram o inverno particularmente agreste da cidade. Se pensarmos que eles tinham vivido cerca de dez anos em Bagdade, onde os invernos são amenos, e que a maioria destes não dispunha de vestuário adequado a invernos severos, é fácil perceber que o primeiro ano em Adrianópolis deve ter sido particularmente duro para aquela pequena comunidade.

Adrianópolis foi palco de vários episódios significativos na vida desta comunidade religiosa recém-nascida. Foi aqui que Bahá'u'lláh começou a assumir abertamente a Sua missão, como Prometido anunciado pelo Báb e fundador de uma nova religião; até então, isso era do conhecimento apenas de alguns crentes mais próximos. Foi também aqui que a palavra Babí (que identificava os seguidores do Báb), foi sendo gradualmente substituída pela palavra Bahá'í (que identificava os seguidores de Bahá'u'lláh). É também aqui que, entre os bahá’ís, a saudação muçulmana Alláh'u'Akbar (Deus é o Mais Grandioso) começou a ser substituída pela saudação Alláh'u'Abhá (Deus é o Mais Glorioso)

Dias de Tensão

Um dos aspectos mais tristes do exílio em Adrianópolis foi a separação entre Bahá'u'lláh e o Seu meio-irmão, Mirzá Yahyá. O Báb tinha anunciado o aparecimento iminente do "Prometido de todas as Religiões"; desde o Seu martírio, tinham aparecido vinte e cinco pretendentes a esse título; entre esses contava-se Mirzá Yahyá. Com Bahá'u'lláh a assumir abertamente a pretensão a esse mesmo título, deu-se a crise referida por Bahá'u'lláh como "os Dias de Tensão" (Ayyam-i-Shidad) e "a maior separação".

Este cisma assentava essencialmente em várias intrigas e boatos postos a circular por Yahyá e seus apoiantes mais próximos; alguns desses boatos sugeriam que Bahá'u'lláh pretendia usar a causa do Báb para derrubar os governos persa e otomano. Alguns crentes dessa época deixaram escritas algumas memórias onde relatam as conversas que Yahyá tinha com eles e a forma como isso os perturbava. Houve ainda quem tentasse organizar um debate entre Bahá'u'lláh e Yahyá, mas este último não compareceu. Além dos boatos postos a circular, deram-se tentativas de envenenamento de Bahá'u'lláh e seus familiares mais próximos.

Os rumores espalhavam-se e iam chegando aos ouvidos das autoridades otomanas, dos consulados europeus e dos crentes. A confusão instalou-se e a imagem da nova religião ficou seriamente perturbada aos olhos dos seus admiradores Ocidentais, como Edward G. Browne e A.M. Nicolas. O clímax das intrigas levantadas por Yahyá e alguns dos seus seguidores mais próximos levou a que, em 1868, as autoridades otomanas decidissem exilar Bahá'u'lláh para 'Akká e o Seu meio-irmão para Chipre.




Escrituras reveladas em Adrianópolis

Mas Adrianópolis pode também ser recordada como o local onde Bahá'u'lláh revelou muitas epístolas e livros: a Epístola de Ahmad, a Epístola do Sangue, a Epístola do Espírito, a Epístola de Ridvan. A mais significativa obra dessa época deve ser a Epístola aos Reis (Surih-i-Muluk), onde Bahá'u'lláh se dirige a todos os monarcas dos Ocidente e Oriente de forma colectiva, e individualmente ao Sultão Otomano e seus ministros, aos Reis da Cristandade, aos embaixadores francês e persa acreditados na Porta Sublime, aos lideres eclesiásticos muçulmanos de Constantinopla, aos povos da Pérsia e filósofos do mundo.

Também nesta época foram reveladas a primeira epístola a Napoleão III e a epístola ao Xá da Pérsia; nestas epístolas os propósitos e princípios da Fé de Bahá'u'lláh são expostos e a validade da Sua Missão é demonstrada. Também em Adrianópolis foi revelado o Kitab-i-Badí, a apologia e defesa da revelação do Báb.

As escrituras ao serem reveladas era registadas por um secretário; posteriormente eram transcritas por familiares e crentes mais próximos. Este trabalho de transcrição ocupava várias pessoas.

Pessoalmente parece-me que a presença de Bahá'u'lláh em Adrianópolis tem ainda um aspecto mais curioso: foi a primeira vez que o Profeta fundador de uma religião revelada pisou solo europeu. Esse facto deixou-O mais exposto à curiosidade ocidental, como testemunham vários documentos de missionários e diplomatas que viviam em Adrianopolis e Constantinopla durante aqueles anos.

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