Anos mais tarde tive contacto pessoal com essa mesma forma de patriotismo; foi em meados dos anos 1980 quando fiz o meu juramento de bandeira. Já não havia guerra em África, nem ditadura; mesmo assim, não me lembro se me calei, ou balbuciei, aquela parte em que me devia comprometer a sacrificar a minha própria vida. Tinha as minhas reservas em relação a essa exigência, apesar de apreciar muitas coisas do serviço militar obrigatório.
Com o fim do serviço militar obrigatório, a maioria dos cidadão não tem contacto com esta forma de patriotismo; talvez a única forma de patriotismo que conhecem está associado ao desempenho de atletas portugueses em provas internacionais (especialmente se for a selecção nacional de futebol!). Pacheco Pereira chamou-lhe "nacionalismo de pacotilha". Porque não nos regozijamos com o desempenho de cientistas, artistas ou empresas portuguesas por esse mundo fora?
Talvez hoje por ser 10 de Junho, seja um bom dia para nos questionarmos sobre o que é o patriotismo? Há alguma coisa de especial por detrás do entusiasmo ocasional com o hino e a bandeira nacionais?
Os dicionários apresentam uma definição simples de patriotismo: sentimento de amor e devoção à pátria.
Em diferentes países, o patriotismo manifesta-se de diversas formas, e geralmente alguns tipos de comportamento são considerados verdadeiro patriotismo. As bandeiras nas janelas e nos carros, o acto de se alistar no exército, a defesa de interesses nacionais por parte dos governantes, e por vezes até o simples acto de votar em eleições chega a ser considerado acto de patriotismo.
É importante termos presente que o patriotismo em si não um fim em si. Tem o objectivo de fomentar o espírito de unidade e cooperação entre um grupo de pessoas. O amor à pátria só por si, não é algo de muito valor. O valor desse sentimento apenas se manifesta quando motiva os cidadãos de um país a desenvolver esforços num empreendimento que terá benefícios para todos. E apesar das nossas bandeiras parecerem muito patrióticas e inspiradoras, o certo é que o verdadeiro patriotismo não se contenta apenas com bandeiras. O verdadeiro patriota desempenha um papel activo na vida da nação e procura fazer algo (pequeno ou grande) que torne o país num local melhor para todos.
Um dos paradoxos do nosso tempo é o facto das nações competirem entre si em diferentes níveis e simultaneamente estarem envolvidas numa complexa teia de interdependências. Factores políticos, económicos e ambientais exigem crescentes níveis de cooperação a uma escala global. A Humanidade parece avançar para um nível de organização que ultrapassa as fronteiras nacionais. Neste contexto, os patriotismos nacionais - não obstante o seu valor - já não são suficientes para garantir a necessária coesão social. Para resolução de problemas globais, não bastam dedicações patrióticas; o amor à humanidade como um todo torna-se um requisito necessário.
A este propósito, a Casa Universal de Justiça escreveu:
O nacionalismo desenfreado, distinto de um patriotismo são e legítimo, deve ceder o lugar de uma lealdade mais ampla - ao amor à humanidade como um todo. A esse respeito, Bahá'u'lláh afirmou que "a terra é um só país, e os seres humanos seus cidadãos." O conceito da cidadania mundial é uma consequência directa da contracção do mundo através dos avanços tecnológicos e da incontestável interdependência das nações. O amor a todos os povos do não exclui o amor de cada pessoa ao seu país. E as vantagens das partes, numa sociedade mundial, são melhor servidas pela promoção das vantagens do todo. As actividades internacionais actuais, em vários campos que nutrem a afeição mútua e um sentido de solidariedade entre os povos, precisam ser substancialmente incrementadas. (A Promessa Paz Mundial)Não é de menos importância salientar a das hierarquias das lealdades aqui referidas. Segundo Bahá'u'lláh, "Não se deve vangloriar quem ama o seu próprio país, mas sim quem ama toda a humanidade". Repare-se que o fundador da religião baha'i não considerava o amor à pátria como ilegítimo ou pouco importante. Longe disso. Mas mais importante que esse sentimento, Ele convida-nos a aceitar uma lealdade mais vasta do que alguma vez aceitámos, sem abdicarmos de outras lealdades de menor âmbito. No fundo, a maioria de nós é leal à sua família e é leal ao país; e não vemos contradição nessas lealdades, apesar de pontualmente podermos encontrar contradição entre os deveres para com a família e os deveres para com a pátria. O militar que responde ao apelo da pátria, abandona a família para defender a nação; a família compreende e aceita esse sacrifício.
Hoje Bahá'u'lláh apela a uma lealdade para com toda a humanidade, sem nos exigir que abandonemos o patriotismo legítimo pela pátria de cada um de nós. Entre os ensinamentos que deixou aos Seus seguidores encontramos as seguintes palavras:
"Em todo o país onde resida alguma destas pessoas, eles devem ter para com o governo desse país uma atitude de lealdade, honestidade e fidedignidade. Isto é o que foi revelado a mando d'Aquele que Ordena, o Ancião dos Dias" (Bisharat - Boas-Novas)Aos Bahá'ís foi ordenado que apoiassem e obedecessem os governos dos seus países, que se envolvam em actos de verdadeiro patriotismo servindo o seu país e os seus concidadãos (sem se envolverem em querelas e conflitos político-partidários); até lhe foi dito que orassem pelos seus dirigentes. Mas simultaneamente eles devem ser os patriotas do mundo, que desejam servir a humanidade como um todo e esperam fortalecer os laços de unidade e amizade entre os povos. É uma dupla lealdade que nada tem de contraditório, apesar de por vezes poder exigir sacrifícios.
3 comentários:
Pois é.
Esta coisa do Nacionalismo e do partiotismo tem muito que se lhe diga.
Não há mal nenhum em gostar de Portugal. Mas há muitas maneiras de gostar do nosso país.
Há quem pense que só o pode fazer ao cantar o hino (aos berros) nos estádios de futebol. Há também quem gostasse que voltassem as paradas militares e as medalhas.
Mas no dia a dia, no local de trabalho será que as pessoas se esquecem de gostar de Portugal?
Pois eu também estou de acordo com o GH...isto do patriotismo tem muito que se lhe diga, mas onde se deveria dar mostras de patriotismo era no dia a dia no local de trabalho.
Para além de que muitos patriotas são os primeiros a dar a sua golpadinha no Estado sempre que podem...não é que o Estado nos trate sempre bem, mas isso já é outra história!
Le Etat çe moi
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