domingo, 10 de junho de 2007

Dia de Portugal

O meu primeiro contacto com uma certa noção de patriotismo teve lugar no início dos anos 1970. No dia 10 de Junho, uma reportagem da TV em directo do Terreiro do Paço mostrava uma multidão de soldados alinhados. O Américo Tomás e outras personalidades do regime distribuíam medalhas aos militares que se tinham destacado na guerra que se desenrolava em África; por vezes eram as viúvas e os órfãos que vinham receber as medalhas. E depois vinha o desfile.



Anos mais tarde tive contacto pessoal com essa mesma forma de patriotismo; foi em meados dos anos 1980 quando fiz o meu juramento de bandeira. Já não havia guerra em África, nem ditadura; mesmo assim, não me lembro se me calei, ou balbuciei, aquela parte em que me devia comprometer a sacrificar a minha própria vida. Tinha as minhas reservas em relação a essa exigência, apesar de apreciar muitas coisas do serviço militar obrigatório.

Com o fim do serviço militar obrigatório, a maioria dos cidadão não tem contacto com esta forma de patriotismo; talvez a única forma de patriotismo que conhecem está associado ao desempenho de atletas portugueses em provas internacionais (especialmente se for a selecção nacional de futebol!). Pacheco Pereira chamou-lhe "nacionalismo de pacotilha". Porque não nos regozijamos com o desempenho de cientistas, artistas ou empresas portuguesas por esse mundo fora?

Talvez hoje por ser 10 de Junho, seja um bom dia para nos questionarmos sobre o que é o patriotismo? Há alguma coisa de especial por detrás do entusiasmo ocasional com o hino e a bandeira nacionais?

Os dicionários apresentam uma definição simples de patriotismo: sentimento de amor e devoção à pátria.

Em diferentes países, o patriotismo manifesta-se de diversas formas, e geralmente alguns tipos de comportamento são considerados verdadeiro patriotismo. As bandeiras nas janelas e nos carros, o acto de se alistar no exército, a defesa de interesses nacionais por parte dos governantes, e por vezes até o simples acto de votar em eleições chega a ser considerado acto de patriotismo.


É importante termos presente que o patriotismo em si não um fim em si. Tem o objectivo de fomentar o espírito de unidade e cooperação entre um grupo de pessoas. O amor à pátria só por si, não é algo de muito valor. O valor desse sentimento apenas se manifesta quando motiva os cidadãos de um país a desenvolver esforços num empreendimento que terá benefícios para todos. E apesar das nossas bandeiras parecerem muito patrióticas e inspiradoras, o certo é que o verdadeiro patriotismo não se contenta apenas com bandeiras. O verdadeiro patriota desempenha um papel activo na vida da nação e procura fazer algo (pequeno ou grande) que torne o país num local melhor para todos.

Um dos paradoxos do nosso tempo é o facto das nações competirem entre si em diferentes níveis e simultaneamente estarem envolvidas numa complexa teia de interdependências. Factores políticos, económicos e ambientais exigem crescentes níveis de cooperação a uma escala global. A Humanidade parece avançar para um nível de organização que ultrapassa as fronteiras nacionais. Neste contexto, os patriotismos nacionais - não obstante o seu valor - já não são suficientes para garantir a necessária coesão social. Para resolução de problemas globais, não bastam dedicações patrióticas; o amor à humanidade como um todo torna-se um requisito necessário.

A este propósito, a Casa Universal de Justiça escreveu:
O nacionalismo desenfreado, distinto de um patriotismo são e legítimo, deve ceder o lugar de uma lealdade mais ampla - ao amor à humanidade como um todo. A esse respeito, Bahá'u'lláh afirmou que "a terra é um só país, e os seres humanos seus cidadãos." O conceito da cidadania mundial é uma consequência directa da contracção do mundo através dos avanços tecnológicos e da incontestável interdependência das nações. O amor a todos os povos do não exclui o amor de cada pessoa ao seu país. E as vantagens das partes, numa sociedade mundial, são melhor servidas pela promoção das vantagens do todo. As actividades internacionais actuais, em vários campos que nutrem a afeição mútua e um sentido de solidariedade entre os povos, precisam ser substancialmente incrementadas. (A Promessa Paz Mundial)
Não é de menos importância salientar a das hierarquias das lealdades aqui referidas. Segundo Bahá'u'lláh, "Não se deve vangloriar quem ama o seu próprio país, mas sim quem ama toda a humanidade". Repare-se que o fundador da religião baha'i não considerava o amor à pátria como ilegítimo ou pouco importante. Longe disso. Mas mais importante que esse sentimento, Ele convida-nos a aceitar uma lealdade mais vasta do que alguma vez aceitámos, sem abdicarmos de outras lealdades de menor âmbito. No fundo, a maioria de nós é leal à sua família e é leal ao país; e não vemos contradição nessas lealdades, apesar de pontualmente podermos encontrar contradição entre os deveres para com a família e os deveres para com a pátria. O militar que responde ao apelo da pátria, abandona a família para defender a nação; a família compreende e aceita esse sacrifício.

Hoje Bahá'u'lláh apela a uma lealdade para com toda a humanidade, sem nos exigir que abandonemos o patriotismo legítimo pela pátria de cada um de nós. Entre os ensinamentos que deixou aos Seus seguidores encontramos as seguintes palavras:
"Em todo o país onde resida alguma destas pessoas, eles devem ter para com o governo desse país uma atitude de lealdade, honestidade e fidedignidade. Isto é o que foi revelado a mando d'Aquele que Ordena, o Ancião dos Dias" (Bisharat - Boas-Novas)
Aos Bahá'ís foi ordenado que apoiassem e obedecessem os governos dos seus países, que se envolvam em actos de verdadeiro patriotismo servindo o seu país e os seus concidadãos (sem se envolverem em querelas e conflitos político-partidários); até lhe foi dito que orassem pelos seus dirigentes. Mas simultaneamente eles devem ser os patriotas do mundo, que desejam servir a humanidade como um todo e esperam fortalecer os laços de unidade e amizade entre os povos. É uma dupla lealdade que nada tem de contraditório, apesar de por vezes poder exigir sacrifícios.

3 comentários:

Anónimo disse...

Pois é.
Esta coisa do Nacionalismo e do partiotismo tem muito que se lhe diga.
Não há mal nenhum em gostar de Portugal. Mas há muitas maneiras de gostar do nosso país.

Há quem pense que só o pode fazer ao cantar o hino (aos berros) nos estádios de futebol. Há também quem gostasse que voltassem as paradas militares e as medalhas.

Mas no dia a dia, no local de trabalho será que as pessoas se esquecem de gostar de Portugal?

Anónimo disse...

Pois eu também estou de acordo com o GH...isto do patriotismo tem muito que se lhe diga, mas onde se deveria dar mostras de patriotismo era no dia a dia no local de trabalho.
Para além de que muitos patriotas são os primeiros a dar a sua golpadinha no Estado sempre que podem...não é que o Estado nos trate sempre bem, mas isso já é outra história!

Elfo disse...

Le Etat çe moi