segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Mal Extremo


No texto anterior, levantámos algumas questões e reflectimos sobre o sofrimento extremo causado por fenómenos naturais. Agora podemos pensar nas situações em que esse sofrimento extremo é causado por seres humanos. São aquilo que podemos designar como o “Mal Extremo”.

Devia ter 10 anos quando assisti a uma série da BBC intitulada “The World at War”, dedicada à 2ª Guerra Mundial. Cada episódio centrava-se em eventos específicos desses anos terríveis: as principais campanhas, a vida na Alemanha e na Grã-Bretanha, as atrocidades ocorridas nos países ocupados, etc. Um episódio, em particular, intitulado “Genocídio” abordavam a implementação da “Solução Final” dos nazis e os campos da morte. Ver escavadoras a empurrar pilhas de cadáveres para uma vala comum chocou-me tão profundamente que nessa noite não consegui jantar. Foi o meu primeiro contacto com o “mal extremo”.

Vários filmes, documentários e livros têm-nos dado a conhecer o horror do holocausto. Entre todas as descrições e testemunhos que encontrei, consigo destacar uma que é particularmente chocante e que foi escrita por um sacerdote católico, o padre Eloi Leclerc:
Eu estive em Buchenwald e Dachau. Ali vivi os imensos horrores da inumanidade. Uma verdadeira descida aos infernos, no meio de milhares de pessoas massacradas como gado. Ali, fiz a experiência do silêncio de Deus perante tanto mal, tanta dor, sofrimento injusto, desprezo da vida humana, tanta morte. Quem não passou por essa experiência não pode sequer imaginar o que isso é. É o momento do silêncio absoluto de Deus, da ausência. Podia elevar os olhos ao céu, mas o céu não respondia. Os gritos não chegavam lá. Então compreendi que se podia perfeitamente ser ateu. Esta é uma grave interrogação para o crente. Como crer no Deus do Amor, depois de Auschwitz, Dachau, Buchenwald? Perante tanta desgraça, solidão e sofrimento, pode-se ainda crer no Deus do Amor?
Esta questão, que toca no aspecto fundamental da Teodiceia, desafia-nos a todos.

Num texto anterior defini o “mal” como as acções humanas cometidas com o propósito deliberado de provocar sofrimento. Segundo as escrituras Bahá’ís, todos os seres humanos têm livre arbítrio - cada um de nós pode escolher entre cometer boas ou más acções:
Mas na escolha das boas ou más acções, ele é livre; ele comete-as de acordo com a sua própria vontade. Por exemplo, se ele quiser, ele pode passar o seu tempo a louvar a Deus, ou pode ocupar-se com outros pensamentos. Ele pode ser uma luz acesa pelo fogo do amor divino, e um filantropo amante do mundo, ou pode odiar a humanidade e absorver-se com coisas materiais. Ele pode ser justo ou cruel. Todas estas acções estão sob o controle da vontade do próprio homem; consequentemente, ele é responsável por elas. (‘Abdu’l-Bahá, Respostas a Algumas Perguntas, cap. 70)
Reflectir sobre o mal extremo que as pessoas fazem pode levar-nos a questionar a existência de qualquer bem comparável no mundo. Mas a própria história do Holocausto tem a sua quota de poderosos exemplos de coragem e actos de desprendimento, quando pessoas bondosas salvaram outras arriscando as suas próprias vidas. Na verdade, a resposta do mundo a estas atrocidades é um exemplo extraordinário de compromisso colectivo para acabar com esse mal extremo e impedir que se repita.

Parece-me lógico, que podemos considerar o mal extremo como um resultado extremo da maldade humana. Este fenómeno pode ser tão horroroso que concluímos imediatamente que não trás nenhum benefício à humanidade. Mas o fenómeno do mal extremo obriga-nos a reflectir:
  • Como é que isto pôde acontecer?
  • Como podemos impedir que aconteça novamente?
Se não fizermos esta reflexão, então o sofrimento extremo não trará nenhum benefício à humanidade e poderá manifestar-se novamente. Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá’í, descreveu o fenómeno do mal extremo como “os estertores da velha ordem mundial”, dominada por forças como o nacionalismo e o racismo, e destinada a ser substituída por uma nova ordem mundial baseada nos ensinamentos Bahá’ís de unidade, governação mundial e cooperação internacional. Ele descreveu estes tempos como uma “era de transição” entre um sistema de conflito sistemático entre soberanias nacionais e uma época mais espiritual, harmoniosa e unificada. Tudo isto é parte de “…processos simultâneos de ascensão e queda, de integração e desintegração, de ordem e caos, com as suas reacções contínuas e recíprocas, umas sobre as outras…” (Shoghi Effendi, The Advent of Divine Justice, p. 72)

Assim, para os Bahá’ís, estas manifestações de mal extremo, por muito trágicas e vastas que sejam, não podem ser vistas apenas como episódios isolados na história recente da humanidade. Em paralelo com estas calamidades, existem outras iniciativas positivas que levam à construção de um mundo mais seguro e tranquilo para toda a humanidade. Recordemos ainda que apesar da mediatização de alguns conflitos e atrocidades, as estatísticas mostram que o nosso planeta se está a tornar menos violento.

Neste mundo constituído por estados-nações, cujas relações se baseavam no conflito e na defesa de interesses nacionais, podemos actualmente testemunhar o surgimento gradual de um mundo unido, uma nova ordem mundial, baseada na cooperação e nos interesses comuns de toda a humanidade.

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Versão em inglês: What is Extreme Evil? (bahaiteachings.org)
Tradução em italiano: Cos'e' il Male Estremo

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