quarta-feira, 28 de julho de 2004

Tolstoy e a religião Bahá'í

Tolstoy é recordado como filósofo e escritor russo; ficou na nossa memória colectiva por obras como Guerra e Paz e Anna Karenina. Apesar de educado na Igreja Ortodoxa, foi-se afastando e criticando a igreja; esse afastamento culminou com a sua excomunhão em 1901. De forma persistente investigava os movimentos e ideias religiosas que poderiam contribuir para a sua visão de "estabelecimento do Reino de Deus na terra", isto é, pela substituição de um sistema dominado pela divisão, a falsidade e a violência, por outro onde reinasse a harmonia, a verdade e a fraternidade.

Tolstoy tomou conhecimento dos ensinamentos bahá'ís em 1894, numa época em que estes ainda eram pouco ou nada conhecidos no Ocidente, e o seu dirigente estava prisioneiro numa remota colónia penal do Império Otomano.

Em 1901, em resposta a um governante persa, Arfa'u'd-Dawlih, escreveu: "Acredito que em toda a parte, tal como os Bábís entre vós, na Pérsia, existem pessoas que professam a verdadeira religião e que apesar das perseguições que estas pessoas estão expostas, as suas ideias propagam-se cada vez mais e mais, e triunfarão sobre a barbaridade e ferocidade dos Governos, e acima de tudo sobre a mentira em que tentam manter os seus povos"(1)

Nesse mesmo ano, recebeu a visita de um médico berlinense, Dr. Cleanthes Nicolaides, que tinha viajado pela Pérsia. Tolstoy disse-lhe sobre os Bahá'ís: "Os ensinamentos do fundador da seita Bábista representam, por um lado, uma posição intermédia entre o Islão e o Cristianismo, e por outro lado pretendem libertar o homem de todos grilhões espirituais. O Bábismo não tem hierarquia, e em vez disso, propõe-se educar cada crente individual a tornar-se uma pessoa na sua totalidade, a ser um combatente da liberdade e do progresso moral da humanidade"(2)

Em 1903 foi publicado o poema dramático O Báb de Isabella Grinevskaya; este chegou às mãos de Tolstoy que depois de o ler, escreveu à autora: "Conheço o Bábismo há muito tempo e estou muito interessado nos seus ensinamentos. Parece-me que eles têm um grande futuro… pois eles desfizeram-se de estruturas artificiais e pretendem unir toda a humanidade numa única religião... E assim, ao educar os homens na fraternidade, na igualdade e no sacrifício dos seus desejos sensuais ao serviço de Deus, eu simpatizo com o Bábismo com todo o meu coração"(3)

No entanto, Tolstoy nem sempre teve palavras elogiosas relativamente à religião bahá'í. Após ler uma tradução francesa do Livro da Certeza que lhe tinha sido oferecido por Hippolyte Dreyfus (um bahá'í francês), respondeu nestes termos: "Agradeço-lhe ter-me enviado o livro de Bahá'u'lláh. Lamento ser obrigado a dizer-lhe que este livro afastou-me completamente dos ensinamentos de Bahá'u'lláh. Este livro contém apenas frases pretensiosas e insignificantes que não têm outro propósito que não seja confirmar antigas superstições, que são completamente vazias de conteúdo moral ou religioso no verdadeiro sentido da palavra. No entanto, agradeço-lhe a sua carta e o livro. Aceite os meus calorosos cumprimentos."(4)

Apesar de ter manifestado diferentes opiniões sobre a religião bahá'í ao longo da sua vida, um dos últimos comentários, poucos meses antes da sua morte em 1910, foi: "Muito profundo. Não conheço nada tão profundo."(5)

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Notas/Referências
(1) – Carta de Tolstoy a Arfa’u’d-Dawlih, 23-Julho-1901. Preservada no Musée de la Paix, Monte Carlo
(2) – Nocolaides "Leo Tolstois Stellung zu Den Religionen" Pags 566-567
(3) – Birukiff, "Tolstoi und der Orient", pags 99-100
(4) – Polnoe Sobranie Sochinenii, vol 75, pag 77
(5) – Makovitsky, "U Tosltogo: 1904-1910; 'Yasnopolyanskie zapiski'"vol.4, pag. 255
As citações foram todas traduzidas a partir do inglês.

Um estudo detalhado das opiniões de Tolstoy sobre a religião bahá'í encontra-se no livro Leo Tolstoy and the Baha'i Faith, de Luigi Stendardo.
The Bábi and Bahá'í Religions, 1844-1944; Some Contemporary Western Accounts, de Moojan Momen também contém muitas referências às opiniões de Tolstoy.

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