quinta-feira, 29 de julho de 2004

Amigo Estrumpfe...

Uma troca de mails com o Estrumpfe, fez-me lembrar um idoso ateu que me dizia: "A vida já é tão complicada e você ainda a quer complicar mais com essa ideia de Deus...". Nesses mails andaram ideias de lá para cá; agora penso que devo colocar este post.

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Amigo Estrumpfe,

Se há coisa que eu gosto é de encontrar alguém com ideias diferentes das minhas, mas com quem possa dialogar. E dialogar apenas com o objectivo de perceber qual a perspectiva do nosso interlocutor; nunca o dialogar com o objectivo de influenciar e muito menos "converter".

As nossas trocas de mails começaram com um post teu sobre o Russell. Como te disse, gostei mesmo do post; e fiquei ainda mais impressionado quando me disseste que ele "era agnóstico com tendências ateias -- disse ou escreveu que a posição que tinha sobre Deus era a mesma que tinha sobre os Deuses gregos ou Romanos: estava plenamente convencido que não existiam, mas não tinha nenhum modo de o provar."

É raro alguém admitir isto. Geralmente quando alguém dá o chamado "salto da fé", tende sempre a procurar um suporte científico ou racional para essa fé. A crença na existência, ou na não-existência, de Deus é sempre um acto de fé; não é possível fazer uma demonstração científica que sustente essa fé. Há, no entanto, várias demonstrações filosóficas que podem provar um ou outro dos dois pontos de vista. As discussões sobre este tema são geralmente um interminável diálogo de surdos.

No fundo, a minha crença em Deus é a minha forma de entender o mundo e a nossa existência; de igual modo a tua crença na não existência de Deus é a tua forma de entender o mundo e a nossa existência

Alguém me disse uma vez que a discussão que os seres humanos podem ter sobre a existência de Deus é semelhante à discussão que dois gémeos, antes de nascer, poderiam ter sobre a existência do sol. Após o nascimento, deixa de haver motivo para discussão.

De acordo com o meu entendimento do mundo e da nossa existência, acredito que as sociedades têm um ciclo de vida semelhante a uma planta: germinam, crescem, florescem, dão fruto, envelhecem e morrem. Um bom exemplo deste ciclo é o Islão; deu frutos extraordinários e hoje é o que se vê.

Estes conceitos religiosos ou ateístas quando levados a extremos têm sufocado a humanidade. Vimos que ditaduras cruéis foram instituídas sob uma pretensa herança religiosa e autoridade divina; sabemos que houve regimes totalitários que se basearam em ideologias políticas que se apresentam como substitutos da religião. Como te disse, foram tentativas de controlar o pensamento e a liberdade do ser humano que tiveram resultados trágicos.

E, no entanto, eu continuo a acreditar no potencial do ser humano. No futuro imediato as coisas não vão ser nada fáceis. As próximas gerações vão enfrentar problemas lixados. Mas vamos conseguir ter um mundo melhor. Neste caso faço uma outra analogia: a situação da humanidade é como um ovo antes de um pássaro nascer; se o abrirmos antes de nascer, veremos o aspecto nojento e mal-cheiroso. Mas no meio daquela coisa feia está a nascer uma nova criatura. Da mesma forma, acredito que estamos a assistir à desagregação da velha ordem mundial, e ao surgimento de uma nova civilização, mais justa, mais equilibrada.

É a minha maneira de ver o mundo.

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