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"Os Evangelhos 2006 Comentados" é o titulo de um livro publicado há algumas semanas. Trata-se de uma compilação de comentários a diversos excertos dos Evangelhos feita por autores – agnósticos, ateus, baha'is, budistas, cristãos ortodoxos, católicos, protestantes, gnósticos, hindus, judeus, muçulmanos e teósofos – provenientes do mundo que fala português. O texto que se segue é de autoria de Mário Mota Marques, um membro da comunidade baha’i portuguesa.
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Naquele tempo, os pastores dirigiram-se apressadamente para Belém e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura. Quando O viram começaram a contar o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino. E todos os que os ouviam admiravam-se do que os pastores diziam. Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando em seu coração. Os pastores regressaram glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes tinha sido anunciado. Quando se completaram os oito dias para o menino ser circuncidado, deram-lhe o nome de Jesus, indicado pelo anjo, antes de ter sido concebido no seio materno. (Lc 2:16-21)Segundo a perspectiva bahá'í, ao longo da história, as religiões funcionaram como pólos de desenvolvimento espiritual dos povos. O seu alicerce principal foram as Escrituras Sagradas que se apresentam como testemunhos de uma vivência espiritual, agentes inspiradores de valores morais e éticos e repositórios de leis que visam regular e enaltecer o relacionamento entre os seres humanos. A própria vida dos Fundadores das grandes religiões e dos Seus seguidores mais conhecidos estão repletas de exemplos de heroísmo, sacrifício e auto-disciplina que inspiraram realizações extraordinárias no campo da arquitectura, da música e de outras artes. Torna-se óbvio que as grandes religiões foram dinamizadores do processo civilizacional.
Este breve excerto do Evangelho de Lucas apresenta-nos um episódio que se terá passado após o nascimento de Jesus; refere o reconhecimento da divindade de Jesus por parte dos Pastores. O reconhecimento da divindade de um Profeta é uma experiência muito pessoal; trata-se de um momento em que um ser humano ao estabelecer, ou aprofundar, a sua relação com Deus encontra um intermediário na figura de um Profeta (geralmente, um fundador de uma grande religião). Para algumas pessoas, esse reconhecimento tem de assentar no conhecimento da Pessoa do Profeta, nas Suas palavras ou Escritos, em actos milagrosos (atribuídos ao próprio ou aos Seus seguidores). Existem ainda outros casos em que uma espécie de experiência mística leva o crente ao reconhecimento do Profeta.
Na Bíblia podemos encontrar vários exemplos de pessoas que reconhecem Jesus: os reis magos (Mt 2), os pastores (Lc 2:16) , Simeão (Lc 2:25), Pedro (16:16) e os apóstolos. Se nestes últimos o processo de reconhecimento parece ter sido fruto de uma vivência comum, os primeiros resultam de uma percepção espiritual difícil de descrever.
Estes vários exemplos de reconhecimento da divindade suscitam algumas questões:
1 - Que requisitos são necessários para que uma pessoa consiga reconhecer um Profeta?
2 - Como explicar as diferentes formas de reconhecimento? Serão compatíveis entre si?As respostas a estas questões encontram-se tanto nos relatos bíblicos, como nas escrituras e tradições de todas as religiões
Para responder à primeira questão temos de tentar perceber o que têm em comum as pessoas que reconheceram os Profetas no tempo em que Eles viveram entre nós. A pureza de motivo é talvez a característica comum mais evidente. É como se as suas almas estivessem naturalmente atraídas pelo Criador; não se denota um traço de vaidade, de orgulho na sua superioridade espiritual. Todo o acto de reconhecimento é de uma pureza e de uma humildade sem iguais.
Outro aspecto comum parece ser a forma como estas pessoas reconhecem a verdade que lhes é transmitida pelo Criador, independentemente da forma que esta possa assumir. Podíamos dizer que há um desprendimento de valores e ideias preconcebidas. Por exemplo, a maioria dos hebreus pensava que o Messias seria um líder político que os libertaria do domínio romano; contrariando esse pensamento corrente, os discípulos reconheceram o Messias na pessoa de Jesus de Nazaré; perceberam que mais importante que a libertação terrena, era a libertação espiritual.
Relativamente à segunda questão devemos ter presente que o Evangelho refere que o reconhecimento da divindade de Jesus ainda era feito por pessoas que diziam que Ele era “João o Baptista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou um dos profetas.” (Mt 16:14) Simeão e Pedro parecem ter sido os primeiros a reconhecê-Lo como Messias; os pastores referem-No como “Salvador”.
É óbvio que a experiência religiosa de cada indivíduo (a sua vivência, as suas expectativas e a sua fé) condiciona naturalmente o reconhecimento da divindade do Profeta. A clareza da imagem divina reflecte-se no coração de cada ser humano tal como a luz do sol se reflecte em diferentes objectos.
Podemos comparar a divindade de um profeta à luz do sol e a alma humana a um espelho que reflecte a luz solar. Se o espelho for irregular ou estiver sujo, a luz vai-se reflectir de forma difusa; se o espelho for regular e estiver limpo, a luz vai-se reflectir na sua plenitude (ao ponto de podermos ver o próprio sol quando olhamos para o espelho). Tal como o reflexo do sol depende da pureza e limpeza do espelho, também o entendimento da dimensão espiritual do Profeta depende da pureza do seu coração de cada crente.
Além destes aspectos, o facto do anúncio ser feito aos pastores e não a sacerdotes ou a doutores, sugere que a capacidade para reconhecer um Profeta não depende da erudição (presume-se que os pastores seriam pessoas simples, sem estudos), nem do conhecimento directo da pessoa do Profeta ou da Sua palavra (Jesus tinha acabado de nascer), mas pode passar por experiências místicas nem sempre fáceis de descrever (o anúncio feito pelo anjo).
Tal como uma vida recém-concebida, estes primeiros sinais de vitalidade espiritual passam indiferentes à imensa maioria do corpo da humanidade. Podem ser apenas o primeiro sinal de uma nova vida, o início de uma grande caminhada que vai mudar a história da humanidade. Tal como todas as religiões mundiais, o Cristianismo ganhou adeptos mesmo antes do Seu Fundador se assumir como Profeta; o Profeta foi sendo reconhecido por diferentes formas e momentos ao longo da Sua vida.
E como em todas as religiões, a maioria destes primeiros adeptos tornaram-se exemplo para os seguintes. A sua intuição espiritual, heroísmo e desprendimento tornaram-se elementos inalienáveis do processo de evolução religiosa e fonte de inspiração para as futuras gerações de crentes.
1 comentário:
Belo texto Marco!
Bjs
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