quinta-feira, 18 de novembro de 2004

Cristo e Maomé

Pediu-me o Paulo para que desse a minha opinião sobre as diferenças entre Cristo e Maomé. Aqui vai.
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Segundo os ensinamentos bahá'ís, existem três níveis de realidade: Deus, os Profetas, e a Criação. Deus é inacessível e incognoscível para a Criação. Para conhecer a vontade e os ensinamentos de Deus, apenas o podemos fazer através dos Profetas; entre estes profetas estão Abraão, Moisés, Jesus, Maomé, Zoroastro, Krishna, Buda, o Báb e Bahá'u'lláh.

Segundo a religião bahá'í, Deus tem enviado ciclicamente Profetas à humanidade com o objectivo de nos fazer evoluir. Esses Profetas surgem em diferentes épocas com ensinamentos adequados à capacidade e necessidades de diferentes povos. Poderíamos fazer a analogia com uma escola: enquanto frequentámos a escola fomos tendo uma sucessão de professores que nos ensinaram matérias diferentes; o conteúdo das suas aulas e a forma como iam leccionando evoluía de ano para ano, tal como nós, alunos, íamos evoluindo em maturidade e necessidades de aprendizagem.

À semelhança de um bom sistema de ensino, onde um professor nunca nega o que disseram os professores dos anos anteriores, e nos prepara para os anos seguintes, também os Profetas fundadores das grandes religiões mundiais nunca negam o que foi dito pelos Profetas anteriores e sempre nos preparam para uma nova fase da nossa evolução.

Os Profetas têm dois tipos de ensinamentos: espirituais e sociais. Os ensinamentos espirituais são comuns a todas as religiões; abordam questões espirituais, como a existência de Deus, a adoração a Deus, o respeito pelos Seus Mensageiros, o amor ao próximo, entre outras coisas. Os ensinamentos éticos e sociais variam consoante as necessidades de cada povo e de cada época. Por exemplo, Cristo proibiu o divórcio, como resposta à deturpação da lei do casamento que os hebreus do Seu tempo faziam; Maomé proibiu o consumo de carne de porco, pois na Arábia daquele tempo as condições de higiene existentes tornavam muito perigoso para a saúde o consumo desse tipo de alimento.

Paralelismo entre as duas religiões

Sob esta perspectiva conseguimos perceber que os ensinamentos dos Profetas fundadores do Cristianismo e do Islão concordam no essencial e apenas divergem no acessório. Além disso, as duas religiões serviram de base a duas civilizações notáveis, que muito contribuíram para o progresso da humanidade (a herança científica e cultural que cada uma desta civilizações nos deixou é verdadeiramente extraordinária).

Tanto o Cristianismo como o Islão acreditam em Deus e na Sua orientação moral e religiosa para o ser humano. Parte desta orientação já existia no Antigo Testamento e tornou-se indispensável na base do pensamento cristão. Os árabes não tinham essa base e por isso o Alcorão está tão cheio de ensinamentos éticos e sociais. O Novo Testamento leva a mensagem divina mais além: "Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Mt5:44). Jesus não Se limitou a ensinar isto; praticou-o até à morte.

A doutrina fundamental do Islão assenta na afirmação da unidade e transcendência de Deus. Deus é o Criador Supremo; a Sua natureza é descrita por vários atributos como "Misericordioso", "Compassivo", "Omnisciente", "Todo-Poderoso", "Sublime", "Todo-Generoso", "O que Perdoa", "O que Ouve" (o início de cada capítulo do Alcorão inclui vários desses atributos). O ser humano deve estar grato ao Criador pois todo o poder que possui foi concedido por Deus.

Talvez a maior diferença teológica esteja no facto do Islão não aceitar o conceito de Deus Trinitário. Deus é Uno; não devemos associar-Lhe outros seres, nem construir imagens d'Ele. Neste aspecto, os ensinamentos bahá'ís estão muito próximo do Islão.

Há uma característica comum a estas duas religiões com a qual não estou de acordo. Tanto os muçulmanos como os cristãos acreditam que o Profeta fundador da sua religião foi o último e depois d'Ele não houve outros profetas. Os Cristãos acreditam que depois de Jesus, a humanidade tem sido guiada pelo Espirito Santo (que se manifesta de diferentes formas); os muçulmanos agarram-se à sua interpretação da expressão "Sêlo do Profetas". Eu acredito que houve mais profetas, nomeadamente o Báb e Bahá'u'lláh, e mais virão. Também acredito que a humanidade continuará a evoluir e Deus continuará a guiar-nos da mesma maneira de sempre.

Referências a Cristo no Alcorão

Um dos aspecto impressionante no antagonismo entre cristãos e muçulmanos é o desconhecimento que, regra geral, o muçulmano tem do cristão e o cristão tem do muçulmano. O muçulmano, numa interpretação literal do Alcorão, acredita que os livros sagrados do cristianismo foram alterados; o cristão ignora as palavras de Maomé sobre Jesus Cristo.

Jesus é mencionado em 15 capítulos do Alcorão; nesse livro sagrado, o Seu nome é referido em 93 versículos (de um total de mais de 6200). Nesse Livro Sagrado o nome de Jesus é mencionado com enorme reverência: por onze vezes é referido como o "Messias". É também chamado "Filho de Maria", "um sinal para todos os seres" (21:91) indica-se que a Sua família foi eleita "acima dos mundos"(3:30-33) e que Ele próprio foi enviado "para que façamos dele um sinal para os homens" (19:21).

No entanto, o Alcorão não descreve todos os Seus ensinamentos, nem relata a história da Sua paixão. Apesar de Lhe serem atribuídos muitos títulos, Ele é apenas um numa sequência de Profetas que Deus enviou à humanidade (e os ensinamentos sobre os Profetas são apenas uma pequena parte do Alcorão).

Concluindo

No Islão e no Cristianismo houve épocas brilhantes e episódios trágicos. Houve heróis e loucos; houve quem vivesse a Mensagem Divina até às ultimas consequências; houve quem recordasse apenas o Mensageiro e esquecesse a Mensagem. Invocando Jesus ou Maomé houve quem cometesse actos de enorme bravura e houve quem cometesse as maiores barbáries. Jesus e Maomé conseguiram transformar a alma de milhões de pessoas, inspirando a realização dos mais puros e nobres actos entre os seres humanos; mas Jesus e Maomé não podem ser culpados pelos actos tresloucados de alguns que se dizem Seus seguidores.

Hoje em dia, é impossível falar do Islão ou do Cristianismo como comunidades religiosas homogéneas; em ambas encontramos as mais diversas tendências e correntes teológicas; em ambas encontramos atitudes progressistas e conservadoras. Pessoalmente, temo que este trágico despertar do radicalismo e extremismo islâmico ofusque prolongadamente a antiga glória da civilização muçulmana. Quanto ao Cristianismo, e talvez por ser filho de pais católicos, vou acompanhando com atenção a um certo cristianismo que me parece a caminho da renovação; grandes pensadores e activistas cristãos (Kung, Boff, Samuel Ruiz) têm vindo a dar uma nova leitura ao Evangelho à luz das condições e necessidades do mundo.

2 comentários:

marina disse...

mas Jesus disse ninguem vem ao pai senao por mim

Marco Oliveira disse...

Isso era válido no tempo d'Ele.
No tempo de outro Manifestante, essa verdade muda.
Porque a verdade religiosa evolui de acordo com o surgimento das grandes religiões mundiais.