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Compreender a pessoa de Jesus Cristo e o seu significado Divino é importante não só para a sua posição teológica na Fé Bahá'í, mas também porque a linguagem usada para ligar o aspecto humano de Cristo com o Seu aspecto Divino tem implicações sociais. Por exemplo, tal como escrevi num post anterior, a masculinidade de Cristo é considerada como parte da sua "identidade essencial" na doutrina Católica, na medida em é usada para negar às mulheres o acesso ao sacerdócio. Outro exemplo: James Cone afirma que "Jesus é negro" na análise dos relatos dos Evangelhos, que descrevem que Jesus e Deus estão do lado dos oprimidos, notando que Jesus pertencia a uma minoria judaica na Palestina romana e que subverteu os valores culturais judaicos e romanos.
A fim de chegar a uma cristologia social básica, precisamos de examinar a linguagem usada para descrever e explicar Cristo nas Escrituras Bahá'ís. Excluindo-se as muitas passagens em que "Cristo" é uma metonímia para o Cristianismo, as que lidam com o significado teológico da sua divindade e da sua morte (que eu abordei noutras ocasiões), e as que simplesmente o citam como orador, as seguintes passagens revelam algo sobre a natureza e pessoa de Cristo. Nota: de maneira nenhuma isto é uma lista exaustiva, especialmente porque 'Abdu'l-Bahá fez centenas de referências a Cristo.
Nas Escrituras do Báb:
- Cristo encarna "O Verbo", é o filho de Maria, não é um "terceiro de três", e não é, em essência, igual a Deus (Qayyúmu'l-Asmá)
Nas Escrituras de Bahá'u'lláh:
- "Aquele que ajudámos com o Espírito Santo" (Proclamação de Bahá'u'lláh)
- "O Espírito de Deus" [Também um nome de Cristo usado no Alcorão] (Proclamação de Bahá'u'lláh)
- "Filho de Maria", "O Filho", "Manifestante do Todo-Misericordioso", "Quinta-essência da Fé " (Chamamento do Senhor dos Exércitos)
- "Posteriormente, com a aprovação de Annas, o mais erudito dos teólogos do seu tempo, e Caifás, o sumo-sacerdote, a Sua bendita pessoa sofreu o que a pena tem vergonha de mencionar e é incapaz de descrever. O mundo inteiro com toda a sua imensidão já não conseguia mantê-lo, até que finalmente Deus o elevou ao céu." (Chamamento do Senhor dos Exércitos)
- Era aguardado ansiosamente pelos judeus, mas foi rejeitado pelos seus sábios (Selecções, XXXV)
- "Aquele com quem os doutores judeus discutiram" (Epístola ao Filho do Lobo)
- "Aquele que não casou" (Epístola ao Filho do Lobo)
- "Sua santidade" (Epístola ao Filho do Lobo)
- Foi-lhe negado um lugar de descanso; resistiu (Epístola ao Filho do Lobo)
- "Veio com soberania e poder" (Chamamento do Senhor dos Exércitos)
- "A fragrância da Sua vinda foi libertada sobre eles e a Sua beleza foi revelada" (Chamamento do Senhor dos Exércitos)
- "Foi sacrificado como redenção pelos pecados e iniquidades de todos os povos da terra" - o que Cristo quis e pediu (Selecções, XXXII)
- "Infundiu toda a criação com uma nova capacidade", "derramou o esplendor da Sua glória sobre todas as coisas criadas" (Selecções, XXXVI).
- Realizou os milagres de conduzir os descrentes à fé (Selecções, XXXVI)
- Rejeitado pelos dirigentes judeus, sofreu, manteve a sua posição em "paz", exteriormente parecia fraco, interiormente estava cheio de Poder Divino - um verdadeiro "Rei" - enfrentou esses terríveis "inimigos" que levaram à sua morte (Kitab-i-Íqán)
- Era capaz de "perceber pensamentos," podia "perdoar os pecados" (Kitab-I-Íqán)
- Podemos deduzir através das várias referências que Bahá'u'lláh aprovava o Evangelho de João; o Kitab-i-Íqán também afirma a validade espiritual da narrativa cristã.
Nas Escrituras de 'Abdu'l-Bahá:
- Cumpriu espiritualmente as profecias judaicas; é um cumprimento não literal (Respostas a Algumas Perguntas)
- Agiu de formas que os Papas não reflectiram (Promulgação da Paz Universal)
- O Alcorão relata o nascimento de Cristo, e confirma a infância (Promulgação da Paz Universal)
- Afirmou Moisés como um Profeta; ressuscitou espiritualmente; confirmam-se relatos básicos do evangelho (Promulgação da Paz Universal)
- Reflectia Deus; representava o Poder Espiritual (Promulgação da Paz Universal, Respostas a Algumas Perguntas)
- Promotor da Unidade (Promulgação da Paz Universal)
- As diferentes visões teológicas cristãs devem-se à ausência de sucessor designado (Promulgação da Paz Universal)
- "A realidade de Cristo é ilimitada" (Promulgação da Paz Universal)
- A linguagem trinitária é simbólica; não é literalmente expressiva do ser de Deus (Respostas a Algumas Perguntas)
Nos escritos de Shoghi Effendi:
- Não nomeou um sucessor ou intérprete infalível (Ordem Mundial de Bahá'u'lláh)
- A mensagem de Cristo focava-se na redenção individual, não necessariamente na Unidade Mundial (Ordem Mundial de Bahá'u'lláh)
- Os Bahá'ís amam Cristo; mas Cristo, conforme revelado nas igrejas cristãs, está coberto por tradições religiosas e não inteiramente autêntico quanto à verdadeira natureza de Cristo (Light of Divine Guidance)
- O nascimento Virginal é afirmado como milagroso, mas isso ainda é diferente do que a ciência considera um "nascimento virginal" (High Endeavors, 87)
- A Alma de Cristo é pré-existente (High Endeavors)
- A vida de Cristo assemelha-se à vida do Báb (Presença de Deus)
- "Os discípulos de Cristo" (presumivelmente imitando Cristo) abandonaram todos os bens terrenos e, na pobreza, viajaram pelo mundo proclamando Cristo e a Sua mensagem (Bahá'í Administration)
- "A Filiação e Divindade de Jesus Cristo são destemidamente afirmadas, a inspiração divina do Evangelho é plenamente reconhecida, a realidade do mistério da Imaculada da Virgem Maria é confessado, e a primazia de Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, é mantida e defendida." (O Dia Prometido Chegou)
- A Bíblia não é literalmente histórica; está subordinada ao Alcorão e às Escrituras Bahá’ís (Directives from the Guardian)
Assim, pode-se afirmar que, para os Bahá’ís, o relato do Evangelho reflecte Jesus tal como entendido no contexto da Revelação Bahá'í - que também aceita o Alcorão. Então, o que é que revela sobre a nossa compreensão de Cristo e da Revelação que nos separa do Cristianismo contemporâneo? Embora existam diferenças teológicas óbvias, aqui estou principalmente preocupado com as implicações sociais.
Primeiro, afirmo que a revelação Bahá'í pode interpretar-se a si própria - e com isso pretendo dizer que podemos usar conceitos em certas passagens para interpretar outras passagens. Uma vez que a Fé proclama uma genuína igualdade social, além de igualdade ontológica entre todos os seres humanos, independentemente da sua identidade ('Abdu'l-Bahá: Philadelphia Talk, 9 de junho de 1912), podemos afirmar que a cristologia Bahá'í não faz da masculinidade de Cristo a parte essencial de seu ser "Cristo". Penso que isto está ainda mais patente em diversos autores Bahá'ís que usam apenas os títulos masculinos "Filho" e "Filho de Maria" para se referir à sua humanidade na sua essência e ao seu género na circunstância. Por outro lado, a Fé não condiciona a posição do Manifestante ao sexo masculino; apesar de todos os Manifestantes conhecidos até hoje terem sido homens, isso não limita necessariamente todos os futuros Manifestantes a serem do sexo masculino, e Deus tem capacidade para nomear uma mulher como Manifestante (Bahá'u'lláh, Súriy-i-Vafa). Por estes motivos, não acho que seja possível fazer declarações ou apoiar argumentos teológicos de discriminação de género baseadas na figura de Cristo.
Em termos de raça, Jesus é reconhecido como um Judeu, mas em oposição à elite judaica e aparentemente sem poder. Ele é, portanto, uma minoria face à cultura dominante dos romanos, assim como uma minoria dentro de sua própria cultura judaica. Apesar disso, somos informados de que, como um reflexo do poder de Deus e da "Quinta-essência de Fé", ele tem pleno poder espiritual. Creio que isto subscreve pelo menos uma afirmação fundamental da teologia da libertação de Cone, de que Deus, em Cristo - na perspectiva Bahá'í - parece ser um Deus que favorece os pobres, os fracos e os oprimidos.
Além da Cristologia de género e racial, a principal representação de Cristo é aquele que subscreve a unidade. Ele é uma personalidade sagrada que morre tanto para redenção individual como para a união das pessoas. Apesar de Shoghi Effendi esclarecer que a mensagem de Cristo não inclui um imperativo da Unidade Mundial - tal como a mensagem Bahá'í - 'Abdu'l-Bahá ainda afirma que a mensagem de Cristo transcendeu o contexto e uniu com linhas religiosas os povos europeus culturalmente distintos. Obviamente, esta não era uma unidade completa ou permanente, pois tanto cismas religiosos como separações políticas dividiram a Europa várias vezes; mas chegou a um ponto onde todas as potências europeias professavam Cristo e as virtudes cristãos eram padrão de vida. Neste sentido, a cristologia Bahá'í ignora a identidade específica de Cristo e foca-se nas qualidades da sua personalidade que levam à unidade - qualidades que os Bahá’ís acreditam que ambos os sexos e todas as raças devem cultivar como a paz, misericórdia e compaixão. É neste quadro que os Bahá’ís vêem Jesus Cristo, no Novo Testamento e no Alcorão.
Assim, o Cristo Bahá'í - pelo menos do meu ponto de vista limitado - serve melhor como um ponto de partida para debates sobre Teologia Feminista e Teologia da Libertação do que o Cristo tradicional do Cristianismo, na medida em que temos acesso directo a um Cristo livre de limitações contextuais de género ou raça, e também porque - como Shoghi Effendi reconhece - não contem um Cristo enterrado sob a tradição cristã.
No entanto, não creio que tudo isto represente uma análise completa ou adequada de uma "Cristologia" Bahá'í, mas servirá como uma introdução geral ao debate e representa uma lista que poderei usar em posts futuros. Além disso, acho que a Fé Bahá'í fica mais beneficiada por uma "Teologia da Manifestação" - uma espécie de Cristologia comparativa que analisa não apenas Jesus, mas também Maomé, Bahá'u'lláh, Moisés, e os outros. O Kitab-i-Íqán fornece um exemplo básico disso. No Cristianismo, a Cristologia serve não só para articular a crença propriamente dita, mas também explicar Deus a uma audiência humana - o que na Fé Bahá'í se realiza melhor através dos Manifestantes, sem um foco exclusivo num deles. Enquanto o Cristianismo se concentra exclusivamente sobre a figura de Cristo, os Bahá'ís têm nove Manifestantes cujas vidas e contexto social fornecem as bases para formulações teológicas.
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