sábado, 29 de dezembro de 2018

O que eu vi em ‘Abdu’l-Bahá: relatos de Laura Barney

Por Layli Miron.


Em 16 de Maio de 1909, em Nova Iorque, um grupo de pessoas reuniu-se para ouvir Laura Clifford Barney. O seu nome era familiar aos leitores do livro Respostas a Algumas Perguntas, que tinha sido publicado no ano anterior. Este livro apresentava, para a recém-nascida comunidade Bahá’í dos Estados Unidos, o comentário de ‘Abdu’l-Bahá sobre uma diversidade de temas, desde o Novo Testamento até à justiça criminal.

Barney, que traduziu e compilou o livro, passara a maior parte da década anterior longe da sua pátria, vivendo em Paris e Akka. Viveu vários meses na casa de ‘Abdu’l-Bahá – uma “aldeia” que se agitava com Bahá’ís de todas as idades, como ela recordava com ternura – de 1904 a 1906, quando compilou o livro Respostas a Algumas Perguntas. Durante esta estadia em Akka, teve muitas oportunidades de observar e interagir com ‘Abdu’l-Bahá.

“Não é aquilo que eu penso que tem muita importância, mas sim aquilo que vi… das características e hábitos de ‘Abdu’l-Bahá”, disse à sua audiência em Nova Iorque. Uma das pessoas presentes tinha uma caneta sobre um bloco de folhas de papel, pronta a transcrever as palavras de Barney. Graças a este escriba desconhecido, temos registados os comentários feitos por Barney nesse dia. Para este artigo, os textos foram organizados por tópicos: primeiro, pequenas histórias de ‘Abdu’l-Bahá; segundo, recordações sobre a vida na Sua casa; e terceiro, reflexões sobre os Seus atributos e orientação. Estes textos foram ligeiramente editados para facilitar a legibilidade.

HISTÓRIAS DE ‘ABDU’L-BAHÁ

O Salomão de Akka
Quanto ao próprio ‘Abdu’l-Bahá, é muito difícil descrevê-Lo devido à Sua diversidade – tantos aspectos. Talvez seja melhor eu descrever-vos a forma como as pessoas de fora O viam e o que pensavam d’Ele.

Por todas as redondezas de Akka, Ele é conhecido como Abbas Effendi. Vêem-No como um grande sábio, comparam-no a Salomão. Vão ter com Ele para pedir conselhos e colocam-Lhe muitas questões difíceis para Ele resolver. Todos confiam n’Ele, apesar de ser um prisioneiro; o próprio Governador foi ter com Ele em busca de ânimo e consulta. Ele é considerado um sábio e um santo notável. Ele é extraordinário na forma como lida com os pobres, sendo o seu melhor amigo.

O passeio de um Prisioneiro
Um dia o Governador pediu-Lhe eu fossem dar um passeio. Ele acedeu ao seu pedido, e durante todo percurso manteve-Se calmo e meditativo. Por fim, falou: “Esta prisão exterior não tem importância. É da prisão do ego que nos devemos libertar”. O prisioneiro neste caso era mais poderoso que o Governador, pois o Governador é que tinha pedido ao Prisioneiro que saísse da prisão.

Um Governador em apuros
Uma vez havia um governador que insistia em ser subornado para permitir que os amigos do Mestre O visitassem. No entanto, o Mestre recusava pagar esses subornos. Ele nunca subornou ninguém. Depois este governador foi afastado ,caiu em desgraça e ficou em apuros. Então o Mestre - quando todos os outros homens se afastavam do governador para se protegerem - enviou-lhe uma certa quantia de dinheiro.

Os pertences de ‘Abdu’l-Bahá
Foi-Lhe enviado um grande cesto de fruta que passou pelo edifício da Alfândega e chegou a casa meio vazio. Ele perguntou: “Como aconteceu isto?” A resposta foi que os funcionários se tinham servido livremente no edifício da Alfândega. Ele franziu a testa por um momento e depois levantou o rosto com um sorriso dizendo: “Fizeram isto secretamente? Então deviam ser castigados; no entanto, fizeram-no abertamente. Bravo, porque as coisas que pertencem a ‘Abdu’l-Bahá pertencem a todos os homens”.

Compaixão pelos Infelizes
Lembro-me que um dia Ele chegou para almoçar, e parecia cansado e triste. Após alguns momentos, perguntámos se tinha acontecido alguma coisa. Podíamos mandar um recado a alguém?

Depois Ele contou uma experiência desoladora que tinha tido nesse dia. Tinha passado junto ao quartel onde estavam a recrutar soldados; um pai e uma mãe choravam amargamente porque o governo recrutara o seu único filho. Não tinham outro conforto, salvo o amor de Deus...

‘Abdu’l-Bahá percebe a situação difícil que as pessoas vivem. O Seu coração está cheio de amor pela humanidade e percebe a necessidade de paz nos corações das pessoas.

A VIDA NA CASA DE ‘ABDU’L-BAHÁ

Recebendo Peregrinos
Quando um peregrino vai a Akka, ‘Abdu’l-Bahá conhece a sua verdadeira condição, mas não o julga pela sua expressão exterior, mas pelo seu ser interior. Ele parece conhecer intimamente os actos das suas mentes.

Uma das perguntas é sobre o bem-estar pessoal: “Estás feliz e tens descansado?” Ele tem esta saudação carinhosa para todas as pessoas.

Exemplo para o mundo Bahá’í
Akka é o centro do mundo. É o ponto de encontro para todos os peregrinos. Muitos dos meus amigos mais queridos são peregrinos. Muitos dos meus amigos mais queridos encontrei-os ali: Muçulmanos, Judeus, Zoroastrianos, etc. Não é só ali que sentimos o laço da unidade. É em toda a parte onde encontramos Bahá’ís. Estão todos ligados uns aos outros como uma grande família feliz.

Este laço de simpatia cria actos belíssimos e é verdadeiramente maravilhoso aquilo que podemos fazer no mundo.

‘Abdu’l-Bahá é maravilhoso no Seu exemplo. Ele mostra dois princípios que são poderosos. São a tolerância e a vigilância... Devemos ser tolerantes com toda a humanidade e vigilantes para não a magoar.

ATRIBUTOS E GUIA DE ‘ABDU’L-BAHÁ

Amor pela humanidade
A Sua vida activa é notável. Nunca está com grande pressa. Tudo parece bem equilibrado. A Sua ideia é que tudo o que se começa deve ser terminado com o mesmo esforço com que foi iniciado.

O Seu interesse por todos nós é de uma visão maravilhosa. Ele parece focar tudo o que está em nós para que sejamos um espelho para Ele.

É quase milagrosa a forma como Ele lê e compreende todas as cartas que Lhe são escritas e como Ele responde a todos de acordo com as suas necessidades. Todos recebem uma atenção cuidadosa e todos recebem aquilo que desejam.

E que esforços específicos que Ele faz por aqueles que O amam e vêm até Ele. É o princípio que Bahá’u’lláh ensinou, a força do amor... Depende de nós amá-Lo. Quando Ele espalha o amor de Deus, este cai sobre o universo, e cada coisa recebe esse amor de forma diferente.

Confiança em Deus
Como centro da Aliança, o Seu estatuto é humildade. Ele seria um ser brilhante em qualquer caminho da vida e teria sucesso em qualquer empreendimento material, pois Ele depende apenas daquela força que é de Deus.

Imagine uma piscina com água. Sem ligação com outras águas, rapidamente fica estagnada; mas quando ligada com o próprio oceano, fica sempre pura. O mesmo acontece connosco. Devemos estar ligados com Deus e manter sempre essa ligação, e assim estaremos sempre sintonizados com o infinito.

Guia Paciente
‘Abdu’l-Bahá é sensível e poético no meio de toda esta actividade. Quando responde a uma pergunta, Ele está calmo e meditativo, e parece olhar para a natureza no exterior. Ele parece esquecer a nossa presença e enquanto responde, tudo o que parecia difícil de compreender torna-se fácil de entender. Todos os mistérios são transmitidos.

Visão para a América
‘Abdu’l-Bahá afirma que vários grupos e massas na América atingirão um verdadeiro estado de compreensão e autêntica fraternidade através dos nossos esforços, à medida que crescemos continuamente no amor de Bahá’u’lláh. Então, seremos capazes de atingir estas grandes massas, e juntos através do Seu amor e com pensamento n’Ele, cresceremos e cresceremos até o amor se tornar universal.

NOTA: a transcrição desta palestra encontra-se nos Arquivo Bahá’ís do Estado Unidos. Sobre os escritos de Laura Barney, ver este artigo da autora no Journal of Baha’i Studies.

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Texto original: “What I Saw of Abdu’l-Baha”: Vignettes by Laura Barney (www.bahaiblog.net)

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Layli Miron e o marido vivem na Pensilvânia (EUA) onde está a fazer um Doutoramento em retórica e composição. O casal colabora com a comunidade Bahá’í em diversos projectos de natureza local.

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