sábado, 1 de dezembro de 2018

Os Sintomas da Alma

Por Peter Gyulay.


O nosso corpo é formidável quando nos diz que algo não está a funcionar bem. Enxaquecas, dores, irritações na pele, inchaços… tudo isto nos diz que algo está errado no corpo e que precisamos de descobrir o que se passa. Os sintomas são sinais que nos conduzem a um problema mais profundo. Mas nós não temos apenas um corpo; também temos uma alma. E existe uma ligação entre o corpo e a alma. Assim, se existem sinais de boa ou má saúde no nosso corpo, existirão também sinais semelhantes sobre a alma?

A característica desconcertante sobre a alma é o facto de ser indescritível e misteriosa. Não podemos vê-la ou tocá-la. Bahá’u’lláh afirma o seguinte sobre a alma:
Em verdade digo: a alma humana está exaltada acima de egresso e regresso; está imóvel, mas eleva-se nos ares; move-se, mas está parada. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, LXXXII)
Ele também explicou que a alma não é afectada pela doença física:
Sabe tu que a alma do homem está exaltada acima, e é independente de todas as enfermidades do corpo ou da mente. Que uma pessoa doente mostre sinais de fraqueza isso deve-se às obstruções que se entrepõem entre a sua alma e o seu corpo, pois a alma em si permanece imune a qualquer padecimento corpóreo. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, LXXX)
Mas pode a própria alma ficar doente?

Um dos conceitos fundamentais dos ensinamentos Bahá’ís é que os seres humanos foram criados à imagem de Deus; isto significa que temos todas as qualidades divinas latentes em nós, prontas a desenvolver. Estas qualidades divinas são um conjunto de virtudes, tais como a generosidade, o amor e o perdão. E é ao desenvolver estes atributos que nos aproximamos de Deus. Podemos dizer que estas qualidades positivas são sinais de uma alma saudável. Uma pessoa que tem uma vida de serviço aos outros de forma sincera, honesta, bondosa e generosa, tem uma alma saudável; e essa alma está bem preparada para a próxima vida no mundo espiritual. Por outro lado, uma pessoa que mente, engana e magoa os outros tem uma alma doente que está presa no mundo do ego. E a ausência de felicidade é um sinal de que a alma está doente. Assim, podemos dizer que cada virtude tem a sua antítese: bondade/crueldade, generosidade/ganância, amor/ódio.

Mas estas doenças espirituais não afectam apenas a alma; também atingem o corpo:
A inveja consome o corpo e a raiva queima o fígado; evita-as tal como evitarias um leão. (Tablet to a Physician, in Baha’u’llah and the New Era, p.108)
Um dos problemas que muitas pessoas têm com a medicina moderna ocidental é que esta frequentemente não procura a causa e apenas cura os sintomas. Isto leva a casos em que as pessoas têm um estilo de vida doentio e apenas pretendem um alívio dos seus sintomas para poderem continuar com o seu estilo de vida. Desta forma não estão a aprender com os sintomas; os sintomas podem ensinar a pessoa que há algo de errado na sua forma de vida e que isso deve ser alterado. O mesmo se passa com a alma. Quando sentimos raiva, inveja ou tristeza, estamos a sentir os sintomas da alma. Tal como os sintomas físicos, não devemos apenas encobri-los ou tratá-los sem examinar se existe uma causa por detrás delas. Tal como o corpo, podemos tratar superficialmente dos sintomas da alma com drogas, álcool, sexo, jogo, materialismo excessivo, maledicência e intrigas.

O que temos de fazer é prestar atenção àqueles sinais da alma, por muito desagradáveis que sejam. Isto requer muita honestidade, coragem e humildade. Se nos sentimos culpados por algo que fizemos ou deixámos de fazer, temos que olhar honestamente para nós próprios e determinar se foi falha nossa. Mas isto significa estar disposto a experimentar as angústias da culpa. E se temos coragem para sentir esta culpa, também temos de nos distanciarmos e ver o que podemos aprender com esta culpa. Quando me sinto culpado por alguma coisa, frequentemente dou por mim a tentar racionalizar a minha atitude e a justificar as minhas acções, quando em muitos casos, apenas tenho de admitir para mim próprio os meus erros, aprender com eles e continuar a minha vida.

Penso que devemos estar gratos pela forma como Deus nos criou em relação ao nosso propósito na vida. Ele criou-nos para nos purificarmos e nos aproximarmos d’Ele. Regozija-te na alegria do teu coração, para que possas ser digno de Me encontrar e de reflectir a Minha beleza” (“As Palavras Ocultas”, do árabe, #36). Aproximarmo-nos de Deus é a maior das alegrias. Sempre que nos afastamos de Deus, recebemos sinais e indicações de que nos estamos a afastar do nosso propósito. E temos de prestar atenção ao nosso ser interior. Se nos afastamos de Deus e não cuidamos do nosso ser interior, podemos não ver estes sintomas e assim a doença da nossa alma ficará oculta. Acredito que é por isso que a oração e meditação diárias são tão vitais.

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Texto original: The Symptoms of the Soul (bahaiblog.net)

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Peter Gyulay é um escritor, músico e educador nascido na Austrália. Estudou filosofia e gosta de reflectir sobre aspectos profundos da vida. O seu romance A Path to Seek está disponível aqui. O seu website pode ser visto aqui.

3 comentários:

margpintura disse...

Assunto muito bem exposto, de forma simples mas ao mesmo tempo profunda. Achei bem interessante.

J. Carlos disse...

Sou da mesma opinião da Margarida Ganço, pois é um texto simples mas que faz uma análise tocante sobre o tema. Gostei da sua leitura!

Marco Oliveira disse...

Eu também gostei muito.
Não há muita gente a conseguir escrever de forma simples sobre um tema profundo.