sábado, 27 de julho de 2019

Como criar um futuro que valorize a feminilidade

Por Maya Mansour.


Todos os dias recebemos mensagens sobre como devemos condicionar os nossos corpos. Dizem-nos o que devemos vestir, como devemos andar, e até quanto espaço devemos ocupar. Frequentemente, estas mensagens não consideram o impacto espiritual de ter um corpo físico. As escrituras Bahá’ís explicam que o corpo humano é um recipiente material da nossa alma – uma entidade espiritual que não tem género ou atributos mundanos:
Os ensinamentos de Bahá'u'lláh também proclamam igualdade entre homem e mulher, pois Ele declarou que todos são servos de Deus e dotados de capacidade para obter de virtudes e dádivas. Todos são manifestações da misericórdia do Senhor. Na criação de Deus, não se obtêm distinções. Todos são Seus servos. Aos olhos de Deus não há género. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p.374)
Como seres humanos estamos dotados de uma identidade que é simultaneamente física e espiritual e estas duas facetas frequentemente interagem entre si. Para demonstrar a verdade espiritual de que homens e mulheres são iguais, os ensinamentos Bahá’ís comparam cada género, metaforicamente, com as asas de um pássaro: é impossível um pássaro voar com duas asas esquerdas ou com uma asa mais forte que outra. Quando ambas as asas trabalham em conjunto e se equilibram uma à outra, o pássaro pode voar livremente, livre da desigualdade.
O mundo da humanidade tem duas asas – uma é a mulher e outra o homem… Se uma asa estiver fraca, é impossível voar. (‘Abdu’l-Bahá, Selections from the Writings of ‘Abdu’l-Bahá, p. 417)
Esta metáfora aborda claramente a posição relativa de mulheres e homens na sociedade – e ainda assim podemos alargar o seu significado e usá-la para explorar os nossos conceitos de masculinidade e feminilidade. As actuais construções de género – para dizer o mínimo – não nos são muito úteis. Por exemplo, as normas de género no Ocidente presumem rigidamente que um individuo é masculino ou feminino, a asa direita ou esquerda, ou um ou o outro.

Parece existir aqui um pressuposto de que o género da pessoa é definido apenas pela sua anatomia. Isto apresenta imediatamente um problema, pois independentemente do aspecto físico exterior, existem muitas formas de descrever um ser humano. Pessoas intersexuais sempre existiram e não vão desaparecer. Em vez de tentar classificar as pessoas segundo uma norma binária rigorosa, podemos aceitar o que a masculinidade e a feminilidade têm para oferecer:
O mundo no passado foi governado pela força e o homem tem dominado a mulher devido às suas qualidades de maior força e agressividade, tanto do corpo como da mente. Mas o equilíbrio já está a mudar; a força está a perder o seu domínio, e o estado de alerta mental, a intuição e as qualidades espirituais de amor e serviço, em que a mulher é forte, estão a ganhar ascendência. Consequentemente, a nova era será uma época menos masculina e mais permeada com os ideais femininos, ou, para falar mais precisamente, será uma época em que os elementos masculinos e femininos da civilização estarão mais equilibrados. ('Abdu'l-Bahá, citado em A Compilation on Women)
Apesar do equilíbrio da masculinidade/feminilidade ter estado inclinado para o lado masculino, os ensinamentos Bahá’ís indicam que isto irá mudar. No entanto, isto não pretende desconsiderar os contributos das pessoas que no passado personificaram e advogaram a feminilidade. A verdade espiritual de que todos são iguais é eterna. Podemos estudar as formas não-tradicionais de registar a história – como criação de imagens e as narrativas orais – e perceber que muitos contributos para a igualdade de género foram subestimados pelas narrativas históricas comuns. Isto dá-nos a perceber como nos temos de esforçar para criar hoje mais equilíbrio.

As qualidades associadas com a feminilidade – como ser cuidadoso, compassivo e emotivo – são frequentemente desvalorizadas na sociedade moderna. Os cargos que exigem essas qualidades estão geralmente na faixa dos empregos mal pagos, como os professores e os assistentes sociais. A nossa escala de remunerações raramente valoriza o trabalho emocional – um trabalho que tipicamente cai nos ombros das mulheres. Um futuro que valorize os valores da feminilidade reconhecerá que ser compassivo e emocional é algo tão importante quanto ser lógico e metódico. Uma pessoa pode beneficiar ao perceber a força de ser assertivo; mas também beneficia quando percebe que deve recuar e ocupar menos espaço.

Um passo que qualquer pessoa pode dar em direcção a um futuro que encoraja a feminilidade é a auto-reflexão. Numa cultura que historicamente valoriza as pessoas que personificam a masculinidade, devemos reflectir activamente se desejamos quebrar o ciclo e reconhecer o quão profundamente enraizado se encontra o equilíbrio de poder. Fomentar uma dinâmica saudável entre a estas duas qualidades é algo diferente para todos nós. Quando pensamos em criar uma sociedade mais justa, penso que é importante para cada um de nós avaliar os traços que personificamos enquanto indivíduos e a forma como o ambiente em que nos inserimos contribui para os nossos valores pessoais.

Quando nos envolvemos nesta auto-reflexão individual sobre o que valorizamos em nós e nos outros, as instituições também se devem examinar a si próprias e esforçar-se por assumir simultaneamente qualidades masculinas e femininas. Ao garantir que a sua demografia está cada vez mais equilibrada, também devem procurar equilibrar qualidades femininas e masculinas. Por exemplo, as licenças de maternidade/paternidade devem ser iguais para ambos os progenitores. As desigualdades nestas licenças devem-se à pressão no crescimento da carreira profissional como forma de ganhar mais dinheiro para sustentar a família. Desta forma, o capitalismo tem desempenhado um grande papel na criação das desigualdades existentes, especialmente quando se cruza com a sociedade patriarcal. E como resultado temos menos qualidades femininas nos indivíduos, e nas decisões e políticas institucionais.

Mesmo um tema aparentemente neutro como a quantidade de horas de trabalho por dia pode reconhecer ou ignorar a qualidade feminina da compaixão. Quando se espera que os pais trabalhem muitas horas por dia, as suas interacções com os filhos reduzem-se às rotinas do acordar, levar à escola, jantar, preparar para ir dormir. No entanto, se as pessoas tiverem oportunidade de sair do trabalho a tempo de desenvolver uma relação de qualidade com as suas famílias, ou se lhes for oferecido apoio aos filhos no local de trabalho, eles tornar-se-ão mais ligados às suas famílias - e isso beneficia toda a gente. Isto representa uma mudança de foco da produtividade para a valorização do equilíbrio entre trabalho e família.

Por toda a parte estão a acontecer mudanças para criar um mundo que valoriza igualmente o que cada um pode oferecer. Desde a indústria médica ao mundo da arte, vemos pessoas que dão um passo atrás para que as vozes dos outros possam ser finalmente ouvidas. A feminilidade começa a ganhar espaço para influenciar as esferas do poder que há muito tempo são governadas pela masculinidade.

O que mais me entusiasma nesta mudança é o facto de qualquer pessoa poder fazer parte dela. Qualquer pessoa pode conversar com amigos e conhecidos para compreender mais profundamente as perspectivas dos outros. Qualquer pessoa pode avaliar as suas próprias noções de género e pensar se essas noções permitem ou inibem o melhoramento da sociedade. O futuro está a ser moldado por cada uma das acções que tomamos.

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Texto Original: How We Can Envision and Create a Future That Values Femininity (www.bahaiteachings.org)

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Maya Mansour estudou artes no The Evergreen State College e os seus trabalhos têm sido publicados em várias plataformas, incluindo Ebony, SoulPancake, and the Journal of Critical Scholarship on Higher Education and Student Affairs.

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