sábado, 5 de setembro de 2020

Compreender os Mandamentos dos Homens

Por Maya Bohnhoff.


Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. E em vão Me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. (Mateus 15:8-9)
No artigo anterior, analisei a resposta à pergunta sobre o porquê das religiões – supondo que vêm do mesmo Deus – parecem tão diferentes ao observador casual. Resumi a resposta em duas palavras: revelação progressiva.

O conhecimento é cumulativo. Para aprender qualquer coisa – por exemplo, cálculo – uma criança necessita duas coisas: 1) conceitos básicos para compreender conceitos avançados de cálculo; 2) capacidade para perceber as implicações desses conceitos e ideias. Os professores das crianças, independentemente das suas próprias capacidades e conhecimentos mais profundos, apenas ensinam aquilo que a criança pode compreender; e em cada fase ajudam-na a aumentar um pouco mais os seus conhecimentos.

De igual modo, os profetas de Deus também nos trazem conceitos básicos: devemos compreendê-los e agir com base neles. Este facto dá-nos a resposta para a segunda parte a resposta à questão sobre diferenças entre as religiões – a capacidade humana:
Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha… E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica será comparado a um homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia… (Mateus 7:24-26)
Quando uma criança pequena é agredida por outra, ela irá retaliar instintivamente. A maioria dos pais tenta explicar que bater não resolve a agressão. Numa família religiosa, isto torna-se frequentemente num momento para ensinar à criança um princípio espiritual aparentemente simples conforme expresso na Regra de Ouro (“Não faças aos outros o que não gostarias que fizessem a ti”), ou a exortação de Maomé sobre as pequenas amabilidades, ou o ensinamento de Bahá’u’lláh de que devemos responder ao mal com o bem. Os ensinamentos Bahá’ís resumem estas lições da seguinte forma:
Comportai-vos de acordo com os conselhos do Senhor, ou seja, erguei-vos de tal modo e com tais qualidades que o corpo deste mundo seja dotado por vós com uma alma viva, e essa criança - a humanidade - seja conduzida à idade adulta. Tanto quanto vos for possível, acendei uma vela de amor em cada reunião e, com ternura, regozijai e alegrai cada coração. Cuidai do estranho assim como cuidais de um dos vossos; mostrai aos estrangeiros a mesma benevolência que concedeis aos vossos amigos fiéis. Se alguém vos agredir, procurai tornar-vos amigos dele; se alguém vos ferir o coração, sede vós um bálsamo curador para as suas feridas; se alguém vos atormentar ou escarnecer, acolhei-o com amor. (Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, #16)
Estas lições não se aprendem rapidamente. A capacidade das crianças cresce ao longo do tempo, e apenas gradualmente conseguem reconhecer a verdade da mensagem e a confiar que pode ser posta em prática. Mesmo após aceitar o ideal de “dar a outra face” ou ser o “bálsamo curador” do agressor, a maioria das crianças ainda pode explodir ocasionalmente quando provocada, ou retribuir críticas mostrando petulância. Mesmo os adultos não conseguem "entender". Eles perdem a paciência, por vezes de forma trágica. Todos os dias, eles cedem aos seus medos, preconceitos e raiva.

A humanidade é aquela criança que se esforça para aprender cálculo divino. Temos ouvido sobre a Regra de Ouro há vários milénios, mas, enquanto espécie, parece que não a entendemos como um objectivo de vida, uma carta régia para um mundo melhor, um mandamento divino, ou uma premissa lógica – por isso ela é repetida.

E ao lidar com a nossa própria falta de aptidão, ficamos aquém do objectivo. Construímos dogmas que explicam a nossa necessidade de transformar. Recriamos Deus e a religião à nossa própria imagem. Em vez de tentarmos encontrar a unidade com as pessoas que são "os outros" - como dizem todos os ensinamentos religiosos – vamo-nos ocupando a fazer selecções e extrapolações das escrituras para justificar porque é que eles não estão incluídos nos conselhos de Deus sobre o amor pelos nossos semelhantes.

Quando comecei a ler os Evangelhos e as Epístolas para chegar às minhas próprias conclusões, percebi algo perturbador – as coisas que os pastores e os teólogos identificaram como os princípios essenciais da fé Cristã (a minha fé) não eram as coisas que Jesus tinha ensinado nos Evangelhos, mas coisas que eles tinham extrapolado e transformado em doutrina. As palavras de Cristo sobre os aspectos básicos da Sua fé estavam nos sermões, mas eram ensinados como se não fossem aspectos fundamentais para a salvação ou para o modo como os Cristãos se devem integrar no mundo.

O motivo pelo qual, num primeiro olhar, a religião parece tão diferente é que pegámos na mensagem que nos foi dada por Cristo, por Maomé, por Krishna, por Buda e alterámo-la para se adequar às nossas sensibilidades infantis. A lógica sectária da doutrina, do ritual e da prática é muitas vezes a lógica de uma criança: Sim, nunca se deve bater em ninguém, A MENOS que te batam primeiro ... ou se eles estiverem a olhar para ti como se estivessem a pensar em bater-te... ou se ouviste rumores de que eles batiam nas pessoas.

Frequentemente ouço o argumento de que Deus ama todos os Seus filhos, mas não ama gays, não-Cristãos, imigrantes ilegais porque no fundo não filhos d’Ele. Não estão abrangidos pelo Sermão da Montanha ou pela Regra de Ouro ou pela parábola do Bom Samaritano porque… (arranja-se uma justificação qualquer…)

A realidade é que é muito difícil amar alguém que não faz parte dos nossos.

Jesus falou desta dificuldade quando nos deu a Regra de Ouro:
Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas. Entrai pela porta estreita… porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela. (Mat 7:12-14)
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Texto original: Understanding the Commandments of Men (www.bahaiteachings.org)


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Maya Bohnhoff é Baha'i e autora de sucesso do New York Times nas áreas de ficção científica, fantasia e história alternativa. É também compositora/cantora (juntamente com seu marido Jeff). É um dos membros fundadores do Book View Café, onde escreve um blog bi-mensal, e ela tem um blog semanal na www.commongroundgroup.net.


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