sábado, 12 de setembro de 2020

Os Bahá’ís são Capitalistas ou Socialistas?

Por David Langness.



Os princípios Bahá'ís, à semelhança dos ensinamentos das grandes religiões mundiais, ou talvez ainda mais, dão uma enorme atenção ao aliviar da situação precária dos pobres. Mas isto significa que os Bahá'ís são socialistas?

Assunto constante e consistente nas escrituras de Bahá'u'lláh e 'Abdu'l-Bahá, a pobreza e a sua diminuição representam uma prioridade essencial para todos os Bahá'ís individuais e para todas as instituições administrativas Bahá'ís. Não há qualquer dúvida que Bahá’u’lláh instou repetidamente a humanidade a dar prioridade, a proteger e a cuidar dos pobres:
Sede dignos de confiança na terra e não recuseis aos pobres as coisas que vos foram dadas por Deus através da Sua graça. (Baha’u’llah, The Summons of the Lord of Hosts, ¶149)

Ó ricos da terra! Se encontrardes um pobre, não o trateis com desdém. Reflecti sobre aquilo do qual fostes criados. Cada um de vós foi criado de um pobre embrião. (Idem, ¶151)

Ó filho do espírito! Não te enalteças acima do pobre, pois Eu guio-o no seu caminho, enquanto te contemplo na tua condição perversa e te confundo para sempre. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, #25, do árabe)

Ó filho do homem! Entrega a Minha riqueza aos Meus pobres, para que no céu possas obter uma abundância de esplendor imperecível e tesouros de glória perpétua. Mas por Minha vida! Oferecer a tua alma é a coisa mais gloriosa, se apenas pudesses ver com os Meus olhos. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, #57, do árabe)

Ó filhos do pó! Falai aos ricos sobre os suspiros nocturnos do pobre, para que a imprudência não os conduza ao caminho da destruição e os privem da Árvore da Riqueza. Dar e ser generoso são atributos Meus; bem-aventurado quem se adorna com as Minhas virtudes. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, #49, do persa)
Quando as pessoas conhecem os ensinamentos Bahá'ís e começam a estudá-los, esta ênfase na erradicação da pobreza pode levar a pensar que os Bahá'ís defendem uma abordagem socialista tradicional – mas isso seria um erro.

A Casa Universal de Justiça, o corpo administrativo mundial da Comunidade Bahá’í, descreveu a posição Bahá’í sobre esta ideologias económicas do capitalismo e do socialismo, numa mensagem de 1985, intitulada A Promessa da Paz Mundial:
Lamentavelmente, muitas dessas ideologias, em vez de abraçarem o conceito de unidade da humanidade e promoverem o aumento da concórdia entre os diversos povos, manifestaram tendência a deificar o Estado, a sujeitar o resto da humanidade ao domínio de uma nação, raça ou classe, a procurar suprimir toda a discussão e o intercâmbio de ideias, ou a abandonar friamente milhões de seres humanos à sorte de um sistema de mercado que, de forma mais que patente, está a agravar as difíceis condições em que se encontra a maioria da humanidade, ao mesmo tempo que permite que pequenas parcelas vivam em condições de riqueza, com que os nossos antepassados dificilmente poderiam sonhar.
Cada um destes dois modelos económicos dominantes - salientam os ensinamentos Bahá'ís – baseia-se numa doutrina de materialismo, que define as pessoas essencialmente como egoístas e seres consumistas que sempre dão prioridade aos seus próprios interesses. O capitalismo – que dá prioridade ao lucro – e o socialismo – que dá prioridade à redistribuição de riqueza - têm este conceito essencial em comum. Ambos os sistemas evoluíram na era moderna em torno de uma filosofia de interesses próprios que consagrou ideais materialistas como forças dominantes na vida humana. A Fé Bahá’í baseia os seus ensinamentos económicos numa base completamente diferente: nós, os seres humanos, temos a capacidade para desenvolver as nossas capacidades espirituais e altruístas na busca da justiça, unidade e equidade para todos os povos, ultrapassando os egoísmos e desenvolvendo uma sociedade global sustentável.



Não somos indivíduos essencialmente gananciosos e egoístas; pelo contrário, dizem-nos as Escrituras Bahá’ís, somos seres nobres, com capacidade de expressar amor e compaixão pelos outros

Neste sentido, os Bahá’ís consideram que não são socialistas, nem capitalistas. Em vez disso, os ensinamentos Bahá’ís reconciliam e combinam os melhores aspectos de ambos os sistemas económicos, e evitam os elementos de cada um que conduzem à opressão e à injustiça.

Considerando a grande disparidade na distribuição da riqueza do mundo, a Casa Universal de Justiça apelou à humanidade e aos governos que avaliassem seriamente os impactos morais destes dois sistemas económicos mundiais:
Chegou o momento em que aqueles que pregam os dogmas do materialismo, quer do Leste ou do Oeste, tanto o capitalismo quanto o socialismo, terão de apresentar contas da tutela moral que têm presumido exercer. Onde está o "novo mundo" prometido por essas ideologias? Onde está a paz internacional a cujos ideais proclamaram a sua devoção? Onde estão os avanços para novos domínios de progresso cultural, produzidos pelo enaltecimento desta raça, daquela nação ou de determinada classe? Porque é que a vasta maioria dos povos do mundo está se afundando cada vez mais na fome e na miséria, enquanto os árbitros actuais dos afazeres humanos têm a sua disposição riquezas incalculáveis, numa escala jamais concebida pelos Faraós e pelos Césares, e nem mesmo pelas potências imperialistas do século passado?

Muito em especial, é na glorificação das conquistas materiais – simultaneamente origem e característica comum de todas essas ideologias – que encontramos as raízes da falsa crença de que seres humanos são incorrigivelmente egoístas e agressivos. E é aqui que o terreno tem de ser desobstruído para a edificação de um novo mundo digno dos nossos descendentes.

O facto dos ideais materialistas, quando examinados à luz da experiência, terem sido incapazes de satisfazer as necessidades da humanidade, exige reconhecimento honesto de que agora deve ser feito um novo esforço para encontrar soluções para os problemas angustiantes do planeta. (Idem)
Os Bahá'ís acreditam, simplesmente que todos nós temos almas e que cada uma das nossas almas têm um destino superior aos seus meros interesses pessoais. Além disso, cada um de nós tem potencial, capacidade e vontade de amar os outros, ao ponto de nos podermos considerar todos como membros de uma única família humana:
Certamente, alguns sendo tremendamente ricos e outros lamentavelmente pobres, torna-se necessária uma organização para controlar e melhorar este estado de coisas. É importante limitar as riquezas, assim como é importante limitar a pobreza. Qualquer um dos extremos não é bom. Estar colocado no meio é o mais desejável. Se é correcto que um capitalista possui uma grande fortuna, é igualmente justo que o seu operário tenha meios de subsistência suficientes. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks)
Comprometermo-nos com este tipo de equidade e justiça, e com a estrutura necessário que a torne uma realidade, significa que cada um de nós pode contribuir para as soluções espirituais dos problemas causados negligência ou indiferença dos actuais sistemas económicos. Todos podemos ajudar os sem-abrigo de muitas maneiras, com um sorriso, ou uma refeição, ou trabalhando com outros para lhes proporcionar alojamentos e serviços. Quando nos focamos nas nossas realidades espirituais, podemos voluntariar-nos no serviço aos outros, e certamente que alguns desses actos de serviço altruísta elevarão e enriquecerão as nossas almas:
Assim, desejo que os vossos corações se possam dirigir ao Reino de Deus, que as vossas intenções possam ser puras e sinceras, que os vossos propósitos se voltem para realizações altruístas esquecidos do vosso próprio bem-estar; pelo contrário, que todas as vossas intenções se centrem no bem-estar da humanidade e possais sacrificar-vos no caminho da devoção à humanidade. ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace)

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Texto original: Are Baha’is Capitalists or Socialists? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.






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