sábado, 10 de outubro de 2020

A Fé Bahá’í e o Surgimento da Democracia Global

Por Nader Saiedi.



As palavras de Bahá’u’lláh sobre o retirar do poder a reis e clérigos pode ser parcialmente considerada como uma afirmação da Sua mensagem aos dirigentes políticos e religiosos do mundo, em 1868:
A duas classes entre os homens foi retirado o poder: reis e eclesiásticos (citado por Shoghi Effendi em God Passes By)
Enfatizando o mesmo ponto e proclamando a abolição do sacerdócio na Sua nova religião, Bahá’u’lláh escreveu:
Ó assembleia de sacerdotes! Doravante não vos vereis possuindo qualquer poder, pois apoderámo-Nos dele e destinámo-lo àqueles que acreditaram em Deus, o Uno, o Todo-Poderoso, o Omnipotente, o Irrestrito. (The Proclamation of Baha’u’llah)
Entre as cartas enviadas por Bahá’u’lláh aos líderes mundiais, a primeira - escrita durantes os Seus últimos dias em Adrianópolis e antes do exílio em Akká - é dirigida ao rei da Pérsia, o xá Nasir al-Din. Nesta, o principal argumento no discurso de Bahá’u’lláh inclui uma crítica ao despotismo clerical, que Ele identifica com a causa principal dos problemas da Pérsia, enquanto autocracia clerical e intolerante. Ele expressa sentimentos semelhantes quando se dirige ao Papa e aos imperadores da França e da Rússia. A Sua enfase na democracia política encontra-se na Epístola à Rainha Vitória, que é elogiada por ter proibido o tráfico de escravos e alargado a governação democrática.

Mas por outro lado, quando Bahá’u’lláh faz essas afirmações sobre clérigos e reis – no final da década de 1860 – as Suas afirmações resumem a Sua revelação até esse momento. É importante ter presente que durante a década de 1850, as Escrituras de Bahá’u’lláh não abordam directamente a questão da democracia política; pelo contrário, as Suas palavras dirigem-se contra o despotismo clerical. Depois, no contexto da Sua enfase anterior na democracia espiritual e cultural, Bahá’u’lláh começa a enfatizar a democracia política durante a década de 1860, no âmbito do Seu apelo a uma transformação holística em todas as instituições governativas e religiosas, visando a unidade global e a paz universal. Esta sequência não é acidental. Bahá’u’lláh começa por enfatizar a necessidade de democracia cultural e espiritual como pré-condição para o surgimento de uma democracia política e depois foca-Se na reforma social, incluindo o estabelecimento de uma democracia política global.

A Investigação Independente da Verdade

Os principais trabalhos de Bahá’u’lláh durante a década de 1850 e início de 1860 enfatizam o imperativo da democracia espiritual e o princípio da investigação independente da verdade. Estas escrituras começam com uma série de textos místicos - “Os Sete Vales”, “Os Quatro Vales” e “As Palavras Ocultas” – e terminam com vários trabalhos teológicos que destacam a consciência histórica – incluindo “As Joias dos Mistérios Divinos” e “O Livro da Certeza”. Os pontos comuns destes dois tipos de Escrituras de Bahá’u’lláh são a rejeição de todos os preconceitos, a crítica da autoridade clerical, e a afirmação da necessidade de pensamento independente para compreender a verdade.

Estes trabalhos salientam o método de investigação pessoal da verdade e atribuem o motivo da perseguição de todos os Profetas e Mensageiros de Deus à confiança cega das pessoas nas opiniões dos clérigos e líderes religiosos, e consequentemente, a recusa em pensar por si próprios. De forma sistemática, Bahá’u’lláh escreveu sobre a necessidade de questionar todas as ideias, de ignorar os juízos dos clérigos, de purificar o coração e a mente de todos os vestígios de tradicionalismo, e de reconhecer o poder do pensamento individual como a maior dádiva de Deus à humanidade. Estas afirmações de Bahá’u’lláh, incluídas em três dos seus principais trabalhos ilustram estes temas.
Ó Filho do Espírito! O meu primeiro conselho é este: possui um coração puro, bondoso e radiante, para que seja tua uma soberania antiga, imperecível e eterna. (Baha’u’llah, The Hidden Words, do árabe #1)

O primeiro é o Vale da Busca. O corcel deste vale é a paciência… Incumbe a esses servos purificar o coração - que é o manancial de tesouros divinos - de toda mácula, e afastar-se da imitação - que consiste em seguir as pegadas dos antepassados - e fechar a porta da amizade e da inimizade para com todos os povos da terra. (Baha’u’llah, The Seven Valleys)

Nenhum homem alcançará as margens do oceano da verdadeira compreensão excepto se estiver desprendido de tudo o que está na terra e no céu. Santificai as vossas almas, ó povos do mundo, para que, porventura, consigais alcançar a posição que Deus vos destinou… (Baha’u’llah, The Book of Certitude, ¶1)
Neste contexto, Bahá’u’lláh abordou, em escrituras posteriores a partir da década de 1860, a necessidade de transformação das instituições sociais, a realização da democracia política, e a criação de uma segurança colectiva democrática e consultiva para todo o planeta. Ao dirigir-Se à rainha Vitória, escreveu:
Fomos informados de que proibiste o tráfico de escravos, tanto homens como mulheres. Isto, em verdade, é o que Deus ordenou nesta maravilhosa Revelação… Também ouvimos que confiaste as rédeas do conselho às mãos dos representantes do povo. Em verdade, fizeste bem, pois assim os alicerces do edifício dos teus afazeres serão fortalecidos, e os corações de todos os que se encontram sob a tua sombra, sejam nobres ou humildes, estarão tranquilizados. (The Proclamation of Baha’u’llah)

Bahá’u’lláh e a Emancipação do Irão e do Médio Oriente

As escrituras de Bahá’u’lláh, condensadas nas suas cartas a reis e eclesiásticos, apresentam um caminho para a reforma e desenvolvimento do Irão e das sociedades do Médio Oriente do século XIX. Infelizmente, os iranianos não deram atenção à sabedoria de Bahá’u’lláh, e assim, a sua abordagem à democracia e à reforma social tornou-se o oposto do caminho sugerido por Bahá’u’lláh. Consequentemente, podemos identificar o principal motivo do falhanço dos movimentos reformistas no Irão como sendo precisamente a rejeição da mensagem de Bahá’u’lláh.

Para Bahá’u’lláh, nenhuma verdadeira democracia política é possível a menos que tenha lugar uma crítica da cultural e espiritual.

Apesar dos movimentos sociais dos séculos XX e XXI terem lutado para conseguir a democracia política no Irão – incluindo a revolução constitucional de 1906-1911 e a revolução islâmica de 1979 – o método predominante de combate pela democracia política tem sido a glorificação e institucionalização do despotismo clerical. Em ambas as revoluções – constitucional e islâmica – os clérigos eram definidos como líderes da revolução e agentes da modernização, democratização e emancipação.

Por outras palavras, na perspectiva de Bahá’u’lláh, a precondição para a realização da democracia política e prosperidade social requere a separação entre estado e religião. O caminho iraniano para a democratização tem sido o da institucionalização da autoridade política do clero, um caminho que definiu democratização como islamização. É por isto que a revolução islâmica não criou uma democracia política e combinou duas formas de despotismo: político e clerical. Bahá’u’lláh advertiu contra a tirania espiritual dos clérigos e a tirania política dos governantes. Podemos perceber que para Bahá’u’lláh a derradeira forma de tirania é a combinação destes dois tipos de despotismo, a saber, uma teocracia clerical.

Nos últimos 160 anos, os iranianos perseguiram os Bahá’ís devido à sua crença nas palavras de Bahá’u’lláh. Só recentemente é que a maioria dos intelectuais iranianos percebeu a necessidade de democracia política e espiritual, inconscientes do facto deste gloriosa percepção sociológica e espiritual ter surgido primeiramente com Bahá’u’lláh para a emancipação e desenvolvimento do Irão.

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Texto original: The Baha’i Faith and the Global Rise of Democracy (www.bahaiteachings.org)


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Nader Saieddi é professor de Estudos Bahá’´si na UCLA (Los Angeles, EUA). É autor de diversos livros, incluindo Logos and Civilization: Spirit, History and Order in the Writings of Baha’u’llah; e Gate of the Heart: Understanding the Writings of the Bab. Nasceu em Teerão (Irão) e tem um mestrado em economia pela Universidade Pahlavi (Siraz) e doutoramento em sociologia pela Universidade de Wisconsin.

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