sábado, 16 de outubro de 2021

Explorar as diferenças entre Género e Sexo

Por Deborah Clark Vance.


Nas discussões sobre a igualdade entre mulheres e homens, as pessoas frequentemente ignoram a distinção entre género e sexo. Muitos alunos percebem a diferença ao frequentar o meu curso na faculdade - “Género na Comunicação” - e têm os seus momentos de descoberta. E o motivo é o seguinte:

Os humanos, como mamíferos biológicos, dividem-se de dois sexos: masculino e feminino; isto é um requisito para a reprodução da nossa espécie. E existe uma pequena minoria nasce com órgãos sexuais indeterminados, alguns dos quais não podem ser facilmente classificados como qualquer um. Isto é o que nos diz a ciência da biologia.

Além disso, culturalmente, existem basicamente dois géneros - masculino e feminino - associados aos dois sexos. Mas o que é considerado masculino ou feminino varia em todo o mundo e ao longo do tempo. Isso é ciência social.

Veja-se o texto na proposta de Emenda Constitucional de Igualdade de Direitos, de 1972 (nos Estados Unidos): “A igualdade de direitos perante a lei não deve ser negada ou limitada pelos Estados Unidos, ou por qualquer Estado, devido ao sexo”.

A Igualdade dos Sexos


Os ensinamentos Bahá’ís apelam à igualdade dos sexos:

O homem, o animal ou o vegetal, todos os seres destes três reinos são de dois sexos e existe igualdade absoluta entre eles.

No mundo vegetal, há plantas machos e plantas fêmeas; elas têm direitos iguais e possuem igual participação na beleza das suas espécies, embora a árvore que produz fruto possa ser considerada superior à infrutífera.

No reino animal, vemos que o macho e a fêmea têm direitos iguais e que partilham as vantagens da sua espécie.

Ora, nos dois reinos inferiores da natureza vemos que não existe a questão da superioridade de um sexo em relação a outro. No mundo da humanidade encontramos uma grande diferença; o sexo feminino é tratado como se fosse inferior e não lhe são reconhecidos direitos e privilégios iguais. Esta condição não se deve à natureza, mas à educação. Na Criação Divina não existe tal distinção. Aos olhos de Deus, nenhum sexo é superior ao outro. ('Abdul-Bahá, Paris Talks, p.161)

Mas, em relação a este importante assunto, o discurso popular actual agora usa frequentemente a palavra “género”; e isto pode confundir a questão. O género - uma designação de papel cultural - difere em todo o mundo. Há muito tempo é policiado por pressões culturais e pelos auto-intitulados “policias de género”, uma expressão usada principalmente em relação à masculinidade.

Ao crescer em meados do século XX nos Estados Unidos, fui absorvendo muitas mensagens de género sobre como as meninas e os meninos se deviam comportar - algumas tacitamente e outras verbalmente. As meninas usavam vestidos para ir à escola, os meninos usavam calças. Os livros escolares descreviam a maioria dos profissionais, líderes governamentais, doutores e médicos - além de carteiros, bombeiros, polícias - como "ele", enquanto enfermeiras, secretárias e professores eram sempre "ela". Os meninos não deveriam chorar, nem ser medricas. Esperava-se que as meninas fizessem essas duas coisas, além de serem frágeis e medrosas. Os meninos praticavam desportos, as meninas brincavam com bonecas. Os meninos eram bons em matemática e ciências, as meninas eram boas em educação e na linguagem, e nunca seriam óptimas em nada. Muitas dessas expectativas também diferiam por raça e nível de rendimentos.

Clarificar a distinção entre Sexo e Género


Na verdade, esclarecer a distinção entre sexo e género tem ajudado a igualdade de sexos a progredir desde que eu era criança. Reconhecendo a violência como parte de uma mentalidade masculina destrutiva, as investigadoras e pensadoras durante a segunda onda do feminismo dos anos 1960-1970 procuraram libertar os homens do controlo da masculinidade. Mas a estrutura de poder dominada pelos homens considerava que as mulheres que fugiam aos seus papéis femininos, na verdade, queriam ser homens e, se tivessem sucesso, oprimiriam os homens como os homens oprimiram as mulheres durante séculos.

Por outras palavras, muitos homens - e mulheres - não podiam imaginar um modelo alternativo aos papéis de género definidos pela sociedade dominante. Uma forte reacção negativa fez do feminismo uma palavra insultuosa que algumas pessoas ainda têm relutância em aceitar. Até mesmo a tentativa de substituir “Senhora” e “Menina” (“Senhorita”, no Brasil) num único título “Senhora” – tal como acontece com “Senhor”, que não se refere ao estado civil - foi mal compreendida e difamada. Numa palestra proferida nos Estados Unidos, em 1912, ‘Abdu'l-Bahá - o filho e sucessor de Bahá’u’lláh - abordou esta questão quando disse:

Em resumo, a suposta superioridade do homem continuará a desencorajar a ambição da mulher, como se o seu acesso à igualdade fosse uma impossibilidade nata; as ambições da mulher relativas ao progresso ficarão condicionadas por isso e gradualmente ela ficará sem esperança...

A Suposta Superioridade Masculina


Em resumo, apesar dos avanços no sufrágio feminino e na capacitação educacional feminina, muitas pessoas abandonaram a distinção entre sexo e género e, ao fazer isso, aceitaram tacitamente a suposta superioridade masculina. Como resultado, muitas mulheres começaram a ver o sucesso profissional e económico em termos masculinos, rejeitando qualidades atribuídas à feminilidade e aceitando as ferramentas do discurso masculino. Ou seja, elas quiseram competir com os homens usando definições masculinas de liderança, sucesso e outros valores.

Uma linha de raciocínio sobre como as características de masculinidade e feminilidade estão distribuídas sustenta que, no passado distante, quando se definiu que certas características eram necessárias num guerreiro, fazia sentido que a tarefa de um guerreiro pertencesse a homens que não tivessem crianças a seu cargo. As características foram ensinadas desde a infância e evoluíram para comportamentos, valores e papéis definidos para os homens e para a própria masculinidade, como coragem, força e pensamento estratégico. Se os homens exibissem fraqueza, timidez, compaixão, carinho, sensibilidade ou gentileza, eles seriam humilhados e ridicularizados como efeminados ou não masculinos. Assim, as características que os homens aprenderam a ver como negativas foram atribuídas às mulheres.

Homens, Mulheres e a Guerra


Estes papéis, dizem os Ensinamentos Bahá’ís, foram particularmente condicionados pela prevalência da guerra ao longo da história:

A mulher a quem se pede que se arme e mate os seus semelhantes, dirá: "Não posso." Será que podemos considerar isto como falta de qualificação para ser igual ao homem? Sabei, porém, que se a mulher tivesse aprendido e treinado a ciência militar da carnificina, até nisso ela teria sido equivalente ao homem. Mas Deus o proíba! Que as mulheres nunca atinjam tal eficiência; que jamais empunhem armas de guerra, pois a destruição da humanidade não é um feito glorioso. Criar um lar, trazer conforto aos corações humanos são as verdadeiras glórias da humanidade. Que o homem não se glorifique por poder matar os seus semelhantes; pelo contrário, que se glorifique por poder amá-los. ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p.75)

As mulheres que trabalharam na indústria de defesa têm algumas reflexões interessantes sobre o assunto. É sabido que uma mulher numa determinada comissão da Segurança Nacional dos Estados Unidos pensou que talvez pudesse mudar o discurso, mas percebeu que se mencionasse detalhes como corpos, vidas humanas e emoções, ela era ignorada. Por exemplo, a expressão “danos colaterais” sugere a destruição de tijolo e argamassa, mas é normalmente usado para descrever mortes não pretendidas, geralmente de mulheres e crianças. Os seus colegas consideravam-na cobarde, como se fosse um adversário fraco. Outro escritor afirmou que “agir como um cobarde” tornou-se um motivo para escolher uma táctica militar mais masculina.

Neste sentido, ‘Abdu’l-Bahá salientou que a igualdade de sexos pode levar o mundo para um futuro pacífico:

Igualdade entre homens e mulheres é conducente à abolição da guerra porque as mulheres jamais aceitarão sancioná-la. As mães não entregarão seus filhos como sacrifícios nos campos de batalha depois de vinte anos de ansiedade e amorosa dedicação para criá-los desde a infância, independentemente da causa a que sejam chamados para defender. Não há dúvida de que, quando as mulheres obtiverem igualdade de direitos, a guerra cessará completamente entre a espécie humana. (The Promulgation of Universal Peace, p. 175)

O discurso actual sobre o envolvimento das mulheres em acções militares é o oposto à igualdade entre os sexos. Durante centenas, senão milhares de anos, foi negado à grande maioria das mulheres o acesso à tomada de decisões sobre as políticas governamentais. Nos Estados Unidos, as mulheres ainda são a minoria em todos os níveis de governo e, portanto, têm pouca influência nas decisões sobre política nacional, diplomacia, prioridades e outras coisas. O exército é uma instituição criada por homens: as mulheres que pertencem ao exército devem cumprir as suas regras.

Os ensinamentos Bahá’ís dizem que essas definições militaristas de masculinidade e feminilidade estão a mudar, à medida que o mundo inteiro passa por uma redefinição do que significa ser mulher ou ser homem. No livro de J.E. Esslemont Bahá’u’lláh e a Nova Era, ‘Abdu’l-Bahá é citado como tendo dito:

O mundo no passado foi governado pela força, e o homem dominou a mulher devido às suas qualidades mais fortes e agressivas, tanto do corpo quanto da mente. Mas o equilíbrio já está a mudar; a força está a perder o seu domínio, e a vigilância mental, a intuição e as qualidades espirituais de amor e serviço, nas quais a mulher é forte, estão a ganhar ascendência. Consequentemente, a nova era será menos masculina e mais permeada pelos ideais femininos, ou, para falar mais exactamente, será uma era em que os elementos masculinos e femininos da civilização estarão mais equilibrados.

A mudança é lenta, mas estamos a fazer alguns progressos. Cada vez mais, casais com filhos dividem conscientemente as tarefas tradicionais de género - decidindo em conjunto quem vai cozinhar, limpar, ganhar o salário principal, cuidar das crianças e outras coisas, não permitindo que o seu sexo determine os seus papéis tradicionais de género. À medida que essas tendências de redefinição dos papéis de género continuam, e à medida que a igualdade dos sexos se torna cada vez mais a norma, fazemos o nosso caminho para um mundo menos bélico.

-----------------------------
Texto original: Exploring the Distinctions Between Gender and Sex (www.bahaiteachings.org)


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Deborah Clark Vance é doutorada em Comunicação Intercultural pela Howard University e foi Professora Associada e Presidente do Deptº de Comunicação e Cinema no McDaniel College. Tem textos publicados em antologias, livros, E revistas académicas; apresentou artigos em várias conferências; e trabalhou numa série educativa na TV. Os seus documentos relacionados com a Fé Bahá’í - incluindo a sua dissertação sobre como os Bahá’ís conseguem construir uma identidade unificada a partir de suas diversas identidades – estão disponíveis online na Baha'i Library.

Sem comentários: