sábado, 3 de dezembro de 2022

Os Ateus, o Criador e a Criação – a velha questão do Ovo e da Galinha.

Por Maya Bohnhoff.


Ao discutir sobre o livro do ateu Richard Dawkins, A Ilusão de Deus (Deus, um Delírio, na edição brasileira), alguém apresentou o velho argumento do ovo e da galinha: acreditar num Criador significa apenas que temos de explicar o que criou Deus.

Isso certamente é verdade, argumentei, quando se concebe Deus como sendo um tipo de criatura semelhante a nós, humanos, e, portanto, sujeito às mesmas leis naturais.

Mas Krishna sugeriu uma relação e uma realidade mais complexas no Bhagavad Gita:

Todo o universo visível vem do meu Ser invisível. Todos os seres encontram apoio em Mim, mas Eu não Me apoio neles, e, na verdade, eles não se apoiam em Mim. Considera o meu mistério sagrado: Eu sou a fonte de todos os seres, Eu apoio todos mas não Me apoio neles. (Bhagavad Gita 9:4)

Como escritora de ficção, acho esse conceito compreensível devido à relação que existe entre mim e as minhas criações. Como autora/criadora, eu estou nos meus livros, mas não estou nos meus livros. Eu crio as leis que operam nos meus livros e, no entanto, não estou sujeita a essas leis. As personagens dos meus livros podem parecer humanos e agir como humanos, mas são apenas reflexos da humanidade.

Assim, do meu ponto de vista, negar a existência de um Criador porque não podemos imaginar que tipo de ser Ele pode ser – usando apenas a nossa condição humana como ponto de referência – seria muito parecido com as minhas personagens serem incapazes de imaginar que há uma escritora que os concebeu e os colocou num livro. Eles podem criar teorias sobre minha existência e, se olharem cuidadosamente para si próprios, verão o meu reflexo neles – mas não irão ver, nem compreender, nem perceber a totalidade da minha pessoa.

Essa é uma das razões, suponho, pela qual os ensinamentos Bahá'ís se referem ao Ser Supremo como uma "essência incognoscível". Bahá'u'lláh escreveu:

Para todo o coração perspicaz e iluminado, é evidente que Deus, a Essência incognoscível, o Ser Divino, está imensamente exaltado acima todos os atributos humanos, tais como existência corpórea, subida e descida, saída e regresso. Longe esteja da Sua glória que a língua humana celebre adequadamente o Seu louvor, ou que o coração humano compreenda o Seu insondável mistério. Ele está, e sempre esteve, velado na eternidade antiga da Sua Essência, e permanecerá na Sua Realidade eternamente oculto da vista dos homens. “Nenhuma visão O abrange, mas Ele abrange toda a visão; Ele é o Subtil, o Que Tudo Percebe.” (Bahá'u'lláh, O Livro da Certeza, ¶104)

Penso que isto nos dá um vislumbre sobre o nosso relacionamento com Deus - não podemos ver o Criador tal como não podemos olhar diretamente para o sol, mas podemos ver o Seu reflexo nos Seus Mensageiros divinos e nos Seus ensinamentos. Bahá’u’lláh, o profeta fundador da Fé Bahá’í, descreveu assim:

Tudo o que está nos céus e tudo o que está na terra é uma evidência directa da revelação em si dos atributos e nomes de Deus, pois em cada átomo jazem os sinais que dão testemunho eloquente da revelação dessa Mais Grandiosa Luz… Num nível supremo isto é verdade para o homem, que, entre todas as coisas criadas, foi investido com o manto dessas dádivas, e distinguido para a honra dessa distinção. (Gleanings from the Writings of Bahá’u’lláh, XC)

Neste mesmo texto, Bahá'u'lláh acrescenta: “Quem conheceu a Deus, conheceu-se a si próprio.” Vejamos isto de forma lógica: se acreditamos que não existe essência, elemento ou ser para lá da existência do universo que não seja intrinsecamente diferente daquilo que está no universo, então, por muito que postulemos sobre a origem disto ou daquilo, estaremos condenados a uma regressão infinita de ovos e galinhas.

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Texto original: Atheists, the Creator, and Creation - that Chicken and Egg Question (www.bahaiteachings.org)


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Maya Bohnhoff é Baha'i e autora de sucesso do New York Times nas áreas de ficção científica, fantasia e história alternativa. É também compositora/cantora (juntamente com seu marido Jeff). É um dos membros fundadores do Book View Café, onde escreve um blog bi-mensal, e ela tem um blog semanal na www.commongroundgroup.net.

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