sábado, 13 de maio de 2023

Há lugar para a Monarquia num mundo Bahá'í?

Por Victor Kulkosky.


Recentemente, o falecimento da rainha Isabel II da Grã-Bretanha e a coroação do rei Carlos III reabriram o debate público sobre a validade e a necessidade das monarquias num mundo que prefere governos eleitos democraticamente.

Muitas pessoas afirmam que as monarquias deviam ser abolidas ou que o seu estatuto deveria ser diminuído, e os fundos públicos gastos no seu financiamento deveriam ser eliminados ou consideravelmente reduzidos.

A Fé Bahá'í defende muitas ideias progressistas: igualdade de género, abandono de preconceitos, harmonia entre ciência e religião, investigação independente da verdade, paz global e unidade da humanidade. Mas agora levanta-se a questão: há lugar para monarquias num mundo Bahá'í?

Sim, mas Bahá’u’lláh, o profeta e fundador da Fé Bahá’í, definiu um padrão muito elevado para o comportamento de um monarca.

Ao endereçar várias epístolas dirigidas a reis e governantes cujos domínios incluíam vastos territórios, Bahá'u'lláh completou a proclamação da Sua missão. Ele repreendeu-os numa linguagem vigorosa pelas suas falhas; advertiu-os sobre o desastre iminente e a queda dos seus impérios; aconselhou-os a serem justos; e exortou-os a agir para garantir o bem-estar dos seus súditos.

Um Aviso Profético a Napoleão III


Um exemplo do tom crítico de Bahá'u'lláh é a Sua epístola ao imperador francês Napoleão III, incluída na Súriy-i-Haykal (Epístola do Templo). Nessa epístola, Bahá'u'lláh afirma que conhecia a verdadeira razão pela qual Napoleão III se lançara na Guerra da Crimeia. Essa guerra, travada entre 1853 e 1856, envolveu uma aliança da França, Grã-Bretanha e Império Otomano contra a Rússia. Bahá’u’lláh dirigiu-se directamente a Napoleão III, dizendo:

Ó Rei! Ouvimos as palavras que pronunciaste em resposta ao Czar da Rússia, sobre a decisão tomada à cerca da guerra. O teu Senhor, em verdade, sabe, está informado de tudo. Disseste: “Eu estava a dormir no meu sofá quando o grito dos oprimidos que eram afogados no Mar Negro me despertou.” Isto é o que te ouvimos dizer, e, em verdade, o teu Senhor é testemunha daquilo que digo. Atestamos que aquilo que te despertou não foi o seu grito, mas os impulsos das tuas próprias paixões, pois testámos-te e encontrámos-te em falta. (¶137)

Existe um consenso entre os historiadores de que a Guerra da Crimeia foi desnecessária, e que ocorreu para promover as estratégias políticas de França e Grã-Bretanha e para enfraquecer a Rússia.

Bahá'u'lláh advertiu Napoleão III sobre as terríveis consequências da sua guerra de agressão:

Levanta-te e faz correcções àquilo que te escapou. Em breve o mundo e tudo o que tu possuis perecerá, e o reino permanecerá com Deus, o teu Senhor e Senhor dos teus antepassados…

Por aquilo que fizeste, o teu reino será lançado na confusão, e o teu império escapará das tuas mãos, como uma punição por aquilo que forjaste. Então saberás que erraste claramente. As agitações tomarão conta de todo o povo nessa terra, a menos que te levantes para ajudar esta Causa e seguir Aquele Que é o Espírito de Deus neste Caminho Íntegro. Foi a tua pompa que te tornou orgulhoso? Pela minha vida! Não perdurará; pelo contrário, em breve, desaparecerá, a menos que te agarres a esta Corda firme. Vemos a humilhação a aproximar-se rapidamente de ti, mas tu és daqueles que estão profundamente adormecidos. (¶137-¶138)

Baha'u'llah escreveu estas palavras em 1869. Um ano depois, a França sofreu uma derrota impressionante na Batalha de Sedan, durante a Guerra Franco-Prussiana. Napoleão III foi capturado, forçado a abdicar e enviado para o exílio. O Kaiser Guilherme I da Alemanha foi coroado no Palácio de Versalhes, sede do poder da monarquia francesa. Em Paris, pessoas da classe trabalhadora e veteranos de guerra enfurecidos revoltaram-se contra as autoridades francesas e criaram temporariamente a Comuna de Paris, que os militares franceses reprimiram com uma violência brutal.

Uma recompensa prometida à Rainha Vitória


A epístola de Bahá'u'lláh à rainha Vitória tem um tom muito diferente, contendo elogios pela recente abolição da escravatura no seu país:

Fomos informados que proibiste o tráfico de escravos, tanto homens como mulheres. Isto, em verdade, é aquilo que Deus decretou nesta maravilhosa Revelação. Deus, em verdade, destinou-te uma recompensa devido a isto. (¶172)

Bahá’u’lláh também elogia a rainha Victória por ter concedido mais poderes ao Parlamento:

Também soubemos que confiaste as rédeas do conselho nas mãos dos representantes do povo. De facto, fizeste bem, pois desse modo as fundações do edifício dos teus assuntos serão fortalecidas, e os corações de todos os que estão sob a tua sombra, sejam nobres ou humildes, estarão tranquilizados. Compete-lhes, porém, ser dignos de confiança entre os Seus servos, e considerarem-se como representantes de todos os que habitam na terra. (¶173)

Bahá’u’lláh não diz qual seria a recompensa da rainha Vitória; sobre isso, apenas podemos especular. Anos mais tarde, uma das suas descendentes, a rainha Maria da Roménia, (1875-1938) tornou-se Bahá'í. Além disso, a coroa britânica é a única das monarquias a quem Bahá'u'lláh Se dirigiu directamente que ainda persiste. Talvez essa recompensa não tenha sido concedida neste mundo.

Alguns leitores poderão identificar as muitas atrocidades que o Império Britânico cometeu durante o reinado da rainha Vitória. No entanto, os elogios de Bahá'u'lláh à Rainha Vitória são para temas que Ele menciona especificamente no texto da Epístola, não um apoio ou uma aprovação geral de todas as acções da monarca. Ao longo das Suas Epístolas, Ele critica os monarcas individualmente e colectivamente pela injustiça, opressão, acumulação de riquezas e incapacidade para estabelecer a paz.

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Texto original: Is There a Place for Monarchy in the Baha’i World View? (www.bahaiteachings.org)


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Victor Kulkosky nasceu em Nova Jersey, cresceu na cidade de Nova Iorque e agora mora em Fort Valley, na Geórgia (EUA). Estudou Jornalismo e Comunicação pela Fort Valley State University e é Mestre em Jornalismo e Comunicação pela Universidade da Georgia. Reformou-se recentemente após mais de 20 anos de jornalismo comunitário, durante os quais ganhou muitos prémios por redacção jornalística e fotografia. Agora dedica-se à escrita criativa e fotografia e estudo aprofundado da Fé Bahá’í.

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