sábado, 9 de dezembro de 2023

Devemos Enfrentar os Riscos para o Futuro do Mundo – Agora

Por Arthur Lyon Dahl e Augusto Lopez Claros.


Qualquer análise realista sobre a nossa actual situação global deve reconhecer que estamos a viver uma rápida deterioração política, social e ambiental.

Infelizmente os paralelismos com as nuvens de tempestade que se acumularam antes da Segunda Guerra Mundial são bem fundamentados, mas devemos acrescentar os riscos digitais, as alterações climáticas e outras catástrofes ecológicas.

O mundo está a rearmar-se; a xenofobia, o extremismo e a governação autocrática estão a aumentar, e um número crescente de países, alguns deles grandes e poderosos em vários aspectos, parecem estar a pôr de lado preceitos antigos que conduziram pelo menos a uma sensação de estabilidade, e até de prosperidade. Todas estas tendências foram antecipadas nas Escrituras Bahá’ís há muito tempo, como neste aviso de Bahá’u’lláh aos líderes mundiais:

Percorrei o caminho da justiça, pois este, em verdade, é o caminho íntegro.

Conciliai as vossas diferenças e reduzi os vossos armamentos, para que o fardo das vossas despesas possa ser aliviado, e para que as vossas mentes e corações possam ficar tranquilos. Sarai as dissensões que vos dividem e não mais precisareis de armamentos, salvo naquilo que exigir a protecção das vossas cidades e territórios. Temei a Deus e acautelai-vos para não ultrapassar os limites da moderação, e serdes contados entre os extravagantes.

Ficámos a saber que aumentais as vossas despesas todos os anos, e que colocais o respectivo fardo sobre os vossos súbditos. Em verdade, isto é mais do que eles podem suportar, e é uma penosa injustiça. Decidi com justiça entre os homens e sede símbolos da rectidão entre eles. Isto, se julgardes honestamente, é a coisa que vos convém, e é digna da vossa condição. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, CXVIII)

Hoje, os avisos científicos também assinalam que a catástrofe ecológica já está em curso. Apesar de poder parecer o pior momento possível para propor uma grande reforma do sistema multilateral, na verdade, é também o momento mais necessário, dado que o sistema que temos necessita claramente de uma renovação.

Os governos reunidos em Nova Iorque para uma semana de cimeiras em Setembro de 2023 – incluindo a Conferência dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a Cimeira da Ambição Climática e a Reunião Preparatória para a Cimeira do Futuro de 2024 – emitiram declarações políticas ambiciosas prometendo um mundo melhor até 2030, mal se referindo às falhas na implementação do que já tinha sido acordado entre os Estados nas Nações Unidas. Há um amplo reconhecimento de que necessitamos de uma transformação fundamental em todas as dimensões da nossa sociedade actual: económica, social e ambiental, mas as forças de desintegração e a inércia de pressupostos ultrapassados ainda dominam os esforços de integração numa ordem global baseada na justiça para todos.


Imaginar as Nações Unidas renovadas

Um evento paralelo de alto nível organizado pelo Fórum de Governação Global e pela Comunidade Internacional Bahá’í nas Nações Unidas em Nova Iorque discutiu propostas para Uma Segunda Carta: Imaginando as Nações Unidas Renovadas.

Independentemente, e talvez por causa das forças negativas que se manifestam actualmente, a necessidade de novas propostas para uma ordem internacional funcional é essencial. À medida que as novas gerações insatisfeitas procuram alternativas, temos o dever de não sermos complacentes com o status quo. As oportunidades de transformação virão, isso é inevitável. A questão é se estaremos preparados para enfrentar o momento.

Em vez de descrevermos esses esforços como “Alice no País das Maravilhas”, propomos que, precisamente porque enfrentamos catástrofes globais em múltiplas frentes, temos o dever de começar a pensar nos elementos-chave de uma ordem global renovada.

Sobre a Paz e a Segurança, os especialistas que estudam o objectivo mais essencial da ONU observaram que esta organização estava à beira do precipício, com a guerra a assumir novas formas perigosas, o controlo de armas a falhar, o aumento da violência, os ataques à biosfera e a tão provável guerra nuclear, deveríamos planear o que fazer no dia seguinte. Foi feita menção ao Relógio do Juízo Final da Revista dos Cientistas Nucleares, que avançou para 90 segundos antes da meia-noite, em Janeiro de 2023, “o mais próximo que a humanidade já esteve do Armagedão”. Houve referências à guerra contra a natureza e à necessidade do ambiente se tornar o quarto pilar da Carta das Nações Unidas, com a criação de uma instituição de apoio para o ambiente global, reconhecendo que a segurança inclui vidas saudáveis e produtivas em harmonia com a natureza. Embora o problema resida no facto das grandes potências obstinadas emitirem 80 por cento dos gases com efeito de estufa, podem ser encontradas soluções entre os pequenos estados com liderança esclarecida, para não mencionar motivação, para realizar mudanças.

Dirigindo-se à publicação Sustainable Futures (Futuros Sustentáveis), o evento notou retrocessos na redução da pobreza provocados pela Covid-19 e pela guerra na Ucrânia, que aumentaram as diferenças de rendimento – que minam a base da democracia, e semeiam instabilidade política em muitas partes do mundo. O evento centrou-se na necessidade urgente de abordar as fronteiras planetárias e na gestão das alterações climáticas, com o reconhecimento de que a ONU está demasiado afastada das bases. A ciência e a tecnologia devem ser utilizadas para a segurança e o bem-estar humanos e não apenas para o lucro. Dado que todos estes problemas estão interligados, a ONU deveria pensar em termos de dimensões e não de pilares.

Os fracassos contínuos desiludiram os jovens quanto ao seu futuro. É necessário que lhes sejam oferecidas esperança e instituições dignas da sua confiança. Tudo isto exige uma acção rápida sobre questões urgentes que abordam o bem global, juntamente com esforços de reforma da Carta a longo prazo.

No que diz respeito à Reforma da Carta das Nações Unidas, a nossa capacidade para diagnosticar as diversas crises é louvável, mas somos menos capazes de empreender reformas que proporcionem soluções duradouras para os problemas actuais, e as nossas directivas sobre o que fazer parecem por vezes tímidas e não apoiadas pela necessária vontade política. A Carta das Nações Unidas não representa a igualdade soberana, mas o domínio dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, com uma voz fraca a favor do Sul, cláusulas nunca aplicadas e o veto utilizado sem justificação. Isto mina a credibilidade moral e a eficácia operacional da organização, marginalizando-a cada vez mais à medida que o poder e a tomada de decisões se deslocam para outros centros. Contudo, num mundo fragmentado, é difícil ver onde seria possível um acordo sobre a mudança e, salvo uma calamidade global que ninguém deseja ver, poderá ser necessária uma abordagem gradual e iterativa. A Cimeira do Futuro e a utilização do Artigo 109 sobre a revisão da Carta poderão abrir portas à reforma proposta na iniciativa da Segunda Carta.


O Futuro será Diferente

Enquanto os governos e os especialistas trabalham nos desafios do presente, todos devem assumir a responsabilidade pelo legado que deixaremos para o futuro.

As gerações futuras herdarão o que deixarmos para trás. Hoje, os jovens vivem uma profunda dicotomia: inerentemente esperançosos, em busca de justiça, galvanizados para agir, mas também muitas vezes desiludidos, deprimidos, vítimas da ansiedade climática, justificados pelo que vêem à sua volta e vivenciam.

A liderança política no mundo continua a ser dominada pelos homens, havendo 89 por cento de homens entre os chefes de governo ou de estado dos 193 membros da ONU; isto leva ao definhar de formas alternativas de liderança, tradicionalmente associadas às mulheres. Perpetuamos ciclos de violência em detrimento de toda a humanidade. À medida que a discriminação cessar e as mulheres tiverem oportunidades plenas a todos os níveis, estes ciclos mudarão, inaugurando uma era de maiores oportunidades para todos. Entretanto, os governos não conseguem responder às necessidades das pessoas enquanto a desigualdade aumenta. Existe uma corrupção massiva resultante da concentração de riqueza e de interesses instalados. Os fracassos da democracia levam muitos jovens a aceitar as promessas vãs de autocratas, populistas e demagogos.

Mas fundamentalmente, o mundo enfrenta um vazio de valores. O paradigma materialista dominante, independentemente das ideologias, nega o nosso verdadeiro potencial humano, retratando-nos como consumidores egoístas a serem explorados e descartados pelo sistema económico. Nada é dito sobre o que pode surgir à medida que aperfeiçoamos o nosso carácter e adquirimos virtudes mais elevadas, e sobre o nosso papel social na construção de comunidades coesas e no avanço da civilização em todas as suas dimensões e diversidade.

Para ultrapassar a crise, precisamos de oferecer algo positivo às comunidades - e especialmente às gerações mais jovens - em que possam acreditar e canalizar as suas energias para realizar. Palavras não são suficientes; são acções necessárias, mesmo que comecem com pequenos passos. Precisamos de lhes dar motivos para ter esperança, como a proposta de uma segunda Carta das Nações Unidas. A Cimeira do Futuro e o seu prometido Pacto para o Futuro deverão proporcionar algum impulso à medida que avançamos. Agora é o momento de ideias criativas, de propostas práticas para contornar os obstáculos, de visões de um mundo melhor que possam surgir à medida que unirmos as nossas forças e avançarmos. Precisamos definir acções que possam começar agora.

Assim, o desafio é construir uma união de forças construtivas para criar um impulso para avanços. Isto pode inspirar-nos a todos a resistir às forças negativas que nos rodeiam e aos interesses comerciais egoístas que tentam encurralar-nos. Os jovens, em particular, poderão então preparar-se para carreiras construtivas, envolver-se em acções sociais onde quer que vivam, e envolver-se em conversas positivas sobre o futuro melhor que podemos construir juntos.

Poucos dias depois da reunião da Assembleia Geral da ONU, numa entrevista em podcast, Andrew Strauss, Reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Dayton, comentou sobre uma “sensibilidade espiritual emergente” no mundo em geral, despertando fora dos limites das estruturas institucionais das religiões tradicionais organizadas.

Ele afirmou que alguma iniciativa prática de reforma institucional – uma campanha para um parlamento global, uma revisão da Carta da ONU “representando uma consciência planetária holística sensível à urgência prática da unidade humana” – poderia ser aproveitada com sucesso e que “o poder desbloqueado poderia ser potencialmente explosivo.” “Talvez não seja demasiado esperar que as réplicas transformadoras daquela explosão possam vir a fornecer um antídoto para a propagação mundial do autoritarismo étnico-nacionalista”, concluiu.

Que os esforços explorados durante a recente semana de Cimeiras da ONU se tornem um importante passo em frente na procura de formas criativas para colmatar as nossas falhas de governação e estabeleçam uma base mais sólida para a paz e o desenvolvimento sustentáveis.

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Traduzido e adaptado do texto: We Must Face the Risks to the World’s Future – Now (www.bahaiteachings.org)


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Arthur Lyon Dahl é Presidente do Forum Ambiental Internacional, em Genebra (Suíça).






Augusto Lopez Claros é economista de desenvolvimento internacional com mais de 30 anos de experiência em organizações internacionais, incluindo o Fundo Monetário Internacional, o Fórum Económico Mundial e, mais recentemente, o Banco Mundial. Nos últimos 25 anos, viveu e trabalhou em Moscovo, Londres, Genebra, Madrid e Washington, exercendo diversas funções. É palestrante frequente em várias organizações internacionais, universidades e grupos de reflexão do mundo, e é autor de vários livros e artigos sobre várias questões relacionadas com desenvolvimento.

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