No nosso país, o mais recente debate em torno de separação entre Estado e Religião, centra-se agora na assistência religiosa em hospitais, estabelecimentos militares, prisões e asilos. A ideia central – que me parece correcta – consiste em levar para os hospitais públicos e estabelecimentos militares a imparcialidade e neutralidade do Estado em matéria religiosa. Já era tempo!
Neste debate, algumas vozes católicas mais conservadoras consideram estas medidas um ataque inaceitável à Igreja Católica. Mas a verdade é que nesta matéria a Igreja Católica ainda goza de benefícios únicos, que se traduzem numa situação de privilégio inaceitável num Estado que se pretende neutro em matéria religiosa.
Outras vozes apoiantes de uma nova regulamentação sobre a assistência religiosa em estabelecimentos militares, hospitais, prisões e asilos usam argumentos que revelam ignorância sobre o fenómeno religioso e sobre a situação das comunidades religiosas no nosso país.
Um texto recente de Vital Moreira, Os Capelães, defende um conjunto de princípios com o qual concordo: É tempo de levar a sério a laicidade do Estado e de encerrar definitivamente as relações iníquas que o Estado estabeleceu com a Igreja Católica, conferindo-lhe privilégios inadmissíveis à luz da Constituição e da própria Concordata. O compromisso do Estado só pode ser com a liberdade religiosa de crentes e não crentes, sem privilégios nem discriminações.
Mas para lá dos princípios, existem aspectos do texto de Vital Moreira que revelam alguma ignorância em matéria religiosa. É como se as religiões fossem todas iguais. Quando o Professor considera que "os encarregados da assistência religiosa continuam a ser apenas ministros do culto" tem implícita a noção de que todas as religiões possuem clero. Para os Bahá’ís, a figura do “ministro do culto” não tem qualquer sentido.
Uma outra questão que não vejo abordada no texto de Vital Moreira é a seguinte: quais serão as comunidades religiosas que poderão prestar assistência religiosa nestes estabelecimentos públicos? Todas? Apenas as radicadas? Apenas as que possuem estatuto de Pessoa Colectiva Religiosa? Aquelas que o Ministro da Justiça decidir?
A regulamentação da assistência religiosa em estabelecimentos públicos, ou sob dependência do Estado, não pode ignorar a diversidade do fenómeno religioso, nem a situação jurídica das comunidades religiosas em Portugal. Se o fizer, arrisca-se a ser vista como um mero espasmo anti-religioso.
7 comentários:
Outro dia uma amiga nossa deixou foi a um hospital e fez orações bahais aos doentes lá estabelecidos. À saída deixou alguns folhetos na recepção para aqueles que desejassem pudessem pegar. Ela marcou meu telefone no verso para quem quisesse obter mais informações. Ligou-me posteriormente um pastor pedindo-me explicações por ter deixado os folhetos e me informou que somente as igrejas estão autorizadas a prestar este serviço. Pedi seu endereço e fui ao encontro para conversar mais sobre o assunto e também para obter de volta os folhetos. Mas não fui recebido. Na verdade não tinha intenção de fazer visitas ao hospital, mas queria tentar falar mais de perto sobre algo que considerei injusto.
Percebo que estes pequenos incidentes se repetem, com outros formatos, em várias diferentes situações: no hospital, no trabalho, na escola etc.
Estavas a entrar na quinta dele... a ameaçar a quota de mercado!
:-)
Coitado do homem! Nunca se vai dar bem com o pluralismo religioso.
Olá Marco!
Desculpa esta longa ausência mas crê que neste período dificil da minha vida e embora não comentando, foi dos poucos blogs que nunca deixei de visitar.
Este assunto vai andar para a frente, concerteza e todos terão a oportunidade de visitar e confortar os seus doentes nos hospitais. Eu sou das pessoas que acredito que temos que ter um pouco de paciência pois a mudança é dolorosa e lenta. Mas vai acontecer e será bom para todos, pois poderemos caminhar ao lado uns dos outros e não uns atrás e outros à frente. Afinal todos queremos encontrar e ajudar a encontrar "o caminho".
Quando se perceber o que é "o caminho", acredito que todos daremos as mãos. Pela parte que me toca, já absorvi esse sentimento há muito tempo e tenho pena daqueles que ainda perdem tempo com questiúnculas ridículas como se se tratasse da "quinta" de algém. Espero que os teus filhos e os meus netos possam viver numa sociedade já liberta de todos estes preconceitos.
Espero que os teus filhotes estejam muito bem. Beijinhos para vocês. Temos que nos encontrar!
Não me causa grande consternação que haja capelães nas Forças Armadas ou Hospitais.
Neste útimo caso haveremos de entender que a grande maioria dos portugueses tem formação católica e afirma ser crente em momentos como o casamento ou Baptismo (se bem que neste caso como actores secundários), daí considerar lógico este sistema, que não deixa de ser de excepção, para com a Igreja Católica Romana.
Parece-me que o Vital Moreira e outros incorrem no excesso de zêlo no respeitante á defesa da laicidade.
João,
Eu não posso aceitar que o dinheiro público (que é dinheiro dos nosso impostos) seja utilizado para financiar serviços religiosos de uma qualquer confissão.
Se for utilizado para promover o entendimento e a harmonia entre as religiões (e isso acontece em algumas ocasiões) então aceito.
Subscrevo completamente a "aclaração" do Marco.
E poderá o dinheiro público ser utilizado para festas de Natal nas escolas, sem que se comemore o Hannukah judeu, ou Naw Ruz bahá'í ou o início do mês santo do Ramadão muçulmano?
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