terça-feira, 29 de abril de 2008

Um Centurião e um Coronel

O texto é a minha colaboração no livro Evangelhos Comentados 2007; trata-se de pequeno comentário a uma excerto do evangelho de S.Lucas (7: 1-10).

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Tendo Jesus concluído todos os seus discursos ao povo que o escutava, entrou em Cafarnaum. Havia lá um centurião que tinha um servo a quem muito estimava e que estava à morte. Tendo ouvido falar de Jesus, enviou-lhe alguns anciãos dos judeus, rogando-lhe que o viesse curar. Aproximando-se eles de Jesus, rogavam-lhe encarecidamente: Ele bem merece que lhe faças este favor, pois é amigo da nossa nação e foi ele mesmo quem nos edificou uma sinagoga. Jesus então foi com eles. E já não estava longe da casa, quando o centurião lhe mandou dizer por amigos seus: Senhor, não te incomodes tanto assim, porque não sou digno de que entres em minha casa; por isso nem me achei digno de chegar-me a ti, mas dize somente uma palavra e o meu servo será curado. Pois também eu, simples subalterno, tenho soldados às minhas ordens; e digo a um: Vai ali! E ele vai; e a outro: Vem cá! E ele vem; e ao meu servo: Faze isto! E ele o faz. Ouvindo estas palavras, Jesus ficou admirado. E, voltando-se para o povo que o ia seguindo, disse: Em verdade vos digo: nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé. Voltando para a casa do centurião os que haviam sido enviados, encontraram o servo curado.

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Centurião RomanoNas Escrituras Sagradas de todas as religiões, existem vários episódios e documentos em que o Manifestante de Deus é descrito como um mediador pluralista e não exclusivista. Nos Evangelhos e nas Escrituras Bahá’ís sucedem-se descrições de episódios com “pessoas de outros Credos”, em que estas manifestam a sua fé e dão provas do seu amor ao Mensageiro de Deus. As acções e palavras dos fundadores das grandes religiões mundiais revelam respeito e admiração pelos crentes sinceros entre as “pessoas de outras Fés”.

Este conceito está patente no Novo Testamento: Deus é Pai de todos os povos e ama todos os seus filhos; Ele é “a luz verdadeira que ilumina todos os homens” (Jn 1:9), e deseja que “todos os homens sejam salvos” (I Tim 2:4) que “aceita” todos os que “agem rectamente”(Ac 10:35). É neste contexto de um Deus que se dirige a toda a humanidade que o episódio do centurião romano (Lc 7:1-10) é particularmente tocante.

Um episódio semelhante em que um Manifestante de Deus é confrontado com um militar cuja fé é sincera, encontra-se também na história da religião bahá’í. O caso deu-se em Tabriz, na Pérsia, no ano de 1850. O Báb encontrava-se detido e a Sua sentença de morte havia já sido decretada pelo clero muçulmano. Para tentar provar a falsidade da Sua pretensão em ser o Prometido do Islão – que segundo as tradições islâmicas seria assassinado pelos próprios muçulmanos – os sacerdotes ordenaram que a execução fosse realizada com um fuzilamento por um regimento arménio (cristão).

O comandante do regimento, o coronel Sam Khan, ficou muito perturbado com a tarefa. Tinha ouvido muitas coisas sobre o Báb e temia que a execução despertasse a ira de Deus. Assim que lhe entregaram o Báb, disse-lhe: “Eu professo a Fé Cristã, e não vos desejo qualquer mal. Se a Vossa Causa for a Causa da Verdade, livrai-me da obrigação de derramar o vosso sangue.

O Báb tranquilizou-o: “Segui as vossas instruções, e se a vossa intenção for sincera, o Omnipotente poderá certamente aliviar-vos da Vossa dificuldade.

Pouco tranquilo, Sam Khán prosseguiu a sua tarefa; a execução iria decorrer na praça principal da cidade, que já estava apinhada de gente. Ordenou aos seus homens que colocassem um prego no muro e neste amarrassem duas cordas; nestas cordas o Báb e Anis - um dos Seus discípulos - foram suspensos. Depois, o regimento colocou-se em três fileiras, cada uma com duzentos e cinquenta homem; à ordem de fogo, as fileiras dispararam uma após outra. O barulho e o fumo dos disparos encheram a praça.

Quando o fumo dissipou, a multidão ficou perplexa com o que via. Anís estava em pé diante deles, ileso e sorrindo, e o Báb desaparecera. As balas apenas tinham cortado as cordas em que eles tinham sido suspensos.

Começou então uma frenética busca do Báb. Por fim, encontraram-No sentado na Sua cela, concluindo a conversa, que fora interrompida, com o Seu secretário. “Terminei a Minha conversa. Agora podeis proceder ao cumprimento da Vossa intenção”, foram as Suas palavras quando O encontraram.

Profundamente perturbado com o ocorrido, Sám Khán recusou-se a permitir que os seus homens disparassem de novo e ordenou-lhes que abandonassem a praça. Foi então necessário chamar outro regimento para realizar o fuzilamento; para isso foi necessário recorrer a um regimento muçulmano. Uma vez mais o Báb, e Anís foram suspensos no pátio. Quando o regimento se preparava para disparar, o Báb dirigiu estas últimas palavras à multidão que O fitava:

Se tivésseis acreditado em Mim, ó geração perversa, cada um de vós teria seguido o exemplo deste jovem que, em grau, é superior à maioria de vós, e de bom grado se teria se sacrificado em Meu caminho. Dia virá em que Me tereis reconhecido; nesse dia, Eu terei deixado de estar convosco.”

Desta vez as balas acertaram no alvo. Os corpos do Báb e de Anís ficaram cravados de balas e horrivelmente mutilados; mas as suas faces permaneceram quase intactas.

Apesar das circunstâncias dos episódios do Centurião Romano e do Coronel Arménio serem diferentes, é possível notar paralelismos na sinceridade da sua fé e na humildade de ambos perante os Manifestantes de Deus. Também o facto de professarem crenças diferentes da maioria da sociedade onde viviam, é outro aspecto comum entre eles. Em ambos os episódios podemos perceber que a Mensagem de Deus não se destina a um povo específico, mas tem um carácter universal. E se nas palavras de Jesus podem sugerir que o mundo Romano estaria mais receptivo à Sua mensagem do que o mundo judaico, o que poderá sugerir o episódio com o Coronel Arménio?

1 comentário:

Orlando Braga disse...

Ora cá está uma interpretação racionalizada das escrituras (duma e doutra religião), como eu gosto.