domingo, 14 de dezembro de 2008

Guia para compreender a fé do novo Mensageiro Bahá'u'lláh

Segunda parte da reportagem de Margarida Santos Lopes sobre Nelson Évora e a Fé Bahá'í (Público, 12-Dez-2008)
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Guia para compreender a Mensagem de Baha'u'llah

"(...) E Fradique, com toda a singeleza, confessou que se demorara tanto nas margens do Eufrates, por se achar casualmente ligado a um movimento religioso que, desde 1849, tomava na Pérsia um desenvolvimento quase triunfal."
Eça de Queirós
A Correspondência de Fradique Mendes (1900)


Nascer na Pérsia e morrer em Israel

A religião bahá'i é a segunda mais disseminada geograficamente, depois do cristianismo - está presente em todos os cantos do mundo - 200 grupos étnicos, tribais e raciais em 235 países e territórios dependentes. Foi fundada em 1844 por Bahá'u'lláh, que declarou publicamente ser "o Mensageiro de Deus para a nossa era", o último depois de Krishna, Buda, Zoroastro, Moisés, Jesus Cristo e Maomé, até aparecer um outro ainda mais magnífico. Bahá'u'lláh significa "A Glória de Deus" e é o título de Husayn-'Ali, nascido em Teerão de uma família da nobreza persa, a 12 de Novembro de 1817. O seu pai era um abastado governador de província, mas ele recusou um cargo político e preferiu dedicar-se a acções de filantropia. Juntou-se depois a um comerciante de Shiraz chamado Siyyid 'Ali-Muhammad, posteriormente conhecido como Báb (Porta), o fundador da fé babí e uma espécie de João Baptista que anunciou Bahá'u'lláh como "o Prometido de todas as religiões". Quando Báb foi executado em 1850, Bahá'u'lláh foi primeiro detido e depois desterrado para o Iraque.

Em 1863, foi de novo exilado para Constantinopla e em 1868 foi deportado para Akka, na Palestina otomana. Morreu em 1892. O lugar onde está sepultado, no Monte Carmelo, em Israel, é o maior santuário dos bahá'is.

Da América para Lisboa

Em 1844, várias páginas do III volume do Dicionário Popular, dirigido por Manuel Pinheiro Chagas, já se referiam ao Báb como precursor de Bahá'u'lláh, mas a fé bahá'i só foi divulgada em Portugal em 1926, com a chegada das crentes americanas Martha Root e Florence Schoflocher. Em Lisboa, proferiram conferências no Clube Rotário, deram entrevistas ao Diário de Notícias e ao Diário de Lisboa e ofereceram livros sobre a nova religião à Biblioteca Nacional. A comunidade só começou, porém, a ser formada a partir de 1943, depois da vinda para Lisboa de Virgínia Orbinson (que vivia em Madrid) e Valeria Nichols (que viajou dos EUA). Instalaram-se no Hotel Victoria, na Avenida da Liberdade, e uma das primeiras almas que "conquistaram" foi a da proprietária de uma loja de alta-costura no Chiado. A 20 de Abril de 1949, foi eleito o primeiro Conselho Bahá'i Local de Lisboa e a 20 de Outubro de 1957 foi inaugurado o Centro Bahá'i.

A religião de todas as religiões

Ainda que perseguidos como uma "heresia" por fundamentalistas islâmicos, sobretudo no Irão, onde muitos têm sido executados, os bahá'is - sete milhões a nível mundial e uns dez mil em Portugal - não parecem temer o futuro. Estão, aliás, convencidos de que "a paz mundial não é apenas possível mas inevitável". Monoteístas em "progressiva evolução" (aceitam a Bíblia e o Corão), o seu livro mais sagrado é o Kitáb-i-Aqdas, parte de um grande corpo de escrituras onde Bahá'u'lláh ensina que "a Terra é um só país e a humanidade os seus cidadãos". Entre os vários princípios e leis estão, designadamente, a eliminação de preconceitos de qualquer natureza (raça, classe, crença); a igualdade de oportunidades, direitos e deveres entre o homem e a mulher; a eliminação dos extremos de pobreza e de riqueza; e a harmonia entre religião e ciência.

Assembleias sem clero

Não há clero na fé bahá'i. A vida colectiva da comunidade bahá'i é administrada por conselhos consultivos de nove membros. Como não há candidaturas individuais, são eleitos os crentes mais votados, a nível local, nacional e internacional, para as assembleias Espirituais Locais, Assembleias Espirituais Nacionais e Casa Universal da Justiça - a sede que funciona em Haifa (Israel).

Como rezam os bahá'is?

Através da oração e da meditação, individual ou na comunidade (seja no centros bahá'i ou nas casas dos crentes - onde frequentemente há música, debate de ideias e partilha de alimentos). O trabalho com espírito de serviço também é considerado adoração a Deus. As escrituras desta religião contêm numerosas preces para vários objectivos e ocasiões.

Casamento monogâmico

Para os bahá'is, a família é a unidade básica da sociedade, e o casamento monogâmico é a base da vida familiar. Cada um escolhe o seu parceiro, mas os pais "têm o direito e a obrigação de avaliar se dão o seu consentimento" aos filhos. O casamento é efectuado na presença de duas testemunhas designadas pelo conselho local bahá'i, numa cerimónia simples (embora a festa possa ser opulenta) em que o casal recita o seguinte versículo: "Todos nós cumpriremos a vontade de Deus." O primeiro casamento baha'i, reconhecido em Portugal foi o de David Ganço (filho do treinador de Nelson Évora), em 22 de Março de 2008. Os casamentos inter-raciais são encorajados para sublinhar a unidade da raça humana.

Divórcio com "um ano de paciência"

Um casal bahá'i pode divorciar-se, mas, primeiro, marido e mulher terão de fazer uma tentativa de reconciliação. Vivem separados pelo menos um ano - "um ano de paciência" - e se, depois desta experiência, ainda desejarem o divórcio, este é concedido.

Prioridade às filhas na educação

Os bahá'is são ardentes defensores da igualdade entre homens e mulheres, mas atribuem grande importância às mães e às filhas. As mães são consideradas vitais na formação dos jovens como "força poderosa para mudar as sociedades". Se um casal tiver um rapaz e uma rapariga mas apenas tiver posses para educar um, a prioridade deve ser dada à rapariga, porque "as desigualdades entre homens e mulheres dependem da educação e da oportunidade, não das capacidades".

Contribuições voluntárias e secretas

Todas as contribuições para o Fundo Bahá'i são voluntárias e confidenciais. Ninguém pode ser pressionado a contribuir, e só são aceites contribuições de não bahá'is para projectos sociais, económicos ou educativos.

Proibição de filiação partidária

Os crentes bahá'is estão proibidos de serem membros de partidos políticos, porque consideram que as acções políticas de natureza partidária não respondem aos problemas universais. Isso não significa que não possam assumir posições públicas sobre questões "puramente sociais e morais" e votar nos candidatos que considerem mais capazes de mudar o mundo. Este princípio de não envolvimento na política relaciona-se com o ensinamento bahá'i de lealdade ao governo em exercício.

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