Mas, à margem do caso em concreto, que os extremistas empolaram de forma absurda e inaceitável para incitar os muçulmanos à revolta, não era mau que ponderássemos sobre o mau uso que, por vezes, se faz da liberdade de expressão. Ela está erigida em valor sacrossanto numa sociedade à qual o sagrado é cada vez mais estranho e que foi perdendo a noção dos limites, dos valores, e não raro, da razoabilidade e do bom senso.
Eu não teria escrito nem publicado "cartoons" a troçar com Maomé ou com a Nossa Senhora de Fátima. Porque respeito as crenças e sensibilidade religiosa dos outros, por mais absurdas que elas me possam parecer. Mas no meu código de valores – que é a liberdade – não proíbo que outros o façam, porque a falta de gosto ou de sensibilidade também têm liberdade de existir. E depois as pessoas escolhem o que adoptar. (...)
É por isso que eu, que todavia sou um apaixonado pelo mundo árabe e islâmico, quanto toca ao essencial, sou europeu – graças a Deus. Pelo menos, enquanto nos deixarem ser e tivermos orgulho e vontade em continuar a ser a sociedade da liberdade e da tolerância.
- Miguel Sousa Tavares, Expresso, 04-Fev-2006
Qual é a fronteira exacta entre a crítica ao fundamentalismo religioso e o insulto gratuito e permanente a uma cultura?
- Daniel Oliveira, Expresso, 04-Fev-2006
29 comentários:
Parece que todos defendemos a mesma coisa, respeito pelo outro e liberdade de expressão.
Mas há reacções patéticas e perigosas em que se associa o triste e vergonhosos episódio das caricaturas feitas por um jornal dinamarquês com o próprio governo da nação.
Não temos de pedir desculpa a ninguém por vivermos em democracia e os média não estarem controlados pelo governo.
No entanto, permito-me chamar a atenção que aquando da dinamitação das figuras de Buda no Afeganistão houve várias muçulmanos (a destacar a madrassa do cairo) a condenarem tal atitude.
Em todo o caso o jornal xenófobo que publicou os cartoons conseguiu mas do que aquilo que algumas vez pensou em atingir.
Acrescento, sou um crente fervoroso em Maomé e considero a Sua representação como uma blasfémia.
Pois eu concordo com aquele director de um jornal jordano que escreveu: : «O que é que prejudica mais o Islão, estas caricaturas ou as imagens de um tomador de reféns que ameaça degolar a vítima à frente das câmaras ou ainda um suicida que se explode no meio de casamento em Amã?».
Moutinho,
Eu não sei se o jornal é xenófobo ou se apenas teve um momento de infelicidade editorial. Mas não gosto de usar a palavra "blasfémia" para definir a publicação das caricaturas; é uma palavra muito usada pelos fundamentalistas islâmicos que se estão a aproveitar do caso. Preferiria chamar-lhe "asneira" ou apenas "irresponsabilidade".
Perfeitamente de acordo Cirilo.
Basta ser-se uma pessoa de bem para se pensar dessa forma.
Como cristão, sou muitas vezes ofendido - até por anedotas que, para quem não tem noção de sagrado, parecem inofensivas. Doí-me a sério. Mas como não quero a volta da Inquisição, e prezo muito o direito de cada pessoa cultuar e pregar o que quiser, só me resta aceitar a liberdade de cada um dizer aquilo que pensa.
É interessante que alguns bahais demonstrem alguma compreensão pelos protestos muçulmanos. É exactamente por haver espaços "intocáveis" que todos os dias bahais e cristãos, entre outros, são mortos, torturados e descriminados no mundo muçulmano.
Anonymous #2
Olá Anonymous #2
Faz tempo que não comentas, hein? Provavelmente não ando a escrever nada de interessante... :-)
Eu não diria que os baha'is demonstram compreensão pelos protestos dos muçulmanos; queimar embaixadas, ameaçar cidadãos estrangeiros e armar confusão não é uma maneira correcta de protestar contra uma ofensa. Parece-me mais correcto dizer que os baha'is compreendem o motivo da indignação dos muçulmanos.
Não me parece que pelo facto dos baha'is serem perseguidos e descriminados nos países de maioria muçulmana, isso deva funcionar como motivo para ressentimento, ou estimular qualquer azedume contra o Islão. Convém não esquecer que os baha'is também aceitam Maomé como um Mensageiro de Deus, e consequentemente sentem-se incomodados com estas caricaturas, tal como os muçulmanos.
Marco
Mesmo não comentando, o Povo de Baha é um blog a que volto sempre, com maior ou menor assiduidade.
Percebo que se sintam atingidos pelo caricaturas de Maomé, mas a minha questão é outra. Tem a ver com a liberdade de expressão e de crença. És a favor da censura? Porque é isto que está em causa. Os distúrbios noutros países são outro assunto. A não ser que coloquemos a liberdade de expressão cativa do medo.
Anonymous #2
Anonymous #2
Não sou a favor da censura. Isso seria horrível.
Mas a liberdade não significa ter permissão para fazer o que me apetece. Há quem diga que a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros. Eu acrescentaria que a nossa liberdade termina onde começa a liberdade e a dignidade dos outros. E há que ter noção daquilo que pode atingir a dignidade dos outros. E daí o facto da liberdade implicar a responsabilidade.
Por exemplo: há quem costume chamar "porco" a alguém pouco asseado. Mas chamar isso a um muçulmano é muito mais ofensivo do que chamar "filho da p..." a um ocidental. Deverei considerar que o facto de não dever chamar "porco" a um muçulmano é um atentado contra a minha liberdade de expressão, ou apenas uma atitude responsável no uso dessa liberdade de expressão?
A liberdade é um bem demasiado precioso para poder ser desbaratado com asneiras e irresponsabilidades. Um cidadão de um país onde existe liberdade de expressão deve, como diz o editorial do Expresso, ter "noção dos limites, dos valores", "da razoabilidade e do bom senso".
Parece-me muito razoável a posição do Miguel Sousa Tavares.
E a caricatura que saiu no Expresso com um grupo de árabes que liam um jornal onde estavam imensas notícias de atentados terroristas e eles só se escandalizavam com a notícia das caricaturas de Maomé? Os baha'is tambem acham ofensivo?
I appreciate your very thoughtful and insightful response to your commentators on this very difficult subject, Marco. (I used Babel Fish Translation to read your text.)
Nos Prós e Contras de ontem, viu-se que, apesar de toda a polémica, todas as partes estavam de acordo que extremismos não, quer à liberdade quer à sensibilidade das outras culturas e quem o defendia foram pessoas marcantes da nossa sociedade, incluindo o Sheik Munir e o D. Manuel Clemente. Vamos lá ver se não extravasam mais ódios porque acima de tudo é preciso bom senso, respeito pelos outros e pelas crenças dos outros.E a religião é um dos campos mais sensíveis. Se não soubermos respeitar a "diferença" como é que queremos que nos respeitem?
Espero que esta polémica páre pois a ser tão empolada pode trazer consequências chatas e acho que nós todos estamos fartos de viver com o "medo" a pairar constantemente em cima das nossas cabeças.
GH,
Eu não posso falar em nome dos baha’is; posso dar-te a minha opinião pessoal, que apenas vale como a opinião de um crente individual. Na minha opinião, essa caricatura apenas satiriza um tipo de atitudes de alguns sectores das sociedades islâmicas; não ofende nada de sagrado. Não vejo nessa caricatura nada de ofensivo.
George,
Babel Fish Translation is a good tool; it gives us a pretty good idea of what is written in a foreign language. But sometimes produces weird results.
para mim é dificil encontrar a fronteira, entre magoar alguém e caricaturar esse mesmo alguém. eu quando vejo uma caricatura minha, penso sempre ... que raio para que fez ele um nariz tão grande?
mas nada disso me faz pensar em ... MATAR (e é só disso que se trata, não existe aqui nenhuma religião metida, mas sim fanatismo).
Posso dar um exemplo, existe um livro de BD, " A vida de Jesus Cristo " que é fabuloso, Cristo até tem vai à noite para a farra, e não é por isso que eu sendo católica vou mandar "raios" ao escritor, pelo contrário, acho um livro fabuloso.
O melhor melhor se calhar é não dizer nada sobre as religiões... só os respectivos prosélitos é que podem opinar, muita liberdade sem dúvida...
Pedro,
Há muitas maneiras de falar e de expressar opiniões. Manifestar oposição e desagrado, não implica insultar.
Ou vamos aceitar o insulto como parte normal do relacionamento entre pessoas e povos?
Será que com insultos que se leva tranquilidade à aldeia global?
Marco,
Mais insultos do que os que as religiões nos impingem todos os dias é impossivel, parece que nos esquecemos do que é a relaidade do islamismo, ou das posições das suas "irmãs" monoteistas...
Meu caro Pedro Fontela,
Não são as religiões que insultam, mas os seus aderentes. Esses aderentes que insultam apenas se lembram da pessoa do Fundador da sua religião e esquecem a sua mensagem.
Confundir a religião com este tipo de pessoas é o mesmo que confundir um cão com as respectivas pulgas. :-)
Marco,
Quando as ditas religiões defendem certas ideias (ou pior ainda, quando as aplicam...) já pensou que podem ofender outros? (moral, politica, etc) E no entanto fazem-no todos os dias, não falo de agitadores ocasionais mas de algo intrinseco às ditas.
E já agora em termos politicos os regimes islâmicos que se queixam de falta de respeito não têm capital moral para exigir coisa alguma já que não respeitam os direitos mais básico.
Pedro,
Quem se sente ofendido, deve ter o direito de manifestar a sua indignação (sem nunca por em causa a integridade ou liberdade dos outros). Mas se cada um de nós tiver um pouco de bom senso, muito insultos e disparates podem ser evitados. Claro que há muita gente que não tem noção dos limites do bom senso.
Mas devemos ter presente que o bom-senso não é um exclusivo de quem se proclama religioso ou ateu, de uma ou de outra filosofia politica ou religiosa.
Quanto ao facto da maioria dos regimes políticos dos países islâmicos não respeitar os direitos mais básicos, não precisas de me lembrar. Afinal, eu sou baha'i...
Marco,
Então estamos de acordo que as religiões ofendem desnecessariamente todos os dias?
É que se estamos então o passo lógico seguinte é simples: quem não respeita não pode esperar ser respeitado.
Pedro,
Estamos de acordo que as pessoas ofendem desnecessariamente as outras. E fazem isso pelos mais diversos motivos (e por vezes até inconscientemente!)
Mas a solução não passa por ofender quem nos ofende. Acredito que, na maioria das vezes, um bom exemplo de boa convivência é mais poderoso na resolução de ofensas.
Marco,
"Acredito que, na maioria das vezes, um bom exemplo de boa convivência é mais poderoso na resolução de ofensas. "
uma relação saudavel tem que ter dois lados interessados... quando os dois lados jogam com regras diferentes a coisa não pode funcionar.
E mais uma vez digo, a maior parte das religiões não dão bons exemplos, ponto final (basta ter um conhecimento básico dos dogmas das grandes religiões para perceber este conceito).
Claro que uma relação saudável tem de ter duas partes interessadas. Mas então pergunto-te: qual deve ser a atitude para com uma pessoa que nos ofende? Respondemos na mesma moeda? Ou respondemos com uma ofensa ainda maior?
"a maior parte das religiões não dão bons exemplos" --> Eu prefiro dizer que o que não falta são pessoas que se dizem religiosas e dão maus exemplos.
"ponto final" --> Não é isto um dogma? Uma atitude do tipo "é mesmo assim, e não há que questionar isto"... :-)
Tudo se questiona, meu caro Pedro, tudo!
Marco,
Não sou fã do "dar a outra face".
"Eu prefiro dizer que o que não falta são pessoas que se dizem religiosas e dão maus exemplos."
Não são só as pessoas... e os livros? Está ali preto no branco...
"Não é isto um dogma? Uma atitude do tipo "é mesmo assim, e não há que questionar isto"... :-)"
Não, não é dogma. É senso comum e cultura geral mas se quiser discutir isso por mim tudo bem.
Pedro,
Os Livros Sagrados possuem ensinamentos espirituais (existência de Deus, os Profetas, a adoração, o respeito pelos laços familiares, ...) e ensinamentos éticos e sociais (divórcio, casamento, relações sociais, ...). Os primeiros são na sua maioria comuns a todas as religiões; os últimos variam de acordo com as necessidades e maturidade dos povos para quem forma reveladas.
O que muitos radicais consideram é que os ensinamentos éticos e sociais são verdades absolutas e tão inquestionáveis quanto os ensinamentos espirituais. Isso leva à cristalização da religião. E também leva muitas pessoas a pensar que os livros religiosos dão maus exemplos.
Caro Marco,
"Os primeiros são na sua maioria comuns a todas as religiões; os últimos variam de acordo com as necessidades e maturidade dos povos para quem forma reveladas."
A separação do que é absoluto e do que é relativo à época é inteiramente subjectivo, podia fazer uma selecção aleatória que o resultado seria igualmente válido. Ou um livro é verdadeiro nos seus ensinamentos ou não é, e nesse caso é uma obra de literatura algo curiosa e mais nada.
O que quero dizer é que em nome da coerência não é possivel atirar as partes pouco civilizadas da religião para trás das costas quando se tornam inconvenientes...
A separação entre o absoluto e o relativo é a única forma racional e objectiva que encontro para entender a realidade do mundo em que vivemos. Exige, obviamente um esforço de análise e de reflexão sobre o fenómeno religioso. Não fazer essa distinção e considerar no mesmo plano o conteúdo dos ensinamentos dos fundadores das religiões é simplificar, e consequentemente deturpar.
Alguns pequenos exemplos: quando Cristo proibiu o divórcio, isso foi uma resposta a uma necessidade dos povos e da época em que ele viveu. Maomé proibiu o consumo de carne de porco como resposta às necessidades de outro povo e de outra época. Colocar estas leis no mesmo plano que ensinamentos que nos falam da existência de Deus e do amor ao próximo, é “pôr tudo no mesmo saco”.
Não se trata de atirar nada para trás das costas, nem negar nada do passado. É apenas tentar distinguir o essencial do acessório. Há duas razões que podem levar as pessoas a seguir à letra o que dizem os Livros Sagrados:
1. Porque acreditam sinceramente que esse é o caminho correcto para o seu desenvolvimento espiritual;
2. Porque pretendem demonstrar a inconsistência e inutilidade do fenómeno religioso.
Eu não sigo à letra o que está nos Livros Sagrados. Como em todas as coisas na vida, considero que também com o fenómeno religioso devemos usar a dádiva mais preciosa que Deus nos deu: a razão.
É a minha maneira de ver as coisas.
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