sexta-feira, 15 de setembro de 2006

Um mau pressentimento

"O ódio e o fanatismo religioso são um fogo que devora o mundo, e cuja violência ninguém pode extinguir." Bahá'u'lláh

A recente polémica levantada por dirigentes muçulmanos a propósito de um discurso do Papa Bento XVI na Universidade de Regensburg, durante a sua visita à Alemanha, deixam-me um mau pressentimento.

Nesse discurso, o Pontífice da Igreja Católica cita um excerto de um diálogo entre o imperador Manuel II Paleólogo e um sábio persa sobre o Cristianismo, o Islão e a verdade de ambos. Segundo o texto desse diálogo, o Imperador, ao referir-se ao tema da guerra santa, teria dito de forma brusca: "Mostre-me apenas aquilo que Maomé trouxe de novo, e aí encontrareis coisas más e inumanas, tais como espalhar pela espada a fé que ele pregava". Segundo o Papa, o Imperador pretendia mostrar que a violência é incompatível com a natureza de Deus e a natureza da alma. E apresenta outra citação do monarca bizantino: "Deus não fica agradado com o sangue e não agir de forma sensata é contrário à natureza de Deus. A fé nasce da alma e não do corpo. Quem quer levar alguém para a fé deve falar bem, e raciocinar adequadamente, sem violência ou ameaças... Para convencer uma alma racional, não é necessário um braço forte, ou armas de qualquer tipo ou quaisquer outros meios de ameaça de morte à pessoa... "

Desde hoje de manhã que os media noticiam que vários governos e organizações islâmicas manifestaram o seu repúdio pelas palavras do Papa. Ali Bardakoglu, director do departamento dos assuntos religiosos na Turquia, foi um dos primeiros líderes muçulmanos que disseram sentir-se ofendidos com o discurso de Bento XVI. Considerou os comentários "infelizes" e "preocupantes". O ministério dos Negócios Estrangeiros Paquistanês qualificou as declarações do Papa de "lamentáveis", denunciando a "ignorância" do Sumo Pontífice acerca do Islão. "Todo aquele que afirma a existência de qualquer coisa de mal ou de desumano no Islão mostra a sua própria ignorância acerca dessa grande religião", afirmou a porta-voz do ministério, Tasnim Aslam. Semelhantes comentários são "lamentáveis" e "não fazem mais de aumentar o fosso entre religiões que nós nos esforçamos por combater", afirmou, acrescentando que eles "mostram igualmente uma ignorância da História". "Não são certamente os muçulmanos que perseguiram os fiéis de outras religiões (...). O Islão é a religião mais tolerante".

Podemos discutir se a citação (sombreada a amarelo) usada por Bento XVI é a mais adequada para sustentar o argumento da incompatibilidade entre religião e violência. Até podemos estranhar que, tendo o Vaticano uma máquina diplomática tão hábil e experiente, tenha deixado no discurso de Bento XVI uma citação que poderia ser facilmente usada como catalisador de tensões religiosas. As palavras do Imperador Bizantino reflectem uma perspectiva de um monarca que tinha às portas de Constantinopla o poderosíssimo Império Otomano; o ambiente da época e os seus receios políticos condicionavam naturalmente a sua opinião sobre a religião professada pelos otomanos.

Muçulmanos indianos queimam um boneco representando o Papa Bento XVI


Como bahá'í, sou um observador externo desta polémica entre muçulmanos e católicos. Pessoalmente, penso que a citação foi mal escolhida; mas identificar aquela citação como sendo a opinião de Bento XVI, é fazer uma distorção grotesca das palavras do Papa. Na minha opinião, o Islão não sai beliscado com as palavras do Papa, mas a sua imagem no Ocidente é mais uma vez denegrida por reacções exacerbadas e violentas de muçulmanos.

Os tumultos provocados em várias capitais aquando da polémica sobre as caricaturas de Maomé publicadas por um jornal dinamarquês estão bem vivas entre nós. Sabemos que existem alguns dirigentes políticos e religiosos no mundo islâmico capazes de instigar reacções semelhantes, com o objectivo de obter dividendos políticos e de desviar a atenção de outros problemas, mesmo que isso signifique o fechar de portas ao diálogo inter-religioso, laboriosamente abertas ao longo das últimas décadas.

Por isto tenho um mau pressentimento...

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Notícias sobre este assunto:
Parlamento paquistanês pede ao Papa que retire as suas declarações sobre o Islão (Público)
Muçulmanos criticam discurso do Papa (Público)
Paquistão condena comentários do Papa sobre o Islão (Diário Digital)
Muslim anger grows at Pope speech (BBC)
In pictures: Muslim anger at Pope (BBC)
In quotes: Muslim reaction to Pope (BBC)
Muslim fury at pope jihad comments (CNN)
Muslim anger over papal comments grows (AP, via Yahoo)

34 comentários:

Anónimo disse...

"A espada de um carácter virtuoso e conducta recta é mais afiada que uma lâmina de aço."

Anónimo disse...

Obrigado pela visita

http://maistopas.blogspot.com/

Anónimo disse...

Desde já, os meus parabéns pelo blog. Se não houver incoveniente gostaria de divulgá-lo no meu.

Quanto ao post:

Eu lamento profundamente estes episódios que, como referes, põe em causa o diálogo inter-religioso pois considero que as religiões um enorme potencial de união. Quando se dá um ataque terrorista, quando foi o episódio das caricaturas ou quando são exibidas manifestações na Palestina, por vezes ouço coisas como: "Era deixá.los matarem-se uns aos outros", "Estes não têm remédio", "Era pôr ali uma bomba". Obviamente que reprovo este tipo de comentários mas entendo-os como resultado de ignorância ou de raciocínios simplistas. A verdade é que são sinais de afastamento.
Não sendo uma pessoa religiosa, acredito profundamente que as religiões podem ser usadas para a aproximação entre os povos, através do enaltecer do que lhes é comum: paz, amor, alegria, amizade...
Posso estar a ser pessimista mas, quando na Palestina alguém morre devido a um bombardeamento, muitos pensarão: "ah, lá estão aqueles muçulmanos a ser bombardeados, já estão habituados... terrorismo e tal..." Estas conflitualidade e violência estão tão banalizadas que nos esquecemos que do outro lado estão homens e mulheres que, antes de serem muçulmanos (ou cristãos, judeus, etc.), têm sonhos, aspirações, alegrias, tristezas, famílias, uma casa, um negócio, uma profissão, estudam, pessoas que choram nos funerais e que riem nos casamentos.
Seremos assim tão diferentes? Ou muitas vezes nós (e eles) classificamos o todo por causa de uma parte?

Anónimo disse...

Estava tão entusiasmado que me esqueci de pôr o nome:-)

Anónimo disse...

http://ossamabladen.googlepages.com/islaoaccao

Então o Papa pediu desculpas, perdão e condenou os que usaram e usam a violência
em nome de cristo e não pode fazer o mesmo aos que usam a violência em nome do islão ?

Anónimo disse...

primeiro, as palavras do papa são contrarias as acções por parte da igreja católica durante toda a idade media,o cristianismo foi espalhado a forca.

segundo, no tempo de Maomé, o Islão nunca foi espalhado pela forca, sim houve batalhas porque Maomé tinha que se defender dos atacantes, mas nao houve conversões a forca, alias o tempo que o Islão cresceu para região dominante na Arábia foi durante a trégua de 10 anos com os mercadores de Meca, e cresceu pela palavra, não pela espada.

diga-se também, que a reacção dos muçulmanos na índia não e' la muito inteligente e só piora a imagem do Islão no ocidente... mas também devemos lembrar que nestes países normalmente as pessoas (principalmente em aldeias etc) não te la muito bom senso, mesmo os cristãos la fazem coisas parecidas (ex: Código da Vinci)

Anónimo disse...

Eu acho que a questão do ossamabladen é bem pertinente.
Ainda ontem na CNN vi um debate sobre tolerância religiosa em que um tipo perguntou:
"Quantas mesquitas existem em Roma? E em toda a Itália? E quantas Igrejas exitem na Arábia Saudita?"
Pois é.
Se o Islão é assim tão tolerante, é pena que os dirigentes políticos e religiosos dos países islâmicos estejam tão afastados dos seus ensinamentos

Anónimo disse...

Afinal o meu comentário não apareceu...fui boicotado!

Anónimo disse...

João,
O teu comentário está a dar erro na publicação: "We're sorry, but we were unable to complete your request"
Coisas do Blogger!
Mas aqui fica:

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Marco estou inteiramente de acordo que analisando o contexto histórico em que a frase foi proferida origináriamente a sua citação pelo papa não significa necessáriamente que ele quizesse denegrir o islão. Mas sabendo ele o estado de susceptibilidade que actualmente cada referência ao islão por não muçulmanos provoca nestes, sabendo ele que há dirigentes religiosos e politicos prontos a agarrar qualquer pretexto para mobilizar as massas, não deveria ele ter mais cuidado? Ou será que ele pretende romper com aquela que tem sido a atitude da Igreja até agora e assumir o confronto com o islamismo? Qualquer que seja a situação não me parece que ele esteja a prestar um bom serviço à humanidade e olha que aqui não há observadores externos Marco, os grandes derrotados vão ser todos aqueles que defendem um mundo plural onde esteja garantido o direito à diferença e a dignidade de todo o ser humano.
As teorias do caos e de que do caos é que nascerá a nova ordem a mim não me seduzem...
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Anónimo disse...

eu nem sou cristão mas queria dizer que não vemos os cristãos sairem à rua cada vez que os islamistas dizem que o ocidente tem de acabar.

Anónimo disse...

joao, por outro lado as pessoas no ocidente estaose nas tintas....

Anónimo disse...

por outro lado, no medio oriente, quando um clube de futebol desce de divisao, nao ha manifestacoes na rua...

sei que sao duas coisas um bocado diferentes, mas so queria illustrar que o ocidente e o mundo islamico sao duas sociedades com preocupacoes diferentes,

Anónimo disse...

Boa Iuri, bem lembrado. No fundo o que está em causa nestas coisas são mais questões culturais e sociais do que religiosas, embora como é evidente, a religião seja um agente formador da cultura social dos povos. Pelo que, e parecendo para muitos um disparate, no fundo o nosso problema é a falta de religião e não o excesso dela. Todas as grandes civilizações do passado tiveram uma (nova) religião por detrás como suporte ao seu desenvolvimento social e moral, a nossa presente "civilização global" tem também necessidade de uma nova religião global e com ensinamentos adequados às necessidades desta era.

De resto, ainda há muita ignorância e intolerência de ambas as partes, para simplificar - oriente e ocidente - do modo como a outra parte vive.

Anónimo disse...

Pedro Reis,
"há muita ignorância e intolerência de ambas as partes"
Então diz-me: Quantas mesquitas existem em Roma? E em toda a Itália? E quantas Igrejas exitem na Arábia Saudita?

Anónimo disse...

Iuri e Pedro Reis,

Acho incorrecto comparar as manifestações que existiram nos países islâmicos a propósito desta polémica com as manifestações a propósito de futebol que ocorrem em países ocidentais (tipo Gil Vicente em Portugal e PAOK na Grécia).

Nos países ocidentais as pessoas manifestam publicamente a sua revolta e indignação a propósito de muitas coisas. E Portugal, por exemplo, temos assistido ultimamente a manifestações organizadas por sindicatos, protestos organizados por organizações ambientalistas, protestos expontâneos de populações que não se conformam com o encerramento de uma escola ou de uma maternidade, ou até a substituição de um padre numa qualquer freguesia.

Nos países islâmicos este protesto parece mais uma encenação organizada por regimes totalitários e “democracias musculadas” (e aproveitada por organizações radicais!) que usa a religião como fenómeno unificador de massas e serve para desviar a atenção de problemas bem mais graves que existem naqueles países.

Seria desastroso comparar estes dois tipos de protestos e concluir que os países islâmicos tem preocupações espirituais e os países ocidentais têm preocupações materiais. A conclusão que me parece mais óbvia é que há mais liberdade nos países ocidentais do que na maioria dos países islâmicos (e isso nada tem a ver com o Islão, mas apenas com o facto de viverem sob regimes ditatoriais, que por vezes usam o Islão para justificar a sua soberania e os seus métodos).

Recordo que há alguns meses atrás, no Egipto uma manifestações de juizes contra a reforma do sistema judicial foi violentamente reprimida. Foi pena os media ocidentais não se terem lembrado de dar uma cobertura a essa repressão semelhante à que estão a dar a estes protestos.

Anónimo disse...

Pois, Marco, concordo a 100% com este teu último post. Mesmo assim percebo a mensagem que o Iuri quis passar e aceito-a.

Quanto à questão do GH sobre o número de do número de Mesquitas e igrejas (...), bem a verdade é que nós bahá'ís que somos perseguidos pelos muçulmanos em alguns países islâmicos vemo-nos de repente a defender o Islamismo no ocidente. Paradoxal?! Na verdade sabemos separar o trigo do joio, o que nós tentamos defender é a religião em geral, neste caso a Islamismo em particular, quanto à sua essência, do mesmo modo que os bahá'ís nos países islâmicos defenderiam publicamente o cristianismo entre o seu povo... pois é, nós aqui podemos fazer isso publicamente sem sermos perseguidos, enquanto por lá isso seria razão para condenação severa. De facto há diferenças socio-culturais, e eu aceito que em questão de liberdade somos mais evoluídos que os países islâmicos, no entanto não somos nenhum exemplo

Nenhuma frase se encontra no Alcorão que incentive, ou sequer sugira, a tomada de atitudes terroristas e manifestações espalhafatosas dos muçulmanos, tampouco na Bíblia alguma coisa está escrita a incentivar as cruzadas e a inquisição, mas elas foram feitas em nome de Deus e do respectivo profeta. Deus é mau? a religião não presta? Só pode afirmar isso quem desconhece em absoluto os ensinamentos dos textos sagrados.

Anónimo disse...

Pedro Reis,

É inegável que no Alcorão se encontram apelos à violência e ao combate. Estes foram revelados em Medina numa época em que Maomé e a pequena comunidade de crentes se encontrava ameaçada de morte pelos idólatras de Meca. Vejam-se estes exemplos (estavam no blog Super Fulmina):

2.216: Prescreve-se-vos o combate, ainda que vos seja odioso. É possível que abomineis qualquer coisa que para vós seja um bem e é possível que prezeis qualquer coisa que para vós seja um mal. Deus sabe, enquanto vós não sabeis.

8.39: Combatei-os até que não exista tentação e seja a religião toda de Deus! Se abandonarem a idolatria, serão perdoados, pois Deus vê o que fazem.

9.5: Terminados que sejam os meses sagrados, matai os idólatras onde os encontrardes. Apanhai-os! Preparai-lhe todas as espécies de emboscadas! Se se arrependem, cumprem a oração e dão esmolas, deixai livre o seu caminho. Deus é indulgente e misercordioso.

9.29: Combatei os que não crêem em Deus nem no Último Dia nem proíbem o que Deus e o Seu Enviado proíbem, os que não praticam a religião da verdade entre aqueles a quem foi dado o Livro! Combatei-os até que paguem o tributo por sua própria mão e sejam humilhados.

9.73: Profeta! Combate os descrentes e os hipócritas! Sê duro para com eles! O seu refúgio será o Inferno. Que péssimo Porvir!

9:123: Ó vós que credes! Combatei, entre os incrédulos, aos que vos rodeiam! Encontrem em vós a dureza! Sabei que Deus está com os piedosos.

33.60: Realmente, se os hipócritas, os que têm em seu coração uma enfermidade e os alarmistas de Medina, não cessam na sua reticência, incitar-te-emos contra eles para que os castigues. Em seguida, não serão teus concidadãos a não ser por pouco tempo.

33.61: Malditos serão onde quer que se encontrem. Serão apanhados e mortos sem piedade.


Ora nós sabemos que nas palavras dos Manifestantes encontramos verdades eternas e palavras que são proferidas em função das circunstâncias e necessidades do momento em que viveram. Considerar que as palavras do Maomé proferidas em Medina em que se apela guerra santa contra os infiéis são ensinamentos eternos e universais, é distorcer o Islão. Essa distorção tem sido feita por grupos islâmicos radicais assim como por quem questiona a divindade e legitimidade do Islão.

Esta posição foi também defendida por um teólogo sudanês, Muhammad Taha, que além disto defendia a igualdade de direitos entre homens e mulheres e a criação de um regime republicano e democrático no Sudão; este teólogo foi enforcado em 1985 pelas autoridades sudanesas devido às suas ideias.

Considerar que todos os ensinamentos de um Manifestante são eternos e universais (ignorando a contextualidade dos circunstâncias em que algumas palavras e ensinamentos são ditados) é uma atitude que também existe em algumas correntes do Cristianismo. Veja-se por exemplo a proibição do divórcio, que alguns cristãos ainda consideram uma lei de carácter eterno e universal.

Anónimo disse...

Estou a achar este debate de ideias muito rico.

Há uns anos, no programa da "Freud e Maquiavel" da TSF, o psiquiatra Carlos Amaral Dias e Carlos Magno discutiam o problema do fundamentalismo islâmico. A certa altura, Amaral Dias, falando sobre a existência do fundamentalismo islãmico, terá dito (não cito pois pode ser perigoso) que o problema, ou diferença, poderia estar na génese da religião, comparando-a com o Cristianismo. O psiquiatra afirmou que a religião Cristã é fruto de uma longa construção histórica, o que permitiu ao longo dos tempos alterações nas suas doutrinas, princípios e no modo como os crentes a percepcionam. Em relação ao Islão, considera que a construção histórica não tem a mesma presença, pois a sua génese está numa conversa entre Alá e o profeta Maomé, na qual os princípios religiosos foram transmitidos e a partir daí divulgados, não existindo tanta margem de manobra para a mudança ou para a adaptação. Como referi, considerou esta realidade como uma das possíveis causas para o fundamentalismo. Contudo, como já passaram uns anos, pode existir o risco de estar a recordar erradamente a ideia expressa.

Gostava de saber a vossa opinião.

Anónimo disse...

FL,

Parece-me que isso é uma justificação muito simplista sobre os motivos do fundamentalismo islâmico. Mas isto é apenas a minha opinião.

Fundamentalismo é hoje uma palavra com uma conotação fortemente negativa. Já não está apenas associado a conceitos como "conservadorismo" ou "tradicionalismo"; tornou-se um sinónimo de "radicalismo", "fanatismo" e até "terrorismo". Por esse motivo penso que é importante definir qual o significado que atribuo a esta palavra antes de a aplicar. Para mim, fundamentalismo é acima de tudo uma atitude mental. Há que apenas consiga ver as coisas a preto e branco, há quem consiga ver várias tonalidades de cinzento e até há quem consiga ver diferentes cores.

A génese e o desenvolvimento de cada religião tem aspectos muito próprios; a época e o local em que surgem e as necessidades dos povos a quem o Fundador dessa religião se dirigiu condicionam naturalmente o seu desenvolvimento e propagação. Ocasionalmente (e “ocasionalmente” pode significar várias décadas) uma comunidade religiosa pode ser dominada por correntes fundamentalistas; noutras ocasiões pode ser dominada por correntes liberais.

É verdade que o cristianismo evoluiu e foi assimilando diferentes correntes de pensamento. Por exemplo, com Sto Agostinho assimilou o Platonismo, com S. Tomás de Aquino descobriu o Aristotelismo,... Mas também é verdade que o Islão inspirou uma civilização brilhante; Damasco e Bagdade foram cidades prósperas e dinâmicas – verdadeiros centros de desenvolvimento científico e cultural - quando a Europa vivia a chamada Idade Média. Mas depois a civilização islâmica pareceu entrar em decadência, enquanto a civilização cristã “renascia”. Parece-me que seria pertinente questionarmo-nos sobre os motivos dessa decadência.

Não me parece correcto considerar que uma religião é mais fundamentalista que outra por analisarmos apenas um pequeno período da história. É verdade que há muçulmanos que interpretam literalmente o Alcorão e consideram que este livro sagrado era pre-existente à criação, tal como existem alguns cristãos que interpretam a Bíblia à letra considerando que é literalmente a palavra de Deus. Todas as religiões têm os seus fundamentalistas e os seus liberais, os seus heróis e os seus criminosos...

Creio que outros baha’is que comentam aqui poderão apresentar outras opiniões sobre o assunto.

Anónimo disse...

Quanto à suposta tolerância do Islão basta reparar nas reacções de muitos grupos muçulmanos quando alguém discorda da sua perspectiva histórica ou religiosa e no silêncio cúmplice dos chamados "moderados". O facto é que neste momento o Islão é a religião mais opressora do planeta. Cristãos, hindus, bahais, budistas, sofrem na pele os rigores da tão apregoada "tolerância". Isto é um facto.
Quanto aos inicios do Cristianismo e do Islamismo, em termos de uso da violência, nada podia ser mais díspare. Maomé matou com as próprias mãos os seus inimigos; montou emboscadas, ou seja fui um pouco mais longe do que a auto-defesa; incitou, como é visivel nos trechos que o Marco citou, os seus seguidores à violência contra o idólatras. Jesus, pelo seu lado, foi morto sem usar violência para se defender ou préga-la. Nenhum dos apóstolos usou violência para se defender, e quase todos tiveram uma morte violenta. O primeiros tempos do Cristianismo, basicamente até Constatino, foram de perseguição violenta, sem resposta igual.

Anónimo disse...

Também concordo que a visão é algo simplista. Todavia, deixo mais uma vez a ressalva que ouvi o programa há alguns anos, podendo estar a deturpar a ideia que na altura foi transmitida.
A propósito da decadência de que falas Marco, uma vez participei um pequeno trabalho investigação sobre o Império Otomano (1281-1923) no qual um dos autores que consultámos, a propósito das causas do seu declínio a partir de meados do século XVI, referia que uma das causas seria precisamente o conservadorismo vigente na época, nomeadamente a resistência à mudança na evolução do equipamento militar. Recordo-me que o autor deu o exemplo de que, numa altura em se afirmaram as potências navais (Inglaterra, Castela, etc.) houve a recusa em realizar alterações que iriam agilizar os seus navios, uma vez que poriam fim à proporcionalidade destes com os turbantes.

A mim custa-me referir que uma religião é mais atrasada do que outra, pois tal como referes, ao observámos a História, verificamos que existem ciclos. Apesar contribuírem para a construção das sociedades, as religiões também são o reflexo das mesmas, ou seja, autoras e vítimas das circunstâncias. Julgo que a história do Cristianismo é um bom exemplo disto, veja-se a forma como se adaptou à realidade ao longo dos tempos, nomeadamente com a alternância de adopção entre o Velho Testamento (Deus justiceiro) e e o Novo (Deus misericordioso) quando as circunstâncias o exigiam.

Anónimo disse...

Anonymous #2
Que prazer voltar a ler os teus comentários! Pensei que te tinhas chateado comigo...
Quanto ao que escreves, tenho uma resalva: as diferenças que apontas existem, mas são fruto das situações específicas em que as duas religiões nasceram. Muito provavelmente, se Maomé vivesse no tempo de Jesus e se dirigisse às mesmas pessoas que Jesus se dirigiu, teria feito como Ele. E se Jesus tivesse vivido no tempo de Maomé, e se tivesse dirigido Às mesmas pessoas que Maomé, também teria agido como Ele.

FL,
Não sabia disso sobre os navios otomanos. Aliás sobre a marinha otomana a única coisa que sei é a história da batalha do Lepanto.
Eu também não gosto de dizer que uma religião é mais atrasada que outra; no momento da sua revelação, uma religião serve as necessidades de alguns povos ajudando-os a evoluir. Mas com o passar dos séculos, é natural que se encontrem desajustamentos porque surgem novas necessidades. Nessas situações, ou a religião se adapta, ou é substituida por outra que os povos consideram mais adequada.

Anónimo disse...

A hipersensibilidade de certos sectores islâmicos não pode justificar uma posição de agachamemento e de quase permissão para sermos livres.
Muitos mais violenta que a citação utilizada pelo Papa são atentados terroristas cometidos em nome dos ensinamentos do Profeta ou a destruição dos Budas no Afeganistão, por tudo o que representavam para os seguidores de Buda.

Anónimo disse...

só queria chamar atenção para esses versos do Corão, que e' muito importante lê-los no seu contexto tanto histórico como no próprio texto em si (o texto que vem antes e depois), são versos fora de contexto que são usados como justificação por fundamentalistas pelos os seus actos.
Neste caso há que notar que os versos estaose a referir aos pagãos, num altura que os muçulmanismo eram perseguidos por eles. Há também que notar que o Arabe e' um língua extremamente rica, e a sua tradução para o português nem sempre e' a mais correcta, alias, era comum antigamente nos países cristãos traduzirem o Corão da pior forma possível, de forma a dar uma imagem negativa do Islão.
Na minha opinião, a melhor maneira de ler o Corão e' com 3 ou 4 traduções(em inglês) ao mesmo tempo (ha sites que permitem isso), a conjunção das traduções da um melhor idea do verdadeiro significado dos versos (ha palavras que podem ter milhares de significados possiveis)

Quanto alguem que disse que o islao e' a religiao mais opressiva do planeta devido a reacção de certos seguidores, então com este raciocínio o cristianismo foi durante 19 seculos a religiao mais opressora do planeta, basta lembrarnos da inquisição, das cruzadas e da perseguição dos judeus. Se acham que foi a politica usando a religiao que e' responsavel, pois bem, ai esta a situacao de hoje no mundo islâmico.
diga-se também que na idade media os judeus preferiam viver em países muçulmanos do que em países cristãos, pelo menos em países muculmanos não era forcados a se converter ao cristianismo nem era perseguidos ou mesmo queimados.
E ainda, o Corão proíbe a destruição de igrejas, ou da construção de mesquistas sobre igrejas. os cristaos por outro lado, destruíam as mesquitas ou transformavao-as em igrejas.

Estou neste momento no medio oriente, e deixa-vos dizervos que os muculmanos nao sao um bicho de sete cabecas que os medias no ocidente querem fazer parecer. E' verdade que os mullas dizem as coisas mais incriveis e estupidas, mas as pessoas aqui sabem pensar por si proprias! pelo menos as pessoas educadas , as manifestacoes que voces veem na televisao sao pessoas de aldeias com pouca educacao, estas ultimas contra ao papa foram na india...
Estava no outro dia no dairy queen (sim porque eles aqui tem macdonalds e essas coisas, e muito mais apesar de a televisao so filmar aldeias) quando por acaso ouvimos uns arabes shiitas a falar dos bahais!

"fiz negocio com xxxxxxxxx" , "esses sao bahais" , "sim sim, sao muito boas pessoas" , "sim tambem ouvi dizer que sao muito boas pessoas"

isto tudo apesar dos mullas dizerem que os bahais supostamente sacrificam criancas cada 19 dias....

por ultimo, deixo um post que fiz num forum

"the problem here is the generalization shown on other posts, we should bare in mind that these islamic fanatic wackos are not the same of the normal everyday muslims, the average educated muslim is not a murder monster who is hunger for war, (s)he is someone who wants peace and live his life just like everybody else, the average educated muslims are people with their own dreams, aspirations, joys, sorrows, families, a house, a business , a job, studies, kids.
the kind of thought "lets kill all these muslim animals" seems to ignore all that and its just wrong, and showing more hate to hate is not helpful at all as it will only result in more hate being generated. Those ppl that are making protests now are not helping at all the image of islam at all, but what the media seems to fail to mention is that those ppl are usually uneducated ppl in villages who actually dont really know what they are doing. in the meanwhile you also have "educated" fanatics such as from the al azhar university, who say the most incredible silly or stupidest things.

For the record, im not muslim, but i do have respect for all religions (and ppl), and i hate these fanatic wackos too, but i do try not to confuse the true (or "normal) muslim with these wackos, unfortuntaly fanatism and intolerance always existed in some small minority in all religions in one form or another, mutual respect and understanding is the answer, not mutual hate, IMHO."

Anónimo disse...

Oi
A respeito das questões colocadas aqui sobre tolerância religiosa e defender Islão e poder separa o Islão aos atitudes dos muçulmanos gostaria de dizer, como escrevi uma vez num outro lugar, para compreender os muçulmanos tem que conviver com eles e no seu território. Jogar ataques e defesas de longe não valem em nada, no entanto digo porquê as atitudes dos muçulmanos vós parece autoritário, violento e tudo mais, na verdade tudo isto no seu tempo era necessário mas o seu tempo era o tempo dos árabes nómadas e bárbaros.
Vocês já repararam na água parada numa piscina?
Ora ela após algum tempo começa a perder a sua luminosidade, perder a sua transparência; começa a feder, criando uma camada de bolor por cima impedindo que você veja a sua pureza lá do fundo e se não renovar aquela água...e continuar a dar mergulhos nela o que irá acontecer será que só sufoca ou terá outras consequências?
Se Marco achar que não escrevi moderadamente ao seu ponto de vista, pois também está livre, está no seu território se quiser pode eliminar o meu comentário.

Anónimo disse...

Gostei do que escreveu o Joao Moutinho.
Eu acho que a nossa liberdade deve terminar oonde começa a liberdade do outro.
Mas não pode terminar onde termina a sensibilidade do outro.

Anónimo disse...

Marco

Claro que não estou chateado. A disponibilidade para passar por aqui é que é menor. Mas quando posso leio, e agora digo, qualquer coisa.
Quanto à questão do enquadramento histórico-social estamos no campo dos "ses". O facto concreto é que Maomé e Cristo agiram de formas opostas.
Claro que concordo que não vale nada fazer um ranking das melhores religiões. Como sabes, para mim o que vale é se a religião é verdadeira ou falsa. O que me parece essencial é que haja respeito pela liberdade de expressão e de culto de cada ser humano. E isso implica denunciar os que tentam negar essa liberdade. E é aqui que importanta dizer que parte substancial do Islão é um problema para a Humanidade. Não proponho combater militarmente os muçulmanos, ou discriminá-los a todos. Mas acho fundamental neste momento histórico ser intransigente quando estão em causa os tais valores de liberdade.

Anónimo disse...

Eu continuo a achar, e lendo estes comentários reforço o meu pensamento, que a intolerância representada pelo fundamentalismo islamico tem o seu justo equivalente na islamofobia que se vive actualmente no ocidente. Ambas representam factores de intolerância da mesma intensidade que radicam muitas vezes na ignorância, e uma só agrava a outra.
Felizmente que ainda vai havendo pessoas como o Marco capazes de fazer um esforço para racionalizar as questões, sem que para isso tenha que se "agachar"!

Anónimo disse...

João

E, no entanto, essa tal "islamofobia" não conta com bombistas suicidas, não sai para a rua cada vez que o Presidente do Irão, ou outra pessoa do género, pronuncia palavras de ódio religioso, não decreta penas de morte ou a guerra para resolver diferendos religiosos. Não ponha tudo no mesmo saco. Meter a cabeça na areia, numa situação destas, é o mais fácil mas é também o mais perigoso.

Anónimo disse...

Eu não meto a cabeça na areia, não olho é só para um lado!
Eu não digo que essa islamofobia seja responsável pelo terrorismo e pelo fanatismo, o que digo é que essa islamofobia está a empurrar os muçulmanos "normais" para o campo dos fundamentalistas e a criar um fosso entre as duas "civilizações", tanto como o fanatismo do lado de lá!

Anónimo disse...

Concordo com João, e penso que em parte somos nós, as pessoas em geral, responsáveis na criação deste fosso entre as duas "civilizações", como disse João, o que eu não chamo propriamente de "civilização". Talvez a palavra mais adequada seja cultura, e estas culturas embora cada vez estão mais mistos, devido às emigrações, vão se isolar, separando-se uma da outra, as ocidentais e orientais, infelizmente, se manifestando no comportamento.
Como disse uma vez a Shirin Ebadi, Nobel da Paz, cada vez rejeitados os jovens muçulmanos pelos ocidentais e a cada falta da aceitação da sua cultura e dos seus costumes pelos jovens, e adultos também, nos países do dito ocidente empurram mais os jovens muçulmanos "normais" para o ninho dos terroristas.
São estes choques que geram ódio e revolta e cada vez mais aumentam o fosso referido pelo João.

Anónimo disse...

http://www.iranian.ws/iran_news/publish/article_17383.shtml

Anónimo disse...

Acho que se tem dito coisas muitas certas nos comentários deste post. É gratificante ler bons pontos de vista de pessoas que parecem ter muita sabedoria.
Este último da Daniella também é super interessante.

Anónimo disse...

Enquanto as autoridades islâmicas usarem as palavras de outros em pró da ruina da mesma, o islamismo sempre será visto como intolerante...