quarta-feira, 14 de março de 2007

A Democracia nas Escrituras Bahá’ís

Na sequência do post sobre Democracia e Direitos Humanos, aqui fica um breve apontamento sobre a forma como a Democracia é abordada nas Escrituras Bahá'ís.
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Na Epístola dirigida à Rainha Vitória (1868-1869), Bahá'u'lláh elogia a monarca por ter entregue “as rédeas do conselho nas mãos dos representantes do povo”; muito provavelmente, trata-se de uma alusão ao Reform Act (1867). E acrescentou: “Em verdade, fizeste bem pois assim os alicerces do edifício de tuas actividades serão fortalecidos, e os corações de todos os que se acham abrigados à tua sombra, sejam de alta ou de baixa condição, serão tranquilizados.” Nessa época, tanto no Império Otomano como na Pérsia estes ideais eram considerados subversivos pelo Estado e eram estritamente proibidos. A proclamação de Bahá'u'lláh em apoio de um governo representativo foi um acto radical para um prisioneiro indefeso encarcerado numa fortaleza esquecida na Palestina Otomana. Era também um desafio político e uma mensagem de advertência: “A duas classes de homens foi retirado o poder: monarcas e eclesiásticos[1].

O sistema parlamentar britânico é elogiado nas escrituras Bahá'ís

Em 1873, Bahá'u'lláh voltou a referir a soberania popular no Kitab-i-Aqdas, ao mencionar o Irão, prevendo que os seus interesses atravessariam uma revolução e que este país viria a ser governado por uma democracia que expressasse a vontade popular[2]. Nesse mesmo livro, o fundador da religião baha'i expressa o Seu desejo de que as Republicas da América governem com justiça. Anos mais tarde, Bahá'u'lláh clarificaria a Sua preferência pela monarquia constitucional: "Apesar da forma de governo republicano ser proveitosa a todos os povos do mundo, no entanto a majestade da realeza é um sinal de Deus. Não desejamos que os países do mundo fiquem privados deste. Se os sábios combinarem as duas formas numa, grande será a sua recompensa na presença de Deus"[3]. Note-se que Bahá'u'lláh não rejeita a ideia do republicanismo, nem a proíbe; pelo contrário, elogia-a. Ele apenas acrescenta que a República carece um símbolo unificador na forma de monarca.

Em 1891, na Epístola do Mundo, (Law-i-Dunya), o fundador da religião bahá'í afirma mais uma vez o sistema parlamentar britânico e a monarquia constitucional, como a melhor forma de governo, defendendo que se deveria constituir um parlamento iraniano à semelhança "do sistema de governo que o povo britânico adoptou em Londres"[4]. Acrescenta ainda que sem um governo estabelecido por consulta popular, o Irão cairá no caos.

Também 'Abdu'l-Bahá promoveu os ideais democráticos desde 1875. Notando que os Xá da Pérsia tinha concedido parte do seu poder absoluto a alguns conselhos estatais nomeados, 'Abdu'l-Bahá escreveu: "Na actual perspectiva do escritor, seria preferível se a eleição de membros não-permanentes de assembleias consultivas em Estados soberanos fosse dependente da vontade e escolha do povo. Pois, por conta disso, os representantes eleitos estarão um tanto inclinados a exercer justiça a fim de que sua reputação não sofra e eles não caiam em desgraça perante o público"[5]. Umas páginas mais à frente, o Mestre defende mais uma vez o sistema de governo parlamentar como um ideal, citando em apoio deste conceito versículos do Alcorão: "...cujos assuntos são governado por conselho mutuo"(42:36) e "...consultai-os sobre o assunto"(3:153).

'Abdu'l-Bahá conclui "Tendo isto em vista, como pode a questão da consulta mutua estar em conflito com a lei religiosa? As grandes vantagens da consulta também se podem apresentar através de argumento lógicos"[6]. Durante a revolução constitucional no Irão, 'Abdu'l-Bahá escreveu a um baha'i nos Estados Unidos afirmando que “um governo constitucional , segundo o texto irrefutável da Religião de Deus, é motivo de glória e prosperidade da nação, da civilização e da liberdade do povo[7]. No contexto desta carta, a palavra “constitucional” deve ser entendida como sinónimo de “democrático” ou “parlamentar”

A Porta Sublime (a corte Otomana) é referida nas escrituras Baha'is
como sinónimo de tirania e repressão.

Em 1912, durante a Sua visita aos Estados Unidos, ao falar perante numa reunião de afro-americanos em Washington D.C., o filho de Bahá'u'lláh afirmou: “Louvado seja Deus! Vós viveis no grande continente do Ocidente, gozando de perfeita liberdade, segurança e paz deste governo justo. Não há motivo para amargura ou tristeza em qualquer lugar; todos os meios de alegria e regozijo estão aí para vós, pois neste mundo humano não há bênção maior do que a liberdade. Vocês não sabem; mas eu sei, pois durante quarenta anos fui prisioneiro. Eu conheço o valor e a benção da liberdade. Mas vós estais aqui, tendes vivido em liberdade e não tendes medo de nada. Haverá bênção maior que esta? Liberdade! Segurança! Estas são as grandes dádivas de Deus. Por isso louvado seja Deus![8]

Os afro-americanos daquele tempo tinham muitos motivos de queixa relativamente às desigualdades na sociedade americana; mas 'Abdu'l-Bahá lembrou-lhe que deviam considerar as liberdades positivas que usufruíam, e acrescentou que uma democracia imperfeita era superior ao despotismo Otomano sob o qual Ele vivera a maior parte da Sua vida.

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NOTAS
[1] - Citado em God Passes By, pag.230
[2] - Kitab-i-Aqdas, pag. 54
[3] - Epístolas de Bahá'u'lláh, Bisharat, pag 36 (Ed.1983)
[4] - Epístolas de Bahá'u'lláh, Epístola do Mundo, parágrafo 31
[5] - The Secret of Divine Civilization, pag. 24
[6] - The Secret of Divine Civilization, pag. 100
[7] - Tablets of 'Abdu'l-Bahá, 3:492
[8] - The Promulgation of Universal Peace, pag. 52

6 comentários:

João Moutinho disse...

Por princípio a Democracia há de ser imperfeita, já que é possível sempre melhorá-la.

João Moutinho disse...

acho que já consegui enviar mensagens!

Anónimo disse...

Eu faço outra leitura das escrituras baha'is citadas neste post (não conheço mais sobre o assunto): a Democracia não é um fim, mas apenas um primeiro passo para a construção de uma sociedade mais justa. Se não dermos esse passo, é impossível ter justiça ou desenvolvimento.

Talvez por isso a Democracia e Direitos Humanos sejam valores indiscutíveis para a humanidade.

Elfo disse...

Ó meus amigos, lendo e relendo o texto do querido amigo Marco, fico com a sensação de me saber a pouco.
Passo a explicar:
- Tudo o que está escrito é correcto!
- Tudo o que lá falta está para além da compreensão das capacidades electivas deste povo que só vê benefícios nas democracias, sejam elas parlamentares, republicanas ou afins.
O que sempre percebi das Escrituras é que as democracias são um avanço para a autonomia dos povos, mas não pode ficar só por aí.
A figura do monarca é muito bem sublinhada e, até é tida como uma referência a tomar em conta nos governos eleitos democraticamente...!, mas também se pode eleger um monarca?
É mais que óbvio que NÃO!
Então se a Democracia está apenas como um degrau acima do despotismo, o que impede a democracia e os governos eleitos por maioria absoluta de se tornarem despóticos?
Se calhar, penso eu, a solução passaria por uma Teocracia de eleição indirecta, isto é, por delegados eleitos nas suas regiões, países e territórios e dar assim uma hipótese de se eleger o melhor dos governos mundiais que a Humanidade algum dia virá a conhecer.
A Teocracia não é um mal menor como a Democracia, é sim o melhor dos melhores, pois os eleitos têm as bênção do Todo Poderoso, e além disso serão renovados de tempos a tempos pelos eleitores, tirando assim a apetência pelo Poder que inevitavelmente se instalaria se de outra forma assim não fosse.

Pedro Fontela disse...

O elfo anda numa "trip" daquelas lol...

Anónimo disse...

Eu também não percebi o Elfo...