Quem se interessa por religião dificilmente fica indiferente ao nome “Ratzinger”. O antigo Perfeito da Congregação da Doutrina e da Fé e actual Papa Bento XVI cria admiradores e opositores com igual facilidade. Os primeiros consideram os seus pontos de vista e atitudes como sensatos e lúcidos[1]; os segundos vêem nele um conservador que nem sempre é prudente nas suas palavras.
A eleição de Bento XVI despertou interesse pela sua vasta obra intelectual. Vários dos seus livros têm sido publicados e encontram-se disponíveis nas livrarias portuguesas. No final do ano passado, fui publicado um livro, escrito pelo então cardeal Ratzinger, intitulado Fé, Verdade e Tolerância: o Cristianismo e as Grandes Religiões do Mundo[2]. Trata-se de uma colecção de ensaios publicados em alemão e em inglês; o primeiro foi publicado em 1964 e os restantes durante os anos 1990.
Ao contrário das suas outras obras (que sempre folheei, mas nunca me tinham parecido apelativos), este livro era para mim demasiado apelativo. Continha as opiniões pessoais de uma personalidade - tão influente no mundo Católico, como o Ratzinger - sobre a atitude do Catolicismo face às religiões não-cristãs.
O relacionamento de Ratzinger com as religiões não-cristãs não tem sido isento de percalços. A crise provocada pelo discurso na Universidade de Ratisbona ainda está presente na memória de muitos, apesar de se reconhecer que houve um aproveitamento político dos radicais muçulmanos. Também as suas considerações sobre Budismo [3] provocaram um quase-escândalo em França, nos anos 1990.
Depois de ler as primeiras páginas deste livro fiquei com uma ideia que ainda hoje mantenho: para um bahá’í, Bento XVI é um estimulante desafio intelectual. Naturalmente que mantenho muitas divergências com as suas opiniões em vários assuntos; mas também há algumas (poucas) em que estou de acordo. Fiquei agradavelmente surpreendido pela forma como citou alguns cientistas, apesar de não concordar com algumas das suas posições relativamente à ciência.
Como já referi, o tema central dos ensaios contidos neste livro é a atitude do Catolicismo face às outras religiões. Com este, cruzam-se outros temas com reflexões sobre a verdade, o bem e a salvação, críticas à a teologia da libertação, as dificuldades da ortodoxia católica em aceitar teólogos defensores do pluralismo religioso (como John Hick e Paul Knitter), e as noções iluministas de liberdade.
Em jeito de balanço, pode-se dizer que não é um livro para fazer pontes com outras religiões. Pelo contrário, o autor evita em fazer comparações entre as religiões, preferindo afirmar a centralidade de Jesus Cristo em todo o fenómeno religioso. Nesse aspecto é um livro bem diferente daquele que escreveu Hans Küng, (Religiões do Mundo: em busca de Pontos Comuns, 1990)[4] e em que afirmou que a salvação também é possível fora da Igreja Católica, ou mesmo fora do Cristianismo.
Pessoalmente, entendo que o diálogo inter-religioso é um processo multidireccional de descoberta de convergências e divergências. E sinto que o desafio que encontrei neste livro foi de expor as minhas convergências e divergências com as opiniões pessoais do actual líder da Igreja Católica. É o que vou fazer nos próximos tempos neste blog.
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NOTAS
[1] – Veja-se o site Ratzinger FanClub
[2] – Comentários a este livro encontram-se aqui: Cardinal Ratzinger Considers Whether Truth, Faith, and Tolerance Are Compatible e Cardinal Ratzinger looks at the world today.
[3] – Numa entrevista à revista L’Express (Março de 1997), Ratzinger classificou o Budismo como um "auto-erotismo espiritual" capaz de oferecer "felicidade sem obrigações religiosas concretas"
[4] – Religiões do Mundo: em busca dos pontos comuns, 2005, Ed. Multinova. Spurensuche: Die Weltreligionen auf dem Weg, 1990.
5 comentários:
Ó meu querido amigo Marco, ainda hoje ninguém me tira da cabeça que o senhor Ratzinger não é o sussessor do Torquemada. Nasceu foi uns séculos mais tarde e hoje ficava mal acender as tochas humanas nas praças públicas. Sinceramente andar com o cardeal às costas, não me parece que seja o mais indicado para um movimento ecuménico que se pretende globalizante. Conheço algumas cabecinhas pensantes que põem as religiões monoteistas par a par com as politeistas. Pessoalmente isso incomoda-me um pouco, mas só um pouco. Quem estudou, ou se debruçou a fundo sobre a história das religiões, sabe perfeitamente que as primeiras manifestações de adoração eram, e ainda são nalgumas regiões do globo, polianimistas.
O senhor bento xvi tem uma visão paternalista do mundo e os seus mullas vão acertando o passo pelo mesmo diapasão. Muitos são os sacerdotes que dizem amen e que estão descontentes por a Opus Dei ter finalmente tomado conta do reino da santa igreja e que vai querer abarcar tudo e todos debaixo do tecto do pálio católico. Sua eminência escreve umas coisitas que até estariam bem no século de Galileu, em que o cardeal concordava com o cientista e quando passou a papa, atiçou-lhe a santa inquisição à perna. Nunca vi, ao contrário de João Paulo II, o cardeal Ratzinger vir a público defender Galileu Galilei, no entanto, o Papa J.P.II fê-lo e pediu desculpas públicas pelos crimes da santa madre igreja. Não vi o senhor Ratzinger ao lado dele a apoiá-lo em nada, bem antes pelo contrário. Ratzinger foi dos cardeais mais conservadores do catolicismo e... ainda é.
Elfo,
Tu já leste alguma coisa do Bento XVI? Ou estás apenas a seguir a moda de dizer mal do homem?
Eu fiquei curioso por ver um baha'i que diz que encontra diferenças e semelhanças de opinião. Estou curioso para ver o que se vai dizer aqui.
Espero sinceramente que não seja dizer mal apenas por dizer; pelo contrário, as diferenças de opinão devem aparecer fundamentadas.
Meu caro GH, não me parece que se tenha de ser um erudito nas escrevinhices do sr Ratzinger para ver de onde surgem as coisas. Diz-me onde estou errado e eu fundamento o que digo.
elfo, prova-me a relação com a Opus, em que dicionário sucessor aparece com "ss" e diz-me um único livro do santo padre que tenhas lido.
"Atravessar o Limiar da Esperança", foi um livro escrito por João Paulo II e que foi considerado insultuoso por muitos Budistas.
Claramente há uma geração no clero católicos que assumem o Budismo como inimigo na luta pela conversão das almas.
O prestígio do Dalai Lama na Europa e nos EUA incomoda essa geração do clero católico. Mas os Budistas são pacientes; a sua reacção paciente bem podia ser imitada pelos muçulmanos.
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