A Carreira da Pampilhosa e o SNS
Em Julho de 2004 – quando Santana Lopes era Primeiro Ministro – Vital Moreira escreveu aquele texto tocante sobre a Carreira da Pampilhosa. O constitucionalista descrevia como a empresa concessionária do serviço público de transportes rodoviários que servia a Pampilhosa da Serra tinha anunciado ao município que cessaria brevemente as carreiras para esse destino, a menos que lhe fosse paga uma avultada compensação pelas perdas que o serviço lhe provocava.
Era um caso paradigmático de abandono do interior e testemunha da lamentável da “degradação dos conceitos de serviço público e de coesão territorial entre nós”. E lamentava-se o Professor que se tinha perdido em geral “a ideia da responsabilidade pública pela garantia do fornecimento de tais serviços”.
As palavras do constitucionalista eram condenatórios: “Considerando que se trata das regiões mais pobres e isolados do país, é indesmentível que o Governo está a violar escandalosamente o seu dever de velar pela coesão social e territorial, contribuindo assim para a desertificação humana daquelas regiões.”
“…o Governo está a prejudicar ostensivamente as regiões mais carenciadas em favor das regiões mais favorecidas. Os habitantes de Pampilhosa da Serra, que estão em risco de perder as suas escassas carreiras de transportes rodoviários de passageiros, por o Estado não assumir as suas responsabilidades, pagam porém os transportes de Lisboa e do Porto. Ou seja, os pobres pagam para os ricos. Dificilmente se poderia imaginar tamanha injustiça social e territorial.”
Hoje ao abordar a questão da crescente degradação de um outro serviço público (o Serviço Nacional de Saúde), Vital Moreira é bem mais complacente e encontra as melhores justificações para que se encerrem urgências e valências hospitalares. Já não se está a contribuir para a desertificação do país, mas sim a proceder ao “reordenamento territorial dos serviços públicos”. Já não importa que o Estado deixe de assumir as suas responsabilidades, pois na verdade que se vê privado deste serviço (de saúde) julga que tem direito a ele. E, claro, nem por sombras pensar que isto se trata de uma "injustiça social e territorial", pois "a diminuição da oferta não se traduziu em nenhum défice ou degradação do serviço público".
Creio que esta mudança de opinião de Vital Moreira é bem paradigmática daquilo que existe de errado na política. Será que pessoas assim se preocupam verdadeiramente com os interesses das populações? Ou estarão apenas a usar os interesses das populações para servir os seus próprios interesses? O que terá mais importância para pessoas destas: os valores e os princípios, ou os interesses da sua família política?
E por fim: compare-se esta atitude de Vital Moreira com as palavra de Manuel Alegre, ontem na SIC-Noticias, a propósito da progressiva degradação do Serviço Nacional de Saúde...
3 comentários:
Pois é, as (in)coerências pagam-se...
Dois pesos e duas medidas, senhores!? Então, em que é que ficamos? O "espírito de missão" só se aplica às vezes???
Felizmente o nosso vocabulário é tão rico, que até nos permite brincar com as palavras: “reordenamento territorial dos serviços públicos” - é bonito...e profundo!
Isto de mantermos a espinal medula na devida posição dá trabalho, não!?
"Complacente"? Generosidade sua, Marco... :-)
Vital Moreira - essa espécie de Ratzinger da Ota - é conhecido pelas suas contradições.
Podemos mesmo questionar se esta posição dele não é uma forma de corrupção moral.
Bem apanhado Marco!
Infelizmente o discurso politico aproxima-se cada vez mais daquele a que o meio futebulistico nos veio habituando bem sintetisado na já célebre máxima: " o que hoje é verdade amanhã é mentira"!
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