segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Uma democracia a definhar ?

Excerto da crónica de António Barreto, ontem no Público.

(...)

A verdade é que o clima de trapalhice se torna cada vez mais evidente. As políticas são erráticas. As correcções sucedem-se. As adendas e rectificações aos decretos-leis repetem-se. Com a publicação de uma nova lei logo surgem problemas e dúvidas, geralmente legítimos e fundados. Será isto só de hoje? Não. Seria injusto considerar Sócrates e o seu governo como únicos autores e principais responsáveis desta nova realidade que é a dos trapalhões no poder. Na verdade, a tendência é antiga. Há já três ou quatro governos e outras tantas legislaturas que o fenómeno vem tomando corpo. Sócrates, o seu governo e o seu partido são apenas os actuais, os últimos e os que mais fizeram para consolidar a tendência para a trapalhice. Serão estúpidos? Não creio. Ignorantes? É possível. Inexperientes? Bastante. Auto-suficientes? Muito.

Governam para a televisão. Fazem legislação para as sondagens. Tomam medidas para mostrar trabalho feito. São peritos em encenação. Vivem obcecados com a propaganda. Anunciam a ideia, anunciam o projecto, anunciam a correcção, anunciam a revisão, anunciam o concurso, anunciam a adjudicação, anunciam a decisão prévia, anunciam a nova correcção, anunciam a primeira inauguração, anunciam a segunda inauguração... As suas decisões servem para afirmar autoridade, sem que o seu conteúdo ou a sua bondade tenham qualquer relevo. Fazem obra para criar emprego, satisfazer os amigos, colocar os correligionários e gastar dinheiro. Como disse o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando Santos, o governo tem cada vez menos capacidade técnica e científica para preparar e tomar decisões. Os ministros confiam nos amigos, no partido e nas empresas complacentes e desprezam as opiniões técnicas e independentes. Os directores-gerais e os presidentes de institutos têm de ser de confiança política, também eles trabalham para as eleições. E o Parlamento? Poderá perguntar-se. Esse vive em sabática de competência. E em jejum de qualificações. Só nos resta acreditar no aforismo: quem governa pela propaganda, pela propaganda morre.

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É caso para perguntar: a democracia portuguesa está a definhar?

5 comentários:

Anónimo disse...

Ora cá está, o António Barreto do nosso contentamento (perdoem-me, pelo menos do meu!)! Agradeço esta publicação (e todas as possíveis vindouras). Não me compete, neste espaço, tecer considerações específicas, sob pena de ser inconveniente e ferir susceptibilidades. Apenas acrescento que, se eu soubesse escrever, gostaria de o fazer como este senhor e outro, sempre tão actual: Eça de Queirós... :-)
Convinha lembrarmos a frase que define democracia: "governo do povo, pelo povo e para o povo".
Será que, antes da democracia, não é o povo que está a definhar???

Marco Oliveira disse...

entãoéassim,

Recentemente li "O Futuro da Liberdade" de Fareed Zakaria (editor da Newsweek).
Nesse livro ele analiza a forma como algumas democracias definharam quando economia se deteriorou e alguns oligarcas tomaram o poder através de eleições.
No meio disto havia diversos sinais de crise: a classe média ia empobrecendo, a justiça deixava de ser independente, os direitos civis já não eram uma garantia constitucional...
O estranho é que alguns desses sinais se verificam hoje em Portugal.

Um dia destes vou escrever sobre esse livro do Fareed Zakaria.

Anónimo disse...

Aguardo com expectativa o resultado dessa leitura.

Espero que o nosso visível e flagrante retrocesso não chegue ao ponto de termos de renascer das cinzas...tanto trabalho em recuperar certas conquistas (isto se tal não for irreversível)!
A memória, individual e colectiva, devia ser exercitada e quanto mais cedo melhor!

Pedro Fontela disse...

Marco,

Para começar abençoado sejas (ainda não sei bem por quem mais enfim… :) ) por pegar neste tema. Realmente o estado do país é calamitoso e só os cegos ou os partidários mais ferrenhos dos dois grandes partidos poderiam discordar mas o que não sei se estou de acordo é com o Fareed Zakaria… sou extremamente desconfiado de qualquer explicação económica todo poderosa que justifica todo o contexto social e político – como está em voga no mundo anglo-saxão com autores como Fukuyama.

Marco Oliveira disse...

Pedro,
O Zakaria obriga-nos a reflectir sobre os factos que levam a que processo de democratização sejam bem sucedidos nuns países e noutros não. Também analisa casos de degradação progressiva de regimes democráticos, a relação entre, democracia, liberdade e desenvolvimento.

E ele não aponta soluções; mas alerta-nos par vários perigos.

Não concordo com tudo o que ele escreve, mas vale a pena ler.