Tariq Ramadan, teólogo muçulmano suíço e professor de estudos islâmicos em Oxford, afirmou que o voto suíço foi alimentado pelo medo, acrescentando que os muçulmanos devem procurar uma visibilidade positiva nas sociedades donde estão inseridos.
Daniel Cohn-Bendit, co-presidente da bancada dos Verdes no Parlamento Europeu, sugeriu que os mais ricos dos países muçulmanos retirassem o seu dinheiro dos bancos suíços. Recorde-se que Genebra é um importante centro financeiro e gestor de fortunas, muito procurado pelos petro-monarquias do Golfo.
O debate promete prolongar-se, e levará muita gente a reflectir sobre a importância de valores fundamentais como a liberdade religiosa.
Na chuva de críticas a que temos assistido, convém distinguir aquelas que se baseiam numa preocupação genuína com valores fundamentais, e as que se afiguram como meras manifestações de hipocrisia política. E aqui chamo a atenção para reacções vindas da Indonésia, do Egipto e do Irão.
- Maskuri Abdillah, o líder da maior organização de islâmica na Indonésia (a nação islâmica mais populosa do mundo) afirmou que o voto reflectia o "ódio" suíço pelo islão e pelos muçulmanos.
- Ali Gomaa, o Grande Mufti do Egipto (próximo do Presidente Hosni Mubarak) declarou que a proibição era uma tentativa de "insultar os sentimentos da comunidade Muçulmana no interior e no exterior da Suíça".
- E o Irão, através do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Ramin Mehmanparast, considerou o resultado do referendo como uma "acto islamofóbico".
Em resposta às reacções no mundo islâmico, o próprio Farhad Afshar, coordenador das Organizações Islâmicas na Suíça, apelou à calma: "O mundo islâmico deve respeitar, sem aceitar, a decisão. Mas deve respeitar a decisão suíça. Caso contrário, nós seremos as primeiras vítimas".
Há uma grande diferença entre os protestos dos jornais, teólogos e políticos europeus, e os protestos vindos de países como o Irão, o Egipto, a Arábia Saudita ou a Indonésia. Os europeus tentam viver segundo os princípios da liberdade e do respeito pela dignidade humana; por esse motivo, têm legitimidade moral para protestar contra o resultado do referendo. Mas existe liberdade religiosa existe em países como o Irão, o Egipto, a Arábia Saudita ou a Indonésia? Que legitimidade têm os governos, ou organizações islâmicas desses países, para criticar o voto suíço?
É importante lembrar que as consequências deste referendo são quase insignificantes se comparadas com as restrições colocadas aos não-muçulmanos que pretendem praticar a sua fé em países islâmicos. Para quem não tem isso presente, aqui ficam alguns exemplos:
INDONÉSIA - É um país muçulmano com consideráveis minorias cristãs, hindus, budistas e animistas. Segundo um relatório do departamento de Estado dos EUA, em 2009, registou-se o encerramento violento (ou por intimidação) de 9 igrejas e 12 mesquitas da confissão Ahmadiyya. Além disso, são muitas as igrejas e templos hindus que há muito tentam obter autorização oficial para funcionar. Em várias ocasiões o Governo Indonésio tem impedido a construção de templos por receio que pudesse desencadear violência sectária.
EGIPTO - Tem uma significativa minoria de cristãos coptas. Segundo a lei, as suas igrejas devem receber autorização das comunidades muçulmanas locais para poder construir os seus templos. Muitos desses processos de licenciamento têm sido deliberadamente atrasados, sendo exigidos documentos que são impossíveis de obter. Além disso, não como esquecer a situação dos Bahá'ís a quem foi negado documentos de identidade?
ARÁBIA SAUDITA - A casa do Islão é um dos países com menor liberdade religiosa em todo o mundo. Ali a prática pública de qualquer religião não islâmica é proibida. Cristão e judeus recebem apenas 50% de indemnizações por danos pessoais, e no país não existem qualquer igreja, apesar do culto em residências privadas ser tolerado.
PAQUISTÃO - Apesar da liberdade religiosa estar constitucionalmente garantida, o Governo coloca diversos entraves, tendo-se registado também diversos ataques contra comunidades cristãs e xiitas. O relatório do Departamento de Estado dos EUA menciona que "alastrou a discriminação social contra minorias religiosas". A nível local registam-se "recusas constantes no licenciamento de construção de locais de culto, especialmente para as comunidades Ahmadiyya e Baha'i". O mesmo relatório acrescenta que a "opinião pública impede regularmente que os tribunais protejam as minorias e força os juízes a tomar medidas fortes contra qualquer pretensa ofensa à ortodoxia sunita".
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Volto a afirmar que os resultados do referendo são chocantes. Está em causa a liberdade religiosa num país europeu. No entanto, não reconheço qualquer legitimidade às críticas vindas de governos e organizações que não prezam esse valor.
3 comentários:
A liberdade religiosa deveria ser regra em todo o mundo. A intolerância religiosa não combina com o século XXI. Que atraso!
Paz e dias melhores! ^.^
Há uma questão que eu gostaria de não deixar passar em claro.
Fica bem na nossa praça dizer que os políticos tomam decisões nas costas dos cidadãos e são incapazes de dizer a verdade "porque senão não seriam políticos" (basta ouvirmos os "Prós e Contras à 2.ª feira).
E mais outras considerações acerca de tratados que são tomados por eles na União Europeia.
Ora na Suíça, se a decisão tivesse sido tomada pelos políticos ou governantes certamente teria sido diferente.
Mas ninguém é capaz de dizer que em alguma situação os políticos serão "melhores" que o vulgo cidadão.
Marlene,
Concordo contigo.
João,
Se isto é a opinião genuína do povo suíço, então deve haver algo de errado com aquela sociedade.
Isto só me leva a concordar com Tariq Ramadan.
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