sábado, 5 de dezembro de 2015

Eutanásia: uma opção certa ou errada?

Por Jaine Toth.


O campo florescente da bioética continua a apresentar novas propostas, cada vez mais complexas, cada vez mais controversas. Bebés proveta, barrigas de aluguer, investigação em células estaminais, determinação genética, selecção artificial e clonagem: tudo isto passou do reino da ficção-científica, ou da mera suposição, para a realidade. A sociedade agoniza com os seus méritos e a sua moralidade.

Talvez este último aspecto, a moralidade - com as suas comparações entre os impactos no mundo animal e suas implicações subsequentes para a humanidade - fez germinar as sementes há muito adormecidas de preocupações antigas plantadas no solo profundo do meu subconsciente. Agora nasceram, garantindo o seu lugar ao sol do conhecimento, exigindo ser alimentadas com água da compreensão.

As memórias florescem no campo fértil da minha mente - recordações que despertam outra questão bioética: o velho tema da eutanásia.

Rocky, o cão da nossa família que, como a maioria dos animais de estimação, era amado como se fosse um dos nossos filhos, tinha um grande tumor que lhe pressionava a garganta. A morte por asfixia parecia iminente. O veterinário sugeriu, e nós concordámos, que ele podia ajudar Rocky a adormecer num sono mais profundo, onde a dor e o sofrimento não existem.

Matthew, filho adorado do meu querido amigo Joe, tinha um grande tumor que lhe pressionava a garganta - a morte por asfixia era iminente. Os médicos recomendaram tratamentos caros para reduzir o tumor e a família concordou imediatamente; mas o cancro tinha-se infiltrado por todo o corpo. Matthew era um doente terminal dependente de altas doses de morfina que, juntamente com a família e amigos, aguardava o inevitável.

O veterinário pôs fim ao tormento do Rocky; o seu sofrimento terminou misericordiosamente. O tormento de Matthew continuou.

A quem mostramos bondade e misericórdia: Rocky ou Matthew? Apenas a um? Ou, talvez, a ambos? Este é o cerne da nossa moderna controvérsia bioética. Atrevemo-nos a fingir que somos Deus e permitimos que meros seres humanos decidam quando administrar a solução final a um dos seus?

Alguns respondem com um "Sim", defendendo veementemente o seu direito inalienável de fazer essa escolha, e a ajudar a aliviar o sofrimento dos seus entes queridos. Outros têm preocupações válidas de que a ganância, a inconveniência pessoal, ou receio de graves dificuldades financeiras se possam tornar os factores motivadores por trás das decisões tomadas pela família, sem a devida consideração pelos desejos do paciente.

Uns vinculados por uma pura convicção religiosa na sacralidade da vida, e outros que realmente esperam e acreditam em milagres, manteriam um corpo, mesmo numa condição de clinicamente morto, respirando artificialmente, por meios mecânicos e a qualquer custo. Será que os dias adicionais, com o seu sofrimento, dariam à alma do sofredor mais tempo para se preparar para a próxima vida? Ou será que retiram à alma o seu merecido descanso?

Podemos chegar a um compromisso são e aceitável - que não seja a mão que oferece libertação nem a que apresenta quaisquer tratamentos, além de aliviar a dor, tanto quanto possível?

Podemos permitir que a alma rompa a ligação com a sua gaiola mortal, no momento determinado? Em alguns casos, podemos, com a ajuda de uma Unidade de Cuidados Paliativos. Uma UCP e um auxiliar de enfermagem permitiram que eu e a minha irmã acompanhássemos a nossa mãe, em vez de sermos apenas suas enfermeiras. Isso ajudou-nos a tornar os últimos dias da mãe tão confortáveis quanto possível, sem esforços artificiais para prolongar a sua vida. Foi uma dádiva que nos ajudou a aproveitar nosso tempo juntos e nos preparou para aceitar e enfrentar a sua passagem quando a gaiola corporal liberta a alma.

Confrontada com esta escolha, procurei orientação nas Escrituras Bahá’ís. Mas sobre este e outros assuntos, nada definitivo foi ainda estabelecido. De uma forma geral, Bahá'u'lláh aconselhou os Bahá'ís a "procurar o aconselhamento de médicos competentes", consultar com todos os envolvidos e tomar uma decisão em conjunto. Aprecio profundamente este conselho da minha fé sobre tomada flexível de decisão, que felizmente não tem “uma medida igual para todos”, e que valoriza muito os conselhos de profissionais e a opinião das pessoas mais afectadas.

A Casa Universal de Justiça respondeu uma pergunta de um Bahá'í sobre este tema em 1974:
Recebemos sua carta ... em que solicita uma perspectiva Bahá'í sobre a eutanásia e sobre o desligar de sistemas de suporte à vida quando as intervenções fisiológicas prolongam a vida em situações de doenças incapacitante. Em geral, os nossos ensinamentos indicam que Deus, o Dador de vida, pode - apenas Ele - dispor dela como Ele considera melhor, e nada encontrámos no Texto Sagrado sobre estas questões especificas, salvo uma carta a um indivíduo por escrita em nome do amado Guardião pelo seu secretário sobre morte por misericórdia, ou a eutanásia legal, onde se declara: "... esta é também uma questão sobre a qual Casa Universal de Justiça terá de legislar." Até ao momento em que a Casa Universal de Justiça elabore legislação sobre a eutanásia, as decisões sobre o assunto a que você se refere devem ser deixadas à consciência dos responsáveis. (Lights of Guidance, pp 290-291)
Matthew recebeu os cuidados da UCP, mas com radiação suplementar. Será que isso prolongou os dias da sua vida? Será que isso tornou esses dias mais confortáveis? Possivelmente, sim; possivelmente não. Foi caro. Foi a escolha deles. Valeu a pena? Teria sido melhor não interferir? Teria sido mais caridoso ajudá-lo a morrer mais cedo? Estes argumentos continuam a ser debatidos. Muitas famílias enfrentam estas situações aparentemente insustentáveis. As suas decisões surgem após grande esforço e angústia.

Tenhamos presente que devemos respeitar as suas escolhas; não devemos julgá-los, pois também não gostaríamos que os outros nos julgassem.

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Texto original: Euthanasia - Right? Wrong? - Or In-Between? (www.bahaiteachings.org)

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Jaine Toth é actriz, escritora e formadora. Vive no Arizona (EUA), perto do Desert Rose Baha'i Institute. É autora de uma coluna semana num jornal.

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