sábado, 17 de novembro de 2018

O Nacionalismo pode construir a Paz?

Por David Langness.


Poderá o nacionalismo – que defende a territorialidade, o fortalecimento das fronteiras, o poderio militar e a independência política – construir a paz no mundo?

Não. E sobre este assunto os ensinamentos Bahá'ís afirmam:
...um mundo idólatra saúda e adora apaixonada e clamorosamente os falsos deuses que as suas próprias fantasias fúteis criaram fatuamente e as suas mãos mal guiadas tão impiamente exaltaram. Os principais ídolos no templo profanado da humanidade não são senão os triplos deuses do nacionalismo, do racismo e do comunismo, em cujos altares governos e povos, sejam democráticos ou totalitários, estejam em paz ou em guerra, sejam do Oriente ou do Ocidente, cristãos ou islâmicos, estão, de várias formas e em diferentes graus, agora a adorar. Os seus sumo-sacerdotes são os políticos e os doutores mundanos, os chamados sábios da época; o seu sacrifício, a carne e o sangue das multidões massacradas; os seus encantamentos, pregões antiquados e fórmulas insidiosas e irreverentes; o seu incenso, o fumo da angústia que emana dos corações dilacerados dos despojados, dos estropiados e dos desabrigados. (Shoghi Effendi, The Promised Day Is Come, p. 113)
Esta análise franca, escrita pelo Guardião da Fé Bahá’í em 1941, quando decorria a 2ª Guerra Mundial, apelava aos líderes do mundo que se unissem. Avisava-os – reiterando as advertências de Bahá’u’lláh nas suas cartas e epístolas aos reis e governantes do mundo na década de 1860 – sobre as consequências do fracasso da sua união; e simultaneamente expunha um plano racional e apelativo para a unificação:
Numa hora tão crítica na história da civilização, compete aos líderes de todas as nações do mundo, sejam grandes e pequenas, sejam do Oriente ou do Ocidente, vencedoras ou vencidas, prestar atenção ao aviso sonante de Bahá'u'lláh e, completamente imbuídos com um sentido de solidariedade mundial, o sine qua non da lealdade à Sua Causa, levantarem-se para realizar na totalidade o esquema reparador que Ele, o Médico Divino, prescreveu para uma humanidade doente. Que rejeitem definitivamente todas as ideias preconcebidas, todos os preconceitos nacionais, e prestem atenção ao sublime conselho de 'Abdu'l-Bahá, o Intérprete autorizado dos Seus ensinamentos. Você pode servir melhor o seu país – foi a resposta de 'Abdu'l-Bahá a um alto funcionário do governo federal dos Estados Unidos da América, que O questionou sobre a melhor maneira como poderia promover os interesses do seu governo e povo – se se empenhar, na sua qualidade de cidadão do mundo, a ajudar na aplicação derradeira do princípio do federalismo subjacente ao governo do seu país nas relações agora existentes entre os povos e as nações do mundo. (Shoghi Effendi, The World Order of Baha’u’llah, pag. 36-37)
Muitas pessoas, incluindo historiadores, filósofos, futuristas e planificadores, estão agora a chegar exactamente à mesma conclusão:
O desenvolvimento mais importante da nossa era, precisamente, é o desvanecer do estado-nação: a sua incapacidade de resistir às forças contrárias do século XXI e a sua calamitosa perda de influência sobre as circunstância humanas. A autoridade política nacional está em declínio e, como não conhecemos nenhum outro tipo, parece o fim do mundo. É por isso que um tipo estranho de nacionalismo apocalíptico está tão em voga. Mas o apelo actual do machismo como estilo político, a construção de muros e a xenofobia, a mitologia e a teoria racial, as fantásticas promessas da restauração nacional - não são curas, mas sintomas daquilo que se está a revelar lentamente a todos: os estados-nação, por todo o lado, estão num estado avançado de decadência política e moral, do qual não podem se libertar individualmente. (Rana Dasgupta, The Demise of the Nation State, The Guardian, April 5, 2018)

À primeira vista, passados 370 anos, o estado-nação parece estar a florescer. Embora existissem apenas 70 países soberanos independentes em 1945, existem agora 193, sendo os mais recentes o Montenegro, Timor-Leste e o Sudão do Sul. A Palestina e o Kosovo estão à espera para se juntar à ONU. Mas essa proliferação de países é um sinal da fraqueza do Estado-nação, não da sua força. (Mark Lyall Grant, Can the Nation-State Survive?, Chatham House/The Royal Institute of International Affairs, March-April 2018)
Os ensinamentos Bahá’ís dizem que o nosso velho sistema de estados-nação – que existe desde o Tratado de Vestfália, em 1648 – deixou de ser útil. O mundo mudou drasticamente desde então, mas o nosso sistema de governação ainda se mantém fiel aos métodos antiquados que se usavam há séculos atrás. Rana Dasgupta, um dos principais pensadores mundiais sobre este assunto, afirma:
Os próprios governos nacionais precisam estar submetidos a um nível superior de autoridade: eles provaram ser as forças mais perigosas na era do estado-nação, travando guerras intermináveis contra outras nações, oprimindo, matando e enfraquecendo as suas próprias populações...

Se desejamos redescobrir um sentido de propósito político na nossa era de finança global, big data, migração em massa e revolução ecológica, temos de imaginar modelos políticas capazes de funcionar nessa mesma escala. O actual sistema político deve ser complementado com regulamentos financeiros globais, certamente, e também, provavelmente, mecanismos políticos transnacionais. É assim que iremos concluir esta nossa globalização, que hoje está perigosamente inacabada. Os seus sistemas económicos e tecnológicos são realmente deslumbrantes, mas para servir a comunidade humana, devem estar subordinados a uma infraestrutura política igualmente espetacular, que ainda nem começámos a construir.

... o nosso sistema de estado-nação já está numa crise da qual não tem agora capacidade para se libertar. É o momento para pensar como se pode construir essa capacidade. Ainda não sabemos como será. Mas aprendemos muito com as fases económica e tecnológica da globalização, e agora possuímos os conceitos básicos para a próxima fase: construir a [estrutura] política do nosso sistema mundial integrado. (The Demise of the Nation State, The Guardian, April 5, 2018)
Os ensinamentos de Bahá’u’lláh antecipam esta mudança radical nos assuntos mundiais e revelam a arquitectura de um sistema global democrático – juntamente com a estrutura espiritual necessária para a construir.

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Texto original: Can Nationalism Produce Peace? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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