sábado, 19 de janeiro de 2019

A carta de um Cristão para Bahá’u’lláh

Por Christopher Buck.


O primeiro Cristão que se tornou Bahá’í foi um médico Sírio chamado Faris Effendi; ele reconheceu Bahá’u’lláh e enviou-Lhe uma carta muito tocante e profunda.

Na Sua epístola a Raḍ’ar-Ruḥ, Bahá’u’lláh refere-Se à carta de Faris Effendi e afirma que “quem quiser pode lê-la”. Bahá’u’lláh tornou isto possível ao incluir o texto da carta de Faris Effendi no final da Sua Epístola. A carta de Faris está apenas traduzida parcialmente:
Ó Glória do Todo-Glorioso e Enaltecido do Mais Enaltecido…! Sinto-me honrado por escrever e enviar esta súplica à Tua presença. (…) Fizeram contigo o que fizeram a Jesus, o Manifestante da Sabedoria. (…) Eles dispersaram-se e tornaram-se ovelhas perdidas do rebanho. (…) Rogo-Te para que incluas o meu povo e eu próprio entre aqueles que estão cheios com as dádivas dos oceanos da Tua graça. (…) Tu és o Sempre-Eterno, a Fonte permanente de Pureza e Santidade. (…) Suplico-Te, pelo Teu mais íntimo Segredo, pelo Teu Kalim [“Interlocutor”, i.e., Moisés], pelo Teu Filho [Jesus], pelo Teu Habib [“Bem-Amado”, i.e., Maomé], e pelo Teu Precursor [o Báb] Que abraçou a Cruz devido ao Seu amor por Ti, (…) que não me prives a mim ou à minha pobre família de contemplar a luz do Teu Semblante. (…) Torna a nossa fé completa, escolhe-nos para servir os eleitos entre os Teus servos e aceita-nos como mártires que ofereceram o seu sangue por amor a Ti. (…)

Somos fracos, ignorantes e indignos; não nos deixes ser dos vencidos. (…) Dá-nos o dom do amor, fé e esperança, e permite-nos que arranquemos dos nossos corações aquilo que não Te agrada. (…) Faz-nos esquecer de nós próprios. Não te pedimos conforto, salvo naquilo que Te agrada. Tu és o Buscador de corações. (…) Uma embarcação de madeira transporta-Te. Como eu desejo intensamente estar na Tua companhia! (…)

Ó Mar! O que te aconteceu? Vejo-te perturbado. Será por temor ao teu Senhor, o Mais Grandioso? Ó Alexandria! Vejo-te triste devido à partida do Teu Senhor, o Vivo, o Mais Paciente. A cidade devoluta de Acre aplaude ao acolher-Te com grande alegria. Regozija-se porque pode receber a Maior de todas as Glórias. (Abu’l-Qasim Faizi, “From Adrianople to Akka,” in Conqueror of Hearts: Excerpts from Letters, Talks, and Writings of Hand of the Cause of God Abu’l-Qásim Faizí.)
Faris tem sido referido como “o médico” e também como “o sírio”. Também tem sido descrito como “um sacerdote”. Mas não há evidências disto no teor e palavras da carta de Faris para Bahá’u’lláh.

Adequada ao seu destinatário - Bahá’u’lláh - a carta de Faris é bastante formal, mas muito expressiva: é rica e está repleta de expressões teológicas e teofânicas de respeito e amor.

Depois de se dirigir a Bahá’u’lláh nestes termos altamente respeitosos, Faris compara Bahá’u’lláh a Jesus Cristo, reconhecendo ambos como mensageiros de Deus, tendo cada um sofrido perseguições. Os respectivos perseguidores rebeldes “dispersaram-se e tornaram-se ovelhas perdidas do rebanho”. Faris alarga esta comparação ao referir-se a Bahá’u’lláh como o mais recente de uma sucessão de profetas, incluindo Moisés, Jesus, Maomé e o Báb. Tão grande é a dedicação de Faris, que ele oferece a sua vida como “mártir”, se essa situação ocorrer.

Akká, ilustração de 1880
Faris refere-se depois a um navio (uma “embarcação de madeira”) que leva Bahá’u’lláh para a fortaleza prisão de Akká. Numa linguagem metafórica, Faris personifica primeiro o “Mar”, depois Alexandria, e depois a cidade devoluta de Akká. Em tom poético, Faris apela a cada um destes três locais, dizendo que o próprio “Mar” sente a presença e o poder impressionantes de Bahá’u’lláh e agita-se no seu temor a Deus, tal como manifestado por Bahá’u’lláh A cidade de Alexandria é descrita como “triste” e inconsolável pelo facto de Bahá’u’lláh estar de partida. E a cidade prisão de Akká rejubila com a chegada iminente de Bahá’u’lláh.

Tudo isto ocorre de forma metafórica, invisível e espiritual, num modo que mostra que a própria criação reconhece o poder e autoridade de Bahá’u’lláh, do qual todas as pessoas – excepto alguns – estão inconscientes.

O martírio do Bab é comparado directamente à “Cruz” onde Jesus Cristo sofreu e morreu. Esta comparação vai além do fato de serem ambos Mensageiros de Deus, e de ambos terem sido martirizados no caminho de Deus. Ao estabelecer uma equivalência histórica entre Cristo e o Báb, Faris conclui que o Báb também deu a Sua vida pelos pecados do mundo.

A carta de Faris a Bahá’u’lláh é uma declaração de fé e de dedicação a Bahá’u’lláh. Sem renunciar ao seu passado Cristão - e sem renunciar à sua ligação a Jesus Cristo – Faris afirma que Bahá’u’lláh representa o cumprimento das promessas de Cristo, e que Bahá’u’lláh manifesta o “espírito e poder” de Cristo, cumprindo simbolicamente as profecias de Cristo e as de todos os Manifestantes e Profetas de Deus:
Depois, os companheiros e discípulos de Jesus perguntaram-Lhe sobre aqueles sinais que deviam necessariamente assinalar o regresso da Sua manifestação. Quando, perguntaram eles, acontecerão estas coisas? Várias vezes questionaram aquela Beleza incomparável e, cada vez que Ele deu uma resposta, definiu um sinal especial que deveria anunciar o advento da prometida Dispensação. Disto são testemunho os quatro Evangelhos. (Bahá’u’lláh, O Livro da Certeza, ¶21)

Julgai honestamente: se as profecias registadas no Evangelho se cumprissem literalmente, se Jesus, Filho de Maria, acompanhado de anjos, descesse do céu visível sobre as nuvens, quem se atreveria a não acreditar, quem se atreveria a rejeitar a verdade e mostrar desdém? Pelo contrário! Tamanha consternação se apoderaria de todos os moradores da terra que nenhuma alma se sentiria capaz de proferir uma palavra, muito menos rejeitar ou aceitar a verdade. (Bahá’u’lláh, O Livro da Certeza, ¶88)

É claro e evidente para ti que todos os Profetas são os Templos da Causa de Deus, Que apareceram vestidos com diversos trajes. Se observares com olhar criterioso, verás todos habitando no mesmo tabernáculo, voando no mesmo céu, sentados no mesmo trono, proferindo as mesmas palavras e proclamando a mesma Fé. Assim é a unidade dessas Essências do ser, esse Luminares de esplendor infinito e imensurável. Portanto, se um destes Manifestantes da Santidade proclamasse: “Eu sou o regresso de todos os Profetas,” Ele, de facto, diria a verdade. De igual modo, em cada Revelação subsequente, o regresso da Revelação anterior é um facto cuja verdade está firmemente fundada. Uma vez que o regresso dos Profetas de Deus, conforme é atestado pelos versículos e tradições, foi convincentemente demonstrado, o regresso dos seus eleitos também está definitivamente provado. (Bahá’u’lláh, O Livro da Certeza, ¶162)

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Texto original: The First Christian Baha’i, and His Letter to Baha’u’llah (www.bahaiteachings.org)

Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

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