No artigo anterior falámos de Faris, o médico sírio que se tornou o primeiro Bahá’í de origem cristã, em 1868.
Também referimos o conhecido escritor e historiador Bahá’í, Nabil-i A’zam, ou Nabil-i Zarandi (1831–1892), que ‘Abdu’l-Bahá elogiou nos seguintes termos:
Este homem distinto era erudito, sábio e tinha um discurso eloquente. O seu génio nato era pura inspiração, o seu dom poético era como um fluxo de cristal. (‘Abdu’l-Bahá, Memorials of the Faithful, p. 35)O relato de Nabil sobre a decisão de Faris em tornar-se Bahá’í prossegue da seguinte forma:
Em resposta às nossas petições, havia uma Epístola, em caligrafia de Revelação [a escrita rápida que Mirza Aqa Jan registava à medida que Bahá’u’lláh falava], uma Carta do Mais Grandioso Ramo, e um papel com nuql [rebuçado] de amêndoas... Na Epístola, Faris,o médico, era particularmente elogiado.Um dos presentes escreveu:
Várias vezes testemunhei evidências de um poder que nunca conseguirei esquecer. E assim aconteceu hoje. O navio estava em movimento, quando vimos um barco ao longe. O capitão parou o navio, e este jovem relojoeiro chegou até nós, e gritou pelo meu nome. Aproximámo-nos e ele deu-nos o teu envelope. Todos os olhares estavam sobre nós, os exilados. No entanto, ninguém questionou a acção do capitão. (Nabil-i A’zam, de uma história não publicada, traduzida por H.M. Balyuzi, Baha’u’llah, The King of Glory, p. 268)E agora a narrativa completa de Bahá’u’lláh, escrita pouco depois da Sua chegada a Akká:
Em nome de Deus, o Eterno, o Imutável.Esta notável epístola de Bahá’u’lláh começa por se dirigir ao destinatário, Rad’ar-Ruh (ou “Espírito Contente”, um nome dado a Mulla Muhammad-Rida-yi Manshadi por Bahá’u’lláh)
Ó tu que colocaste o teu olhar sobre o semblante divino, dando ouvidos à voz d’Aquele que sofreu o encarceramento várias vezes no caminho de Deus, o teu Senhor e Senhor dos mundos. Sabe, pois, que a Beleza Antiga partiu da Terra do Mistério devido àquilo que as mãos dos opressores forjaram. Anteriormente, Ele caminhara na terra, revelando a cada momento os versículos que arrebataram o povo ao Concurso no Alto, e expondo provas que fizeram desfalecer os anjos próximos de Deus.
Por Deus, as brisas perfumadas da Revelação divina foram sopradas sobre as regiões do oriente e do ocidente, e isto, em verdade, é uma graça abundante. Ao perceber estas fragrâncias, o osso decomposto despertou e ressuscitou, de acordo com a permissão de Deus, o Rei, o Omnipotente, o Belíssimo. Sob todas as condições, colocámos sob cada pedra, pérolas de palavras perspícuas e jóias de explicação; em breve, levantar-se-á Aquele que proclamará perante todas as pedras: “Ele é, em verdade, o Bem-Amado dos Mundos!”
Os dias passaram até que chegámos à beira-mar. Quando o Mais Grandioso oceano embarcou na Arca, os habitantes do Mais Alto Paraíso gritaram o nome de Deus, por Cuja ordem foi posta em movimento e dirigiram-se à Arca dizendo: “Bem-Aventurada sejas, pois Aquele que é a Esperança dos Mundos pôs os pés sobre ti”.
Seguidamente, a Arca começou a navegar sobre o mar, e ouvimos de cada uma das suas gotas aquilo que nenhum homem consegue ouvir, e o teu Senhor conhece bem a verdade daquilo que digo. Quando chegámos a uma das cidades da terra, percebemos-lhe a fragrância do Todo-Misericordioso, e assim que inalámos as brisas da santidade que dali sopravam, o mar acalmou-se e a Arca parou sobre ele. No entanto, por Deus, as ondas deste mar não ficarão calmas para sempre.
Perante o Rosto Divino veio um de entre a comunidade de Cristo com uma eloquente missiva em mão. Ao quebrar o selo, percebemos os perfumes de santidade daquele que se incendiou com o fogo do amor pelo teu Senhor, o Todo-Misericordioso. Tão arrebatado estava pelos êxtases da Revelação, que ele se separou de todas as coisas e segurou-se firmemente ao cordão que estava suspenso entre o céu e a terra. Lemos as palavras da sua missiva, e quem desejar, poderá lê-las para que possa observar como os dedos do poder do teu Senhor, o Mais Exaltado, o Omnipotente, o Todo-Poderoso, podem voltar os corações dos homens para Ele.
Que bom seria se tivesses estado perante Nós e escutado o Jovem a recitar aquela missiva na entoação de Deus, o Omnipotente, o Todo-Poderoso, o Sapientíssimo! Desta forma, Deus cria o que deseja como sinal do Seu poder; mas as pessoas, envoltas nos véus do ego estão entre os desatentos. Por Deus! A criação desse homem é maior aos olhos de Deus do que a criação dos céus e da terra. Quando leres a sua missiva, exclama: “Exaltado seja Deus, que desperta quem Ele deseja no Seu poder; Ele, em verdade, é o Revivificador dos Mundos!” (tradução provisória de Joshua Hall)
Provavelmente, naquele tempo, não houve contacto directo com o próprio Faris Effendi, mas esta epístola de Bahá’u’lláh (a “Beleza Antiga”) refere os seus múltiplos encarceramentos no passado e o primeiro Cristão a tornar-se Bahá’í. A caminho de um novo encarceramento, Bahá’u’lláh continuou a revelar escrituras de sabedoria divina, agitando as almas dos ouvintes receptivos.
Bahá’u´lláh caracteriza a Sua revelação como tendo âmbito universal (“as brisas perfumadas da Revelação divina foram sopradas sobre as regiões do oriente e do ocidente”) e tendo poder para revivificar os espiritualmente mortos (“o osso decomposto despertou e ressuscitou, de acordo com a permissão de Deus”). Esta referência à ressurreição tem um significado espiritual, e não físico.
Depois Bahá’u’lláh usa metáforas como “pérolas” e “jóias” colocadas sob “cada pedra” (corações empedernidos). Seguidamente, Bahá’u’lláh compara o navio a vapor da Austrian-Lloyd à Arca de Noé, o que, na simbologia Bahá’í, representa a comunidade dos espiritualmente despertos – neste caso, os seguidores de Bahá’u’lláh.
O texto prossegue com a alusão a Alexandria (“uma das cidades da terra”). O “um de entre a comunidade de Cristo” que veio à presença de Bahá’u’lláh era Constantino, o relojoeiro, que trouxe “uma eloquente missiva em mão”, a carta de Faris Effendi para Bahá’u’lláh.
O texto da epístola de Bahá’u’lláh não distingue claramente entre Constantino e Faris. Num certo sentido, estes dois indivíduos aparecem juntos, cada um representando o outro. Alcançar a presença de Bahá’u’lláh e sentir a Sua majestade divina e o Seu poder carismático, teve um grande efeito em Constantino, que ficou agitado até às profundezas da sua alma com os “êxtases da Revelação”. Quanto à carta de Faris, Bahá’u’lláh afirma que “Quem desejar, pode lê-la”. Mas como? Ao anexar o conteúdo da carta ao final da Sua epístola, Bahá’u’lláh disponibiliza-a a todos nós. No próximo artigo desta série vamos ler a carta de Faris.
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Texto original: Baha’u’llah’s Welcome to the First Christian Baha’i (www.bahaiteachings.org)
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Joshua Hall é um Bahá’í que vive no
Montana (EUA). Os seus interesses incluem linguística e estudo de religiões
comparadas. Tem uma paixão especial pelo estudo e tradução de textos árabes das
Escrituras Bahá’ís.
Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.
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