sábado, 16 de fevereiro de 2019

A Epístola Mais Sagrada de Bahá’u’lláh – aos Cristãos

Por Christopher Buck.


“Abri as portas dos vossos corações. Aquele que é o Espírito, em verdade, está diante deles”. Isto não parece que Jesus está a bater à porta do seu coração?

Mas estas palavras são de Bahá’u’lláh, que - acreditam os Bahá’ís - foi predito por Jesus.

O leitor talvez já tenha ouvido sobre o Livro Mais Sagrado (Kitab-i-Aqdas, em árabe) de Bahá’u’lláh que, tal como o título indica, é o livro mais importante das escrituras Bahá’ís. Mas sabia que também existe uma “Epístola Mais Sagrada” (Lawḥ-i-Aqdas)? Esta importante epístola é conhecida entre os Bahá’ís do Ocidente como “Epístola aos Cristãos”. A citação anterior foi retirada dessa epístola.

Existem fortes indícios de que Bahá’u’lláh revelou a Epístola Mais Sagrada para o médico sírio Cristão Faris Effendi, que, como sabemos, foi o primeiro Cristão a declarar a sua fé em Bahá’u’lláh, em Agosto de 1868, quando estava na prisão em Alexandria. Faris tinha conhecido a Fé Bahá’í através de outro companheiro de prisão, Nabil-i A’zam, um dos dezanove Apóstolos de Bahá’u’lláh e famoso historiador Bahá’í. As evidências de que a Epístola Mais Sagrada tenha sido revelada para Faris são fortes, mas não são conclusivas. Não obstante, o académico Bahá’í, Stephen Lambden, apresentou fortes argumentos que sustentam que, de facto, Bahá’u’lláh revelou a Epístola Mais Sagrada para Faris, o médico.

A Epístola Mais Sagrada inicia-se com as seguintes palavras:
Esta é a Epístola Mais Sagrada que foi enviada do reino santo para aquele que voltou a sua face para o Objecto de adoração do mundo, Aquele que desceu do céu da eternidade, investido com glória transcendente.

Em nome do Senhor, o Senhor de grande glória.

Esta é uma Epístola da nossa Presença para aquele a quem os véus dos nomes não conseguiram afastar de Deus, o Criador da terra e do céu, para que os seus olhos se possam alegrar nos dias do seu Senhor, o Auxílio no Perigo, o Que Subsiste por Si Próprio. (Bahá’u’lláh, Tablets of Bahá’u’lláh, p. 9)
A frase de abertura refere-se a uma pessoa em particular, que apesar de conhecida, não é referida pelo nome. O destinatário era obviamente um Cristão.

Seguidamente, Bahá’u’lláh dirige-se aos Cristãos colectivamente - “Diz, ó seguidores do Filho!” - e repreende-os por se terem “afastado d’Ele [Bahá’u’lláh] e permanecido mergulhados na negligência” (Idem)

É difícil determinar se esta afirmação é retórica, hiperbólica ou literal. Era literalmente verdade, num determinado momento, em que apenas um pequeno grupo de Cristãos – e possivelmente apenas Faris, o médico – tinham reconhecido Bahá’u’lláh como aquele que Cristo tinha predito.

Na Sua epístola aos Cristãos, Bahá’u’lláh refere-Se especificamente ao Livro de Isaías e também a profecias de outras escrituras. Depois Bahá’u’lláh destaca os líderes religiosos como principais responsáveis por manterem a situação dos seus seguidores, que os impedia de compreender - quanto mais aceitar - qualquer anúncio de uma nova revelação, tal como Bahá’u’lláh fizera.

Bahá’u’lláh invoca tempos passados para definir um precedente histórico e padrões de advento profético seguidos de rejeição popular, como estando novamente em acção no momento actual. Tal como aconteceu no passado, também acontece no presente. Bahá’u’lláh adverte os Cristãos:
Eles lêem o Evangelho e, no entanto, recusam-se a reconhecer o Senhor Todo-Glorioso, não obstante Ele ter vindo com o poder do Seu domínio enaltecido, poderoso e gracioso. Nós, em verdade, viemos por vossa causa e suportámos as desgraças do mundo para vossa salvação. Fugis d’Aquele Que sacrificou a Sua vida para que pudésseis ser vivificados? Temei a Deus, ó seguidores do Espírito, e não sigais os passos dos sacerdotes que se perderam. (Idem, p. 10)
Bahá’u’lláh indica que Jesus, o Sinai e a “Sarça Ardente” proclamam que reconheceram o Seu advento:
Aquele que é o Desejado surgiu na Sua majestade transcendente. “Diz, Ei-lo! O Pai surgiu e aquilo que vos foi prometido no Reino, cumpriu-se! Esta é a Palavra que o Filho ocultou, quando Ele disse para os que o rodeavam “Não a podeis suportar agora”. E quando momento escolhido chegou e a Hora soou, o Verbo brilhou no horizonte da Vontade de Deus. (Idem, p. 11)
Significativamente, Bahá’u’lláh diz sobre Jesus: “Diz, em verdade, Ele testemunhou por Mim e Eu testemunhei por Ele. De facto, Ele não propôs outro que não Eu.” (Idem) Esta é, verdadeiramente, uma afirmação tremenda. Afasta-se das expectativas Cristãs sobre eventos cataclísmicos e apocalípticos que deveriam anunciar de forma inequívoca o regresso de Cristo.

A salvação que Bahá’u’lláh oferece não é a mesma que a do Cristianismo tradicional. Bahá’u’lláh proclama: “O Meu corpo suportou o encarceramento para que pudésseis libertar-vos do cativeiro do ego.” (Idem p.12) Notavelmente, isto nada tem a ver com a doutrina do pecado original – mas tem tudo a ver com transcendermos a nossa natureza inferior.

Note-se que a doutrina de Bahá’u’lláh sobre salvação é totalmente omissa sobre “nascer em pecado”.

A noção de salvação apresentada por Bahá’u’lláh é clara e desfaz a ilusão de que a ira de Deus deve, de alguma forma, ser acalmada – especialmente com o derradeiro “sangue do sacrifício” de Jesus Cristo na cruz, onde Jesus sofreu no nosso lugar. Aqui não existe esse tipo de doutrina salvífica.

Seguidamente, Bahá’u’lláh compara o Báb com João Baptista, por terem papeis históricos paralelos: “Diz, Não haveis escutado a Voz que Brada, clamando no deserto do Bayan [i.e., a revelação do Báb], trazendo-vos as boas novas da vinda do vosso Senhor, o Todo Misericordioso?” (Idem, p.12) Tal como João Baptista anunciou a vinda de Jesus Cristo, também o Báb anunciou o advento iminente de Bahá’u’lláh. Depois, Bahá’u’lláh apela ao médico Faris - e a todos os Cristãos - que anunciem o Seu advento:
Proclama, pois, a toda a humanidade as boas-novas desta poderosa e gloriosa Revelação. Aquele Que é o Espírito da Verdade veio para te guiar a toda a verdade. Ele não fala impelido pelo Seu próprio ser, mas a mando d’Aquele que é o Omnisciente, o Sapientíssimo.

Diz, este é Aquele Que glorificou o Filho e exaltou a Sua Causa. Ó povos da terra, rejeitai aquilo que possuis e segurai-vos firmemente àquilo que vos foi ordenado pelo Todo-Poderoso, Aquele que é o Portador da Confiança de Deus. (Idem)
A Epístola Mais Sagrada - a Epístola aos Cristãos - termina com uma série de bem-aventuranças, as últimas das quais dizem o seguinte:
Bem-aventurado o homem que se desprende de tudo salvo de Mim, que voa alto na atmosfera do Meu amor, que conseguiu ser admitido no Meu Reino, contemplou os Meus domínios de glória, sorveu as águas vivas da Minha bondade, saciou a sua sede no rio celestial da Minha amorosa providência, familiarizou-se com a Minha Causa, percebeu aquilo que ocultei no tesouro das Minhas Palavras, e brilhou no horizonte do conhecimento divino, empenhado no Meu louvor e glorificação (Idem, p.17)
Faris, o médico, é o antecessor espiritual dos Bahá’ís de origem Cristã (incluindo eu próprio). A evidências sugerem que Bahá’u’lláh revelou a Epístola Mais Sagrada para Faris. Seja como for, Faris foi o primeiro a responder e a cumprir a “Grande Comissão” de Bahá’u’lláh (ver paralelo com a “Grande Comissão” de Jesus, em Mateus 28:18-20).

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Texto original: Baha’u’llah’s Most Holy Tablet—to the Christians (www.bahaiteachings.org)

Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

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