Imaginem este cenário: algures no mundo surge uma nova pandemia no mundo, uma ainda mais séria e mortal que o Covid-19, e um governo global recém-estabelecido age rapidamente para resolver a crise.
Porque os departamentos de saúde e agências de investigação dos vários países do mundo – finalmente interligados e adequadamente financiados para a investigar e divulgar informação sobre novos surtos – têm capacidade para descobrir e isolar infecções virais emergentes mais rapidamente do que no passado, podemos agora identificar rapidamente a nova doença, mesmo antes dela se disseminar para fora do país onde surgiu.
Assim que este processo científico ocorre, o parlamento mundial reúne numa sessão de emergência, decidindo selar as fronteiras do país onde surgiu o novo surto e parando as suas fábricas e indústrias. Nesse país em quarentena, não voam aviões, e não há automóveis, comboios ou navios que atravessem as suas fronteiras – mas os médicos e enfermeiras das ONG’s do mundo e as agências humanitárias acorrem ao país para ajudar a salvar a enorme quantidade de doentes afectados pelo vírus.
Então, num espírito de unidade, o resto da humanidade mobiliza-se rapidamente para ajudar os seus semelhantes humanos na nação atormentada. Cientistas e organizações científicas, agora livres de regulamentações restritivas e burocracias, desenvolvem rapidamente novas vacinas e tratamentos. A ajuda económica de todos os outros países é enviada para auxiliar aqueles que ficaram temporariamente sem emprego, ou cujas empresas foram afectadas. Todo o planeta e todos os seus recursos se dedicam à contenção, isolamento e alívio da crise num local antes que esta se espalhe por todos os outros locais.
Não surpreendentemente, esta nova abordagem global unida tem menos custos e salva muito mais vidas do que o antigo método em que se permitia que todo o mundo fosse infectado e depois tentava-se resolver o problema em cada país.
Esta breve futurologia sobre um mundo futuro potencialmente unido dirigido e governado por um governo soberano internacional é apresentado pela Fé Bahá’í, a religião global que propõe um grande princípio singular: a unificação de toda a humanidade:
Não haja dúvidas quanto ao propósito que anima a Lei mundial de Bahá'u'lláh. Longe de visar a subversão das fundações existentes da sociedade, procura alargar a sua base, remodelar as suas instituições de forma harmoniosa com as necessidades de um mundo em constante mudança. Ela não pode entrar em choque com nenhuma lealdade legítima, nem pode debilitar as lealdades essenciais. O seu propósito não é abafar a chama de um patriotismo inteligente e são nos corações dos homens, nem abolir o sistema de autonomia nacional tão essencial para evitar os males da centralização excessiva. Não ignora, nem tenta suprimir a diversidade de origens étnicas, de clima, de história, de língua e tradição, de pensamento e hábitos, que diferenciam os povos e as nações do mundo. Ela exige uma lealdade mais ampla, uma aspiração maior do que qualquer outra que tem animado a raça humana. Insiste na subordinação dos impulsos e interesses nacionais às necessárias exigências de um mundo unificado. (Shoghi Effendi, The World Order of Baha'u'llah, pags. 41-42)Hoje, infelizmente, ainda não alcançámos esse mundo unificado. Em vez disso, estamos a funcionar com um sistema antiquado de duzentas nações soberanas, em que nenhuma tem os recursos, a autoridade ou o dinheiro necessários para combater as graves crises virais mundiais, que cada vez mais poem em perigo todo o planeta e todos os povos.
Assim, se o objectivo de um governo é a protecção dos seus cidadãos, então os governos falharam tremendamente.
Muitas destas falhas devem-se ao nosso sistema nacionalista descoordenado e gerador de conflitos, que já existe há alguns séculos, e que agora tenta actualizar-se com as realidades do comércio internacional, da tecnologia, da crescente consciência de cidadania mundial e da cada vez maior inter-dependência entre as pessoas deste planeta. Na verdade, as nações do mundo continuam a funcionar com uma miscelânea de estruturas e sistemas ineficientes, leis e regulamentos desajustados, todos eles dificultando a sua capacidade para responder de forma rápida, adequada e eficiente às verdadeiras ameaças globais.
Devido a este não-sistema confuso e desordenado, somos constantemente forçados a enfrentar novos desafios com velhas ferramentas. Não conseguimos responder adequadamente a ameaças mundiais com uma mescla de métodos e abordagens marcadamente nacionais, especialmente quando muitas nações dão mais importância ao desenvolvimento económico do que à saúde da população. Em vez de proteger e salvaguardar o ambiente natural, a maioria dos países (e os seus sistemas legais) privilegiam o dinheiro e o poder em detrimento do povo. Gastamos mais no poderio militar do que na educação e na saúde. Uma amálgama de leis e regulamentos contraditórios entre si impedem o progresso e atrasam a resposta a qualquer verdadeira emergência, com uma pandemia.
É verdade que temos organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde e várias agências das Nações Unidas, mas estas padecem de sub-financiamento e restrições constantes que as impedem de fazer mais do que lançar advertências não vinculativas às várias nações. Consequentemente, as nações desperdiçam constantemente os seus recursos, competem desnecessariamente com outros países com armamentos e guerra, e não conseguem colher os benefícios da força, da protecção, da segurança e economias de escala que um mundo federado poderia proporcionar.
Cientificamente, sabemos agora que as doenças se espalham para lá das fronteiras nacionais devido à falta de unidade e coordenação. Pandemias como o Covid-19 têm facilidade em espalhar-se pelo mundo e infectar-nos a todos, principalmente devido às nossas estruturas governativas do século XVII, tristemente desactualizadas, que não conseguem tratá-las e contê-las de forma rápida e eficiente.
No fundo, os vírus não são nacionais, nem estrangeiros; são universais – o que significa que para os derrotar necessitamos uma abordagem universal.
Sabemos agora, cientificamente, que iremos experimentar muitas mais destes ataques virais globais no futuro. O Covid-19, apesar de ser mortal para alguns, pode vir a mostrar-se menos maligno e potencialmente menos perigoso do que a febre hemorrágica Crimeia-Congo, o vírus Ébola, o vírus Marburg, a febre de Lassa, o vírus Nipah e outras doenças henipavirais, a febre do Vale do Rift, e muitas outras doenças infecciosas virais ainda não identificadas. De facto, os recentes surtos de SARS, MERS e Covid-19 representam o início de uma era de patogenias desconhecidas com potencial para provocar graves pandemias internacionais.
Imaginemos o seguinte: o que aconteceria se um novo vírus, diferente e mais mortal que o Covid-19, surgisse amanhã? Teria o seu país de origem capacidade, clarividência ou autoridade para fazer imediatamente tudo o que fosse possível para evitar e estancar a disseminação da doença? Provavelmente, não. Em vez disso – e porque temos uma confusão e desorganização de centenas de governos nacionais com insuficiente capacidade de coordenação entre si – essa nova doença espalhar-se-ia rápida e furiosamente, tal como fez o Covid-19, e ameaçaria o bem-estar físico e económico de todo o mundo.
Claramente, esta pandemia está a enviar-nos um aviso bem perceptível: livrem-se do velho e ineficiente sistema de governação humana antes que a confusão dos conflitos e interesses cruzados permitam que aflições ainda piores aconteçam. Temos de implementar um sistema universal capaz de resolver problemas universais. Não podemos esperar que os vírus respeitem as pessoas. Eles aguardam oportunidade de se propagar, não olhando a nacionalidades, religiões, classes ou raças. É toda a espécie humana que está a ser atacada. E isso significa que temos de responder urgentemente como espécie, como uma família humana unida.
E quais são as alternativas que os ensinamentos Bahá'ís recomendam? Acima de tudo os Bahá'ís acreditam que devemos juntar as nações deste planeta numa única comunidade, um sistema de governo federal:
A unidade da raça humana, tal como antecipada por Bahá'u'lláh, implica o estabelecimento de uma comunidade mundial em que todas as nações, raças, credos e classes estão íntima e permanentemente unidas, e em que a autonomia dos seus Estados membros, e a liberdade e iniciativa pessoais dos indivíduos que as compõem, estão definitiva e completamente salvaguardadas.Consegue imaginar isto? Na verdade, é o que desejam os Bahá'ís. E os Bahá'ís até fazem mais do que isso: eles trabalham activamente todos os dias para a unificação mundial. Gostaríamos de contar com a sua ajuda.
Nessa sociedade mundial, ciência e religião, as duas mais poderosas forças da vida humana, reconciliar-se-ão, cooperarão e desenvolver-se-ão harmoniosamente...
Rivalidades, ódios e intrigas entre nações cessarão e a animosidade e o preconceito racial serão substituídos pela amizade, compreensão e cooperação raciais. As causas de luta religiosa serão permanentemente removidas, as barreiras e as restrições económicas serão completamente abolidas, e a desmesurada distinção entre classes será suprimida. A indigência, por um lado, e a acumulação grosseira de bens, por outro, desaparecerão. A enorme energia que se gasta e desperdiça na guerra, seja económica ou política, será consagrada a objectivos, como o alargamento do alcance das invenções humanas e o desenvolvimento técnico, o aumento da produtividade da humanidade, o extermínio da doença, o alargamento da investigação científica, a melhoria do nível de saúde física, o aperfeiçoamento e refinamento do cérebro humano, a exploração dos recursos insuspeitos e não utilizados do planeta, o prolongamento da vida humana e a promoção de qualquer outro meio que estimule a vida intelectual, moral e espiritual de toda a raça humana. (The World Order of Bahá'u'lláh, p. 203)
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Texto original: How World Unity Could Stop Pandemics (www.bahaiteachings.org)
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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.
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