sábado, 4 de abril de 2020

A propósito da Quarentena, algumas analogias com Eventos na História Bahá'í

Por Irina Kenig.


Com a pandemia do Coronavirus (COVID-19) a paralisar o mundo, parece que a vida fez uma pausa e deu-nos tempos para reflectir sobre a condições actuais do mundo e reavaliar aquilo que é importante para nós. Apesar de serem tempos desafiadores, também são ricos em oportunidades que podemos descobrir. Como Bahá'í, tento perceber o sentido nestes tempos incertos, vendo-os com um olhar espiritual e uma perspectiva histórica.

Do ponto de vista espiritual, vejo este tempo como uma extensão do mês do Jejum Bahá'í. Nos próximos meses, vamos experimentar a privação, e praticaremos a moderação, a generosidade e a paciência. Tal como no Jejum, este é um momento em que podemos reflectir profundamente sobre como a situação actual nos pode ajudar a ficamos mais ligados aos princípios da Fé Bahá'í e como podemos servir melhor a humanidade.

Nestes dias podemos escolher, com mais frequência do que anteriormente, orações especiais para procurar ajuda e orientação. Na Epístola de Ahmad, Bahá'u'lláh diz:
Lembra-te dos Meus dias durante os teus dias, e da Minha angústia e Meu exílio nesta remota prisão.
Este versículo levou-me a traçar paralelos entre os eventos da história da nossa Fé e a actual situação em que nos encontramos. Assim, se estou preocupada sobre as semanas em que terei de ficar no conforto da minha casa e na companhia da Netflix (ha ha ha) quer dizer, da minha família, então talvez deva lembrar-me de como Bahá'u'lláh e os Seus companheiros ficaram presos na fortaleza de Akká durante dois anos. Quem já esteve em peregrinação e teve o privilégio de ver, sabe que a cela de Bahá'u'lláh ocupou era do tamanho de um pequeno quarto. E se me perturba o facto de não podermos apertar as mãos uns dos outros e termos de manter uma distância de dois metros entre nós, então o que pensar daqueles peregrinos que caminhavam durante dois meses desde a Pérsia até Akká para se encontrarem com a Abençoada Beleza, mas era-lhes negado o acesso à cidade e apenas tinham a oportunidade de O ver através da janela da Sua cela, a uma grande distância, acenando-Lhe e depois regressando a casa? [1]

Muitos países fecharam as suas fronteiras e algumas famílias estão separadas sem saber quando estarão novamente juntas. Graças a Deus, muitos de nós temos formas de manter o contacto através do Skype ou do Viber. No entanto, esse não foi o caso do Báb, quando foi expulso e exilado de Shiraz. Ele teve de ficar separado da Sua jovem esposa com quem tinha casado recentemente, e da Sua respeitável mãe. Infelizmente, nunca voltaram a estar juntos. Na verdade, durante muito tempo, estas duas importantes mulheres da Sua vida não tiveram conhecimento da Sua execução.[2] Numa outra ocasião, Bahá'u'lláh, apesar ter recebido a ordem de exílio para a Sua família, teve de deixar o Seu filho Mirza Mihdi, que tinha três anos de idade, devido à saúde do menino. A família tinha medo de que a longa e dura viagem de Teerão para Bagdade, durante o inverno, fosse um perigo para a sua vida. Mirza Mihdi só se juntou à família oito anos mais tarde.[3] Esta longa separação dos seus pais seria muito dolorosa para uma criança, mesmo nos nossos dias em que temos tecnologias que nos mantêm ligados. Então, quão mais difícil deve ter sido viver algo semelhante, no meio do século XIX, quando não existiam essas tecnologias?

A varanda de uma familia Baha'i, em Itália
Durante uma quarentena voluntária, ainda posso fazer compras de bens essenciais ou sair para passear; no entanto, durante o Seu encarceramento em Akká, Bahá'u'lláh não tinha esta possibilidade. Podemos imaginar o quão imensamente feliz Ele ficou quando, após sete anos de prisão domiciliária, entrou pela primeira vez no Jardim de Ridvan, tão carinhosamente preparado para Ele por 'Abdu'l-Bahá, para que pudesse apreciar aquela vegetação deslumbrante.

Hoje se nos lamentamos pelo facto de termos de ficar em casa com todas as comodidades e na companhia dos nossos entes queridos, talvez seja útil lembrar o Báb. Privado de qualquer conforto, no frio intenso dos meses de inverno quando a Sua barba ficava coberta de gelo após as Suas abluções [4] e as Suas mãos gelavam e já não conseguia escrever, o Báb nem sequer tinha uma lamparina para iluminar o Seu quarto. Durante a maior parte do tempo de encarceramento em Mah-Ku, Ele apenas tinha um companheiro, Siyyid Husayn-i-Yazdi. [5] E se eu ficar sem víveres ou abastecimentos, tudo o que tenho de fazer é encomendar o que preciso com um clique do mouse. As minhas encomendas serão entregues à minha porta após algumas horas. No entanto, o Báb tinha de encomendar os abastecimentos através de um acompanhante de confiança, e tinha de esperar pela sua encomenda durante semanas ou meses. Numa ocasião, o Báb pediu que Lhe comprassem mel. Quando o recebeu, o Báb ficou desiludido porque tinha sido excessivamente caro. Pediu que o mel fosse devolvido e advertiu os comerciantes para que não cobrassem demasiado pelos seus produtos. [6] Isto é algo que podemos relacionar com estes tempos de crise, quando os retalhistas aumentaram os preços dos produtos mais essenciais.

Por fim, este tempo de angústia global faz-me pensar nos heróis de Shaykh Tabarsi. Isolados no interior do forte, privados de alimentos, comeram cintos de cabedal e ervas, mas não permitiram que os seus espíritos desanimassem ou que as suas mentes esquecessem o grande objectivo que pretendiam alcançar. [7] Sacrificaram-se tremendamente por todos nós, as futuras gerações de Bahá'ís que levariam o estandarte da unidade por todo o mundo. Que sejamos inspirados pelo seu heroísmo e sacrifícios, e guiados pelo seu exemplo, que consigamos espalhar os Ensinamentos de Bahá'u'lláh com que a humanidade encontrará consolo. Bahá'u'lláh deu-nos esta oração que podemos usar em momentos de crise:
Ó Tu Cujos testes são um remédio curador para aqueles que estão próximos de Ti, Cuja espada é o desejo ardente de todos os que Te amam, Cujo dardo é o desejo mais querido dos corações que por Ti anseiam, Cujo decreto é a única esperança dos que reconheceram a Tua verdade! Imploro-Te, pela Tua doçura divina e pelos esplendores da glória do Teu semblante, que faças descer sobre nós, do Teu retiro nas alturas, aquilo que nos permita aproximar de Ti. Torna firmes, então, os nossos pés na Tua Causa, ó meu Deus; e esclarece os nossos corações com o esplendor do Teu conhecimento, iluminando-os com o brilho dos Teus Nomes.

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NOTAS:
[1] - Baharieh Rouhani Ma'ani, Leaves of the Twin Divine Trees, p. 149
[2] - Idem, p. 40
[3] - Idem, p. 100
[4] - Nabil, The Dawn-Breakers, p 252
[5] - The Bab, Persian Bayan, Unit 2, chapter 1
[6] - Nabil, The Dawn-Breakers
[7] - Idem.
[8] - Baha'u'llah, Baha'i Prayers

Texto original: How Isolation Can Help Us Draw Parallels to Events in Baha'i History (www. https://www.bahaiblog.net/)

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Irina é uma Bahá'í que gosta de estudar a história da Fé Bahá'í. Vive na Califórnia com o marido e a filha. É artista, dedica-se à fotografia e dedica-se à escrita. Nos seus tempos livres gosta de cozinhar e de estar com a família. Aprecia o contacto com a natureza e cultiva árvores de fruto. Colecciona livros, lê muito e é visitante assídua de museus; gosta de viajar pelo mundo e explorar outras culturas.

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