Ultimamente, ando em choque e a rir-me da ironia da vida. Aqui estou eu, cancerosa, à espera de morrer e à espera de ir embora em breve; e duas pessoas que me são muito próximas também vão.
Uma delas está possivelmente a caminho do outro mundo devido à síndrome do choque tóxico, e a outra pode ter uma longa e difícil batalha com a sua saúde devido a uma possível LMA, uma forma de leucemia de crescimento rápido. Neste momento, à medida que a minha morte se aproxima, nada parece fazer muito sentido.
Esta situação com as minhas duas queridas amigas perturba-me. Estou a pensar que talvez este seja um dos meus testes espirituais – confio no Criador com força suficiente para ser humilde? Compreendo e aceito que Deus sabe o que está a fazer, e aceito a Sua vontade, seja para mim ou para as pessoas que me são queridas?
Este tipo de teste, que ocorre no final da minha vida, surpreende-me. Pensei que tinha percorrido um longo caminho espiritual, mas agora vejo que devo recomeçar desde o ponto de partida.
Há algumas horas, tentei encontrar algumas roupas para vestir que não provocassem ardor/comichão na pele. Devido a esta condição, a maior parte das minhas roupas boas - normalmente reservadas para ir a locais públicos, e suficiente bonitas para não serem usadas todos os dias - agora uso-as para dormir, o que normalmente as pessoas saudáveis não fariam. Disse a mim mesma: não devia usar estas roupas na cama, mas sim guardá-las para o futuro - o que me soou tão engraçado aos ouvidos que comecei a rir. Percebi que este dia, este momento, é o meu futuro aqui neste mundo. Foi tão estranho.
Não temos a certeza, mas parece que o meu cancro pode estar a criar metástases no pâncreas, pois sinto uma dor mínima ou noto a dor no lado direito do abdómen. A dor ainda não é suficientemente forte para tomar analgésicos, mas as enfermeiras da clínica apresentaram muitas opções para lidar com a minha dor, desde o Tylenol à morfina. Consultando-os, decidi que a morfina ficará reservada para a última fase da minha vida física.
Talvez, finalmente, tenha começado o princípio do fim. Rezo muito para não ter medo se, e quando, a dor se tornar mais insuportável do que posso suportar. Sei, por testemunhar o que pode acontecer a outras pessoas aqui no meu lar de idosos, que a dor intensa no final da vida pode ameaçar a fé e a dependência das pessoas em relação a Deus.
Continuo a lembrar-me que nas Escrituras Bahá’ís, Bahá’u’lláh promete-nos:
Juro pela Minha vida! Nada pode acontecer aos Meus amados, salvo aquilo que lhes é proveitoso. Disto atesta a Pena de Deus, o Mais Poderoso, o Todo-Glorioso, o Mais Amado. (…) Não permitais que os acontecimentos do mundo vos entristeçam. Juro por Deus! O mar de alegria anseia por alcançar a vossa presença, pois todas as coisas boas foram criadas para vós, e ser-vos-ão reveladas de acordo com as necessidades dos tempos. (…) Ó meus servos! Não vos entristeçais se, nestes dias e neste plano terreno, coisas contrárias aos vossos desejos forem ordenadas e manifestadas por Deus, pois dias de alegria feliz, de deleite celestial, estão certamente reservados para vós. Mundos, santos e espiritualmente gloriosos, serão revelados aos vossos olhos. Estais destinados por Ele, neste mundo e no além, a participar dos seus benefícios, a receber as suas alegrias e a obter uma porção da sua graça sustentadora.
Por isso, agarro-me a esta promessa Bahá’í e confiarei que o Deus amoroso me dará forças para passar por tudo o que tenho de passar para atravessar este plano mortal.
Esta manhã acordei após um pesadelo. Foi um sonho muito semelhante a outro que costumava ter durante muitas décadas da minha vida, quando me encontrava desesperadamente retida no meu país natal, o Irão. O sonho acontecia numa altura em que a perseguição aos Bahá’ís no Irão estava num dos seus piores momentos, por isso ficava aterrorizada.
Curiosamente, durante a última década, não tive esse sonho, mas ontem à noite, esse sonho terrível voltou, ou eu revisitei-o.
No sonho, eu estava numa pequena cidade onde havia um grande grupo pessoas a perseguir os Bahá’ís. Estas pessoas estavam vestidas como o KKK, excepto de azul e sem cobrir os rostos, e até as crianças da cidade tinham treinadas para perseguir os Bahá’ís. Pensei que estava mentalmente saudável o suficiente para ter deixado para trás aqueles velhos medos, mas, infelizmente, eles aparentemente ainda me perseguem. Pensei que talvez estes medos reflictam algum medo persistente da morte, da minha aniquilação. Tive de lembrar-me desta passagem das Escrituras Bahá’ís nos assegura que todo o buscador espiritual é imortal:
Nesta viagem, tendo mergulhado no oceano da imortalidade, libertado o seu coração do apego a qualquer coisa que não seja Ele, e alcançado os mais sublimes cumes da vida eterna, o buscador não verá aniquilação nem para si nem para qualquer outra alma. Beberá do cálice da imortalidade, percorrerá a sua terra, voará na sua atmosfera, associar-se-á àqueles que são as suas personificações, partilhará os frutos imperecíveis e incorruptíveis da árvore da eternidade e será contado para sempre, nos sublimes cumes da imortalidade, entre os habitantes do reino eterno.
Depois, quando acordei de manhã, ocorreu-me um pensamento bem distinto daquele sonho. Cada vez que visito o nosso centro oncológico, entregam-nos um questionário, um lado abordando os aspectos físicos da doença e o outro lado focando os aspectos mentais e emocionais. Por exemplo: “De 1 a 5, quão deprimido está?” A minha resposta foi sempre a mesma: zero.
Assim, ao preencher aquele questionário depois do meu pesadelo, e reconhecendo as belas promessas que os ensinamentos Bahá’ís revelam sobre a vida eterna, percebi que estava a dizer ao universo que estou feliz por estar na Terra. Esta existência física deu à minha alma tempo e espaço para se desenvolver e crescer em preparação para o meu último e verdadeiro lar – o outro mundo. Então, porque é que eu deveria estar infeliz ou deprimida?
Disse à Mãe Terra que estava muito satisfeita com ela e com a sua generosidade por me ter permitido viver tanto tempo e aprender tanto.
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Texto original: Cancer and the Will of the Creator (www.bahaiteachings.org)
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Mahin Pouryaghma, tem quase 87 anos, e é iraniana. Desde 1964 que vive na América do Norte e actualmente vive em Marshallville, Geórgia. Mahin comprometeu-se com a Fé Bahá’í desde os seus 30 anos, com o objectivo de servir Deus servindo a humanidade.
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