terça-feira, 31 de agosto de 2004

'Akká, a Bastilha do Médio Oriente

Assinalam-se hoje 136 anos sobre a chegada de Bahá'u'lláh ao destino do Seu quarto e último exílio.

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Em 1868, o Sultão Otomano, 'Abdu'l-'Aziz, condenou os "exilados persas" a um isolamento rigoroso e perpétuo na colónia penal de 'Akká. Um decreto emitido em 26 de Julho desse ano estipulava o encarceramento e proibia qualquer tipo de relacionamento entre os exilados e os habitantes de dessa cidade. O texto desse decreto foi lido nas mesquitas da cidade, pouco antes da chegada dos exilados; era um aviso para a população.

'Akká[1] é uma das mais antigas cidades do mundo que tem sido continuamente habitada. Está localizada nas costas do Mediterrâneo Oriental e possui um porto natural; está também situada na rota entre Egipto e Mesoptânia, dois berços civilizacionais. Foi referida pelo Egípcios, há mais de 4000 anos; esteve sobre diversos domínios: egípcio, assírio, persa, grego, romano, árabe e cruzado (foi capital do reino cruzado[2] até 1291). Sob domínio otomano começou por ser uma aldeia insignificante, mas em 1749 foi criada a província de 'Akká; foi o reconhecimento pela crescente importância estratégica e comercial da cidade. No séc. XIX, 'Akká era uma cidade-prisão para criminosos e prisioneiros políticos: um escritor chamou-lhe "a Bastilha do Médio-Oriente".



Na manhã de 31 de Agosto de 1868, um vapor austríaco ancorou na baía de Haifa. A bordo seguiam Bahá'u'lláh, Sua família e alguns companheiros; eram 67 pessoas estavam abrangidas pelo decreto do Sultão 'Abdu'l-'Aziz. Na tarde desse dia, um pequeno veleiro procedeu ao transbordo dos exilados para a cidadela de 'Akká. Vários rumores tinham antecedido a chegada daquele grupo; os habitantes ficaram curiosos e confusos; alguns boatos criaram hostilidade e quase confronto. Alguns esperavam no cais para assistir à chegada do "Deus dos Persas".

Numa epístola ao Grão Vizir da Turquia, Bahá'u'lláh escreveu: "Na primeira noite formos privados de bebida e comida... Alguns suplicaram por água, mas isso foi-lhe recusado" [3]

No dia seguinte à chegada, algumas pessoas próximas do Governador vieram como estavam os exilados. Ao dirigirem-se a Bahá'u'lláh perceberam que estavam na presença de Alguém totalmente diferente de todos os outros prisioneiros que alguma vez tinham estado na cidadela.

A hostilidade da população e a brutalidade dos guardas foram particularmente notórias; por essa ocasião 'Abdu'l-Bahá começou a assumir o papel de interlocutor dos exilados e as autoridades. Durante os meses seguintes, a escassez de alimentos e as terríveis condições de higiene causaram doença (malária e desinteria) e três mortes entre os exilados. O episódio mais amargo para Bahá'u'lláh foi a morte do Seu filho Mirzá Mihdi.

A vigilância exercida sobre os exilados era extremamente rigorosa. Qualquer contacto com o exterior apenas se efectuava se se verificasse ser realmente necessário; esses pequenos contactos eram vigiados e acompanhados pelas autoridades. Alguns dos exilados contaram que se era necessário chamar um barbeiro, este vinha acompanhado por um guarda que se mantinha presente enquanto durasse a sua actividade.



Numa epístola Bahá'u'lláh compara a detenção em 'Akká com a anterior detenção em Teerão:

"...após a Nossa chegada a este Local, escolhemos designá-lo como a "Mais Grandiosa Prisão". Apesar de anteriormente termos sido sujeitos a correntes e grilhões noutra terra (Teerão), mesmo assim recusamos referi-la por esse nome. Diz: Ponderai nisso, ó vós, dotados de compreensão." [4]

Quando entre a comunidade bahá'í na Pérsia, se ficou a saber que Bahá'u'lláh estava preso em 'Akká, alguns crentes tentaram viajar até lá. Se na entrada da cidade eram reconhecidos como persas, a entrada era-lhe impedida. Restava-lhes contemplar de longe a cidadela, e a janela da cela de Bahá'u'lláh. Mesmo assim, houve um punhado de crentes que conseguiu visitar pessoalmente Bahá'u'lláh.

Apenas dois anos mais tarde, a vigilância das autoridades afrouxou; de isolamento rigoroso, os isolados passariam para uma espécie de prisão domiciliária. Só então lhes foi permitido algumas facilidades (na aquisição de alimentos, combustível e outros bens) e restabelecidos vários contactos com o exterior.

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NOTAS
[1] - Uma planta Interativa de 'Akká encontra-se aqui. Também este site contém informções interessantes sobre 'Akká.
[2] - 'Akká era conhecida por Ptolemais no mundo antigo e por S. João do Acre no tempo dos Cruzados.
[3] - Citado em GOD PASSES BY, pag 187
[4] - Citado em GOD PASSES BY, pag 185

domingo, 29 de agosto de 2004

O livro do Conde de Gobineau

Joseph-Arthur, Conde de Gobineau (1816-1882) foi um diplomata e escritor francês que trabalhou em várias embaixadas em diferentes países do mundo. Em 1854, foi nomeado primeiro secretário da embaixada francesa em Teerão. Na sua carreira diplomática, o conde Gobineau esteve ainda colocado na Suíça, na Grécia, no Brasil e na Suécia. A queda do Império Francês, em 1870, deixou-o amargurado com a situação política francesa. Nos últimos anos da sua vida abandonou a França e viajou pela Alemanha e pela Itália. Faleceu em Turim em 13 de Outubro de 1882.

Gobineau é recordado, sobretudo, pelo livro Essai sur l'inégalité des races humaines. Este livro defende teorias raciais, nomeadamente a supremacia da raça branca; sustenta ainda que os povos latinos e os judeus tinham degenerado no decorrer da história devido a várias misturas raciais, e que apenas os alemães tinham preservado a pureza ariana.

Não é, portanto, de estranhar que Gobineau seja hoje referido como "o Pai do Racismo" (1).

LES RELIGIONS ET LES PHILOSOPHIES...

Mas Gobineau escreveu outros livros. A sua missão na Pérsia proporcionaram-lhe uma série de contactos que o inspiraram a escrever o livro Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale. Mais de metade dos capítulos deste livro são dedicados à religião do Báb; também aborda outros temas, nomeadamente, o Sufismo e o teatro religioso persa.

Devo confessar que me incomoda o facto de Gobineau ter sido autor do livro que melhor deu a conhecer a religião Bábí no Ocidente, durante o séc. XIX. Não deixa de ser irónico que as origens da Fé Bahá'í (que promove conceitos como a fraternidade entre todos os seres humanos e o fim dos preconceitos raciais) sejam referidas por uma pessoa que defendeu teorias raciais. O livro foi publicado em 1865, dois anos após o regresso de Gobineau da Pérsia, onde ele foi embaixador francês.

Na época em que o livro foi escrito, um dos irmãos de Bahá'u'lláh, chamado Mirzá Yahyá, assumia uma certa proeminência na comunidade babí. Dois cunhados de Yahyá eram funcionários da embaixada francesa, e provavelmente terão fornecido muita informação ao conde. Apesar de conter alguns erros históricos, o livro aborda com rigor os ensinamentos do Báb; ao contrário de anteriores outros autores da época, Gobineau foi capaz de resumir as doutrinas do Báb de forma muito abrangente.

O sucesso do livro foi imediato; passado um ano, foi necessário produzir uma nova edição, facto invulgar para um livro que naqueles tempos abordava este tema. Durante algumas décadas inspirou a imaginação de alguns europeus sobre os heróis Babís e a sua religião. Muitos dos artigos publicados em revistas e jornais na Europa e na América baseiam-se no livro de Gobineau.

EXCERTOS

Sobre a sucessão de Profetas que Deus envia à humanidade, Gobineau escreveu:

Gradualmente, porém, e com passos vacilantes mas ininterruptos, a humanidade avança. A lei de Moisés em breve se tornou insuficiente e a realidade divina incarnou em Jesus, trazendo a Cristianismo. Esse foi um enorme passo em frente. O mundo lucrou suficientemente com isso, de forma que, após um período de tempo inferior ao que é costume, apareceu Maomé. Ele levou os homens um pouco mais longe do que Jesus tinha levado. No entanto, não mais que o seu predecessor, ele conseguiu transmitir-lhes um impulso uniforme, e muitos deles permaneceram obedientes a revelações antiquadas, tal como tinha acontecido anteriormente. Finalmente o Báb apareceu, com a sua revelação, sem dúvida mais completa e... mais progressista...(2)

O Báb tinha profetizado o aparecimento de um novo Profeta a quem se referia com a expressão "Aquele que Deus tornará Manifesto". Gobineau, ao descrever o Bayan(3), refere:

É composto, em teoria, por 19 unidades ou divisões principais, que por sua vez contêm 19 parágrafos cada uma. Mas o Báb escreveu apenas onze destas unidades e deixou as outras oito para o grande e verdadeiro Revelador, para Aquele que completará a doutrina, e em relação ao qual, o Báb não é mais que S. João Baptista era perante Nosso Senhor. A doutrina do Báb é, assim, transitória; é preparatória para o que virá mais tarde; limpa o terreno; abre o caminho… Desta forma, por exemplo, o Báb aboliu o Qiblih, isto é, a prática dos muçulmanos e dos judeus de se voltarem para um determinado ponto no horizonte quando oram… Mas ele não definiu um novo Qiblih para substituir os abolidos, e declara que sobre este assunto não tem nada a decretar, e que o Grande Revelador decidirá sobre isto.

Grande parte do Bayan é dedicado ao anúncio, à explicação e à antecipação do advento desta importante faceta da verdade. O Báb, que não deseja dizer muito sobre isso, pois não está autorizado a fazê-lo, designa o Grande Desconhecido por "Aquele que Deus tornará Manifesto"...

...o Báb pronunciou que o aparecimento d'"Aquele que Deus tornará Manifesto" coincidirá com os preparativos do Juízo Final, e que será esse profeta que, na realidade, levará a humanidade purificada ao seio da Divindade que a aguarda… De acordo com esta descrição, "Aquele que Deus tornará Manifesto" será o Iman Mahdi, será Jesus Cristo vindo sobre as nuvens para julgar a Terra
.(4)

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NOTAS/REFERÊNCIAS
(1) - Ver referência a Gobineau no Centro Wiesenthal
(2) - Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale, pag.291
(3) - Principal Livro sagrado da religião Babí
(4) - Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale, pag. 297-298

sexta-feira, 27 de agosto de 2004

Acesso à Universidade no Irão

Nos últimos meses o governo iraniano deu garantias públicas (nos media e junto de organismos internacionais) que os estudantes bahá'ís não seriam impedidos de entrar nas universidades por causa da sua religião. As garantias dadas pelo governo iraniano de nada valeram; os candidatos à universidade apenas podem professar uma das religiões reconhecidas.

Há vinte anos que os bahá'ís vêem negado o acesso à universidade, apenas devido às suas convicções religiosas. O processo era simples: um dos impressos a preencher pelos candidatos continha uma zona de identificação da filiação religiosa onde apenas se podia colocar apenas uma das quatro religiões oficialmente reconhecidas no Irão: Islão, Cristianismo, Judaísmo e Zoroastrianismo. Não era permitido preencher outra religião; e assim se impedia o acesso dos bahá’ís à universidade.

Durante o último ano, o governo iraniano prometeu que seriam retirados os obstáculos à entrada dos bahá'ís nas universidades.

Na realidade, esse impresso desapareceu; é unicamente solicitado aos estudantes que identifiquem a religião que será matéria de exame no conjunto de exames de admissão. Só que apenas as quatro religiões reconhecidas são objecto de exame. Primeiramente, as autoridades informaram que os bahá'ís deviam escolher o Islão como matéria de exame, e isso não teria qualquer implicações para os estudantes; agora afirmam que essa escolha foi uma conversão.

Mas na prática, o que o governo iraniano diz é: Podem entrar na universidade, mas têm de fingir que são muçulmanos. Os bahá'is não fingem; e o governo iraniano sabe isso muito bem. Desta forma, existem cerca de 1000 estudantes a quem é pedido que neguem a sua fé para poderem frequentar a universidade.

Talvez seja um episódio irrelevante a história da maior minoria religiosa do Irão. Já houve coisas muito mais graves contra os bahá'ís; desde a fundação da República Islâmica, mais de 200 bahá’ís foram executados, centenas foram presos, milhares foram expulsos de empregos, escolas e viram os seus direitos negados.

Talvez este caso pareça de pouca importância, quando comparado com outras tragédias que se sucedem no próprio Irão, ou noutros países. Mas é o futuro de cerca de 1000 jovens que está em jogo. É apenas mais um atropelo aos direitos humanos.

A notícia completa está no BWNS.

quinta-feira, 26 de agosto de 2004

Jorge Filipe



O Jorge é um menino de uma aldeia de Paredes. Nessas aldeias, a maioria das crianças têm um futuro pouco auspicioso. Com um pouco de sorte concluirão o 9º ano; depois disso a maior parte começará a trabalhar para ajudar as famílias. Esperam-nos muitas das pequenas fábricas de móveis e têxteis do concelho. Os raros perseverantes concluirão o 12º ano; mas para esses são poucos os empregos disponíveis.

O Jorge nasceu numa família pobre. A mãe trabalha numa fábrica onde recebe o ordenado mínimo; o pai é toxicodependente e está desempregado.

Frequentemente o Jorge é deixado com os avós e não tem outros meninos com quem brincar. A mãe não tem paciência para brincar com ele; o pai também não. Se algum adulto lhe dá um pouco de atenção, "cola-se" a ele. Precisa de muito afecto.

Com cinco anos o Jorge tem um sorriso bonito, mas o seu futuro não parece muito sorridente.

terça-feira, 24 de agosto de 2004

O Iraque, parafraseando Eça

No final do Sec. XIX, Eça de Queirós, numa das suas Cartas de Inglaterra, abordou a "questão Irlandesa". Sobre a Irlanda levantavam-se na época duas grandes questões: a independência e a questão agrária (os agricultores viviam num sistema de dependência feudal relativamente aos proprietários ingleses). O tom da carta não é nada elogioso para a atitude inglesa.

Sobre a falta de consenso e entendimento relativamente ao problema irlandês, Eça afirma:

"Se os Irlandeses se não entendem bem sobre os males da Irlanda, os Ingleses compreendem-se menos acerca dos remédios para a Irlanda".

Hoje a questão do dia é o "problema iraquiano". É certo que os problemas do Iraque de hoje são totalmente diferentes dos problemas da Irlanda no final do sec. XIX. O Ocidente meteu-se numa grande alhada e ninguém sabe o que fazer. Até dá vontade para parafrasear o Eça:

"Se os Iraquianos se não entendem bem sobre os males do Iraque, os Ocidentais compreendem-se menos acerca dos remédios para o Iraque".

terça-feira, 17 de agosto de 2004

Boa sorte, Campeão!



Nelson Évora, especialista no triplo salto, integra a comitiva portuguesa aos Jogos Olímpicos de Atenas 2004. Mais detalhes no BWNS.