sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Bento XVI e as Religiões do Mundo (7)

Relativismo e Diálogo Inter-Religioso

Ao ler o livro Fé, Verdade e Tolerância: o Cristianismo e as Grandes Religiões do Mundo fica-se com a ideia que na perspectiva de Bento XVI, o relativismo religioso é o maior problema que a Igreja Católica enfrenta hoje em dia. As religiões são colocadas em iguais planos e aparecem como tendo uma missão comum e todos os dogmas se podem questionar. Segundo o autor, …" A atitude relativista consiste em reconhecer que não sabemos o que é a verdade, mas sabemos o que temos de fazer: criar uma sociedade melhor, ou seja, o «Reino» … Eclesiocentrismo, cristocentrismo teocentrismo parecem agora todos ultrapassados pelo reinocentrismo – colocar no centro o Reino enquanto missão comum das religiões, e só sob esta perspectiva e segundo este critério deveriam encontrar-se." (p.68-69)

A faceta particularmente perversa do Relativismo enquanto estimulante do diálogo inter-religioso é apontada por Bento XVI. Veja-se por exemplo, este pequeno excerto da pag. 110:
”O diálogo, no entendimento relativista, significa colocar a posição própria, ou a própria fé, ao nível das convicções dos outros, não lhe cabendo, em princípio, mais verdade que à posição do outro. Apenas se eu, de princípio, presumir que o outro pode ter tanta ou mais razão do que eu, pode ter lugar um verdadeiro diálogo”(p.110).
O surpreendente destas palavras é que afirmam que o cristão nunca deve deixar de sentir que as suas convicções são superiores às dos outros. Não sei como é que alguém se pode dialogar ou relacionar-se com outros quando se proclama a superioridade das suas convicções. Conheço quem afirme a originalidade, a beleza, e a actualidade das suas convicções. Mas nunca vi ninguém que proclamasse a superioridade das suas convicções e com isso conseguisse ter uma relação serena com os outros. Daí a minha surpresa com as palavras de Bento XVI.

É verdade que o diálogo inter-religioso é um fenómeno relativamente recente; tornou-se uma necessidade num mundo globalizado onde o encontro de culturas e povos é inevitável. Para quem vive num gueto mental (ou físico) o diálogo inter-religioso é visto como blasfémia ou deslealdade. Não creio que este seja o problema de Bento XVI; prefiro acreditar que ele desconhece o que é o verdadeiro diálogo inter-religioso.

No diálogo procuramos as semelhanças, as empatias e as diferenças entre comunidades e confissões sem nunca as adoptarmos como nossas. No diálogo não serve apenas para nos sentirmos melhor em relação aos outros, mas também para ficarmos mais conscientes de nós próprios ao descobrirmos um campo de verdades comuns e de diferenças. Obviamente que um diálogo onde uma das partes não age de boa fé – estando convencido da superioridade das suas convicções ou convicto de possuir o exclusivo da verdade – é um diálogo que não dará frutos.

O diálogo inter-religioso não é um processo de conversão do outro que tem uma fé diferente da nossa; E não se limita ao debate académico ou intelectual; assenta, sobretudo na partilha de experiências entre crentes sinceros, crentes que querem aprofundar a sua fé com a ajuda de outros sem caírem em sincretismos ou e não se aconselha ninguém a mudar de religião.

OS TEÓLOGOS DO RELATIVISMO CRISTÃO

Apesar de nunca citar directamente o John Hick, Bento XVI mostra-se conhecedor das ideias da viragem de pensamento coperniciana deste teólogo presbiteriano – a mudança de um paradigma cristocêntrico para um teocêntrico. Para o líder da Igreja Católica, as ideias de Hick relativizam Jesus como um génio religioso entre outros e são uma ameaça ao “carácter incondicional”da “Igreja dos dogmas e dos sacramentos”. E lamenta-se que na perspectiva relativista, a fé da Igreja na “única figura histórica” e Jesus de Nazaré como “Deus vivo” seja qualificada como fundamentalista e uma ameaça “à tolerância e à liberdade” (p.109)

Outro conhecido teólogo do relativismo cristão, Paul Knitter, é acusado por Bento XVI de procurar uma nova síntese entre a Ásia e a Europa, dando à religião um novo valor por meio de uma associação à teologia pluralista da religião com as teologias da libertação. O fantasma da suposta inspiração marxista das ideias destes teólogos também é referido. (p. 112)

Pessoalmente considero estes dois teólogos cristãos como grandes obreiros do diálogo inter-religioso. Tal como outros (Hans Kung, Leonado Boff, Gustavo Gutierrez, Raimon Panikkar), vejo-os como sinais de um Cristianismo destinado a renovar-se e a sobreviver as actuais convulsões mundiais, tal como está profetizado nas Escrituras Bahá’ís. Por esse motivo, também esta é uma matéria em que discordo de Bento XVI.

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