segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Laudato Si' - Juntar Religião e Ciência

Por Arthur Lyon Dahl.


A religião deve estar de acordo com a ciência, de modo que a ciência possa sustentar a religião e a religião explicar ciência. As duas devem unir-se, indissoluvelmente, na realidade. Até aos dias actuais tem sido costume o homem aceitar cegamente aquilo a que se chama religião, mesmo quando não estava de acordo com a razão humana. (Abdu'l-Baha, Divine Philosophy, p. 26)
Em 18 de Junho de 2015, o Papa Francisco publicou a muito aguardada encíclica "Laudato Si ': sobre o cuidado da casa comum". O título vem do cântico de S. Francisco de Assis, "LAUDATO SI ', mi' Signore" - "Louvado sejas, meu Senhor", e define o tema para um longo acréscimo aos ensinamentos da Igreja Católica que aborda os desafios ambientais enfrentados pelo mundo e pobreza persistente, entrelaçando os dois temas como aspectos da mesma doença espiritual que o mundo enfrenta hoje.

O Papa apresenta a sua encíclica como uma perspectiva de sistemas integrados sobre os desafios materiais e espirituais que o mundo enfrenta e sobre a necessidade de soluções espirituais. Os Bahá'ís saúdam uma posição tão clara da Igreja Católica nestas questões; aqui partilhamos a crença que estes problemas merecem prioridade e acreditamos no mesmo diagnóstico de doença espiritual fundamental subjacente a estes assuntos.

A encíclica, que tem 246 parágrafos (aqui identificados pelo seu número de parágrafo e este símbolo ¶), inicia-se com uma introdução de dezasseis parágrafos; seguem-se seis capítulos que começam com onde estamos no nosso tratamento da nossa casa planetária e terminam com o tipo de educação espiritual necessária para enfrentar os desafios ambientais e da pobreza. Os títulos dos capítulos são: "O que está a acontecer à nossa casa"; "O Evangelho da Criação"; "A Raiz Humana da Crise Ecológica"; "Uma Ecologia Integral"; "Algumas Linhas de Orientação e Acção"; "Educação e Espiritualidade Ecológicas". Cada capítulo tem entre três a nove subsecções. A encíclica conclui com uma oração para a nossa terra e uma oração Cristã em união com a criação.

O Papa dirige a sua carta a todos os povos do mundo, e não apenas aos católicos. Inicia-se com uma revisão de declarações anteriores da Igreja Católica sobre o meio ambiente, mencionando São Francisco de Assis e referindo as iniciativas do Patriarca Ecuménico Bartolomeu da Igreja Ortodoxa, e citando fontes Ortodoxa (nota nº 15) e Sufi (nota nº159). Resume os principais desafios ambientais, conforme definidos pela ciência, e explora as suas causas mais profundas numa sociedade materialista, em que os interesses egoístas de curto prazo se curvam perante o lucro sem ter em conta as necessidades dos pobres ou o domínio ambiental. As questões discutidas incluem a poluição e as alterações climáticas, a água (cujo acesso é um direito humano elementar), a perda de biodiversidade, a diminuição da qualidade de vida humana e do colapso da sociedade, a desigualdade global, as fracas respostas governamentais, e a variedade de opiniões. A encíclica avança com fortes críticas ao consumismo, à economia e às empresas multinacionais, fazendo recordar as declarações e publicações da Comunidade Internacional Bahá'í, nomeadamente a declaração “Uma Fé Comum” (sobre a unidade essencial e harmonia de todas as religiões; elaborada sob a supervisão da Casa Universal de Justiça, 2005), entre outras.

Entre os temas desenvolvidos pelo Papa estão a íntima relação entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo no mundo está interligado, a crítica a novos paradigmas e formas de poder derivadas da tecnologia, o apelo à busca outras formas de entendimento sobre economia e progresso, o valor adequado a cada criatura, o significado humano da ecologia, a necessidade de um debate franco e honesto, a grave responsabilidade das políticas internacionais e locais, a cultura do descartável e a proposta de um novo estilo de vida.

Esta nova encíclica papal também propõe várias vias construtivas para o diálogo e acção. Nesta pequena série de ensaios, vamos explorar essas propostas e analisar a sua congruência e coerência com os ensinamentos Bahá'ís sobre a pobreza global e o nosso meio ambiente planetário.

O capítulo 2 da encíclica papal - sobre o Evangelho da Criação - começa com um apelo para um diálogo entre ciência e religião, e à luz oferecida pela fé religiosa sobre os desafios identificados pela ciência. O nosso relacionamento com Deus, com os outros seres humanos e com a natureza foi quebrado, diz o Papa, e devemos voltar à nossa obrigação de utilizar os bens da terra de forma responsável, e respeitar os outros seres vivos e toda a criação. "Tudo está inter-relacionado, e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros." (¶70) As escrituras descrevem Deus como o criador, e retratam o amor de Deus pela Sua criação.

O Papa é crítico de todo o domínio tirânico e irresponsável dos seres humanos sobre as outras criaturas, tal como são os ensinamentos Bahá'ís:
Se reconhecemos o valor e a fragilidade da natureza e, ao mesmo tempo, as capacidades que o Criador nos deu, isto permite-nos acabar hoje com o mito do moderno do progresso material ilimitado. Um mundo frágil, com um ser humano a quem Deus confia o cuidado do mesmo, interpela a nossa inteligência para reconhecer como devemos orientar, cultivar e limitar o nosso poder. (¶78)
No que diz respeito à natureza, cada criatura tem o seu propósito. A contemplação da criação permite-nos descobrir em cada coisa um ensinamento que Deus nos quer entregar. Podemos compreender melhor a importância e o significado de cada criatura se a contemplarmos na totalidade do plano de Deus. Como parte do universo, chamado à existência por um Pai, todos nós estamos ligados por laços invisíveis e, juntos, formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos enche de um respeito sagrado, afectuoso e humilde. O ambiente natural é um bem colectivo, património de toda a humanidade e responsabilidade de todos.

Estes princípios de unidade, administração e unicidade humana, primeiramente ensinados por Bahá'u'lláh em meados do século XIX, começaram agora a influenciar todo o planeta.

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 Texto original: Laudato Si’- Religion and Science Come Closer Together (bahaiteachings.org)

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Arthur Lyon Dahl foi investigador do Museu de História Natural de Washington e consultor da UNCED (United Nations Conference on Environment and Development). É autor de diversas publicações e actualmente é Presidente do Forum Ambiental Internacional, em Genebra (Suiça)

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